domingo, 7 de abril de 2013

FORTUNA



Todo dia devo agradecer à Vida. Envelhecer é, essencialmente, significar o que resta.

E eu tenho sido privilegiado a cada instante procurando olhar e sentir com gosto cada experiência. Por mais aparentemente insignificante cada dia vai tomando contornos. Nada passa sem servir como oportunidade ao sorver.

Cada copo d’água, cada prato com arroz, feijão, lombo de porco, quiabo, couve. Cada copo de cerveja. Cada palavra, cada trepada, cada olhar nos olhos dessa mulher. Cada rega nas rendas portuguesas que se debruçam no jardim vertical de parede de nosso apartamento.

Cada segundo passado com Noninha, seus olhos de jabuticaba e imensa extensão e suas recentes caretas. Cada trocada de fraldas, cada visita ao cachorro da casa vizinha. Cada parada ao transeunte festivo que, invariavelmente, pergunta: “É sua neta”?

Chegou poucos minutos depois de ter ligado no celular dizendo que estava trazendo duas garrafas de Moet & Chandon Impérial para iluminar nosso tricô.

Essa amiga, misto de fragilidade e dependência extrema com ousadia e força para encarar mega negócios empresariais, homens e família, sempre nos arrebata. Nosso espaço fica pequeno para dar conta de sua grandeza. Ela é muito. Sempre.

Suga-nos sem rodeios e cuidados. Faz do afeto gratuito alavanca para poder tratar de tudo no emaranhado do fiar da prosa. Vai de um assunto a outro, diz palavrões catárticos com tal intensidade que, quem está próximo, sente arrepios. Depois se recolhe e escuta com gesto de acolhimento e interesse de aprendiz atento.

Dá gargalhadas histriônicas, move a cabeça para um lado e para outro, abraça com as mãos mechas de cabelos deixando-as em desalinho. Senta-se com as pernas em posição de ioga, levanta-se, pula, inquieta, elétrica, quase louca.

Não é verdade que nossos tricôs já repetem seus moldes. Embora falemos invariavelmente sobre o mesmo: a obra dos sonhos, os filhos e netos, o amor, o sexo, o mundo das viagens internacionais, os quereres e os fazeres o que é invariavelmente intenso e a cada dia torna-se maior é o prazer do convívio.

Começa a despedir-se sempre duas horas antes do momento que efetivamente ocorre o desenlace. Abraça-nos efusiva e sempre diz: “Eu tenho que ir embora. Um beijo”.

Quando ela nos deixa, portadora de lucidez ébrica, fica sempre para nós dois um feixe de reflexões trazidas por esta querida amiga.

Rica. Avassaladoramente rica.


Ate breve. 

2 comentários:

  1. É muito interessante ler de sua própria pessoa escrita por um amigo tão querido...Será que é muito transparente minha fortaleza e minha fragilidade?Será que também é, meu amor pela vida e pelos que amo?Tento levar a vida com muita seriedade , muita justiça,muito riso e alegria;pois consigo ser brava e batalhadora com todas as diversidades que cruzam meu caminho e saio sempre falando:É POSSÍVEL!!!
    Sou lutadora , sou vencedora e sou RICA por ter amigos que valem uma fortuna!!!
    Quero sugar mais da vida e estar mais junto das pessoas que amo.
    Quero ser minimamente feliz várias vezes por dia do que viver eternamente em compasso de espera.A LOUCA

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    1. Em recente viagem ao Peru que fizemos, Ela e eu, paramos inúmeras vezes à beira de estradas ou em mirantes. De lá avistamos vales intensos com suas configurações rochosas exuberantes. Adorava sentir o som de meus gritos reverberar na imensidão. Brigado, querida, pelo retorno.

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