segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

ADIANTE



Alguém me cobra que escreva para por fim ao ano. Para dar de nascer a outro. Como se palavra pudesse mesmo se converter em carne e habitar entre nós. Jamais haverá sentido sob a pele da palavra.

Só escrevo porque não me é possível conjugar na primeira pessoa o verbo doer.

Talvez faça mesmo urgente uma parada para avaliar, por valor no tempo. Abrir as gavetas do passado ano, ir ao encontro de algo que tenha verdadeiramente valido a pena.

Um gesto, um encontro, uma viagem, um dia, um olhar, um dizer, um ouvir que tenha marcado história e que as paredes do coração ainda contêm. No alarido dos dias não se tornou corrente a tarefa.

Talvez não seja mesmo isto que caiba. Melhor apropriar materialidades, tangíveis que possam se expressar absoluta e comparativamente, do tipo: em 31.12.2012 minhas aplicações financeiras eram de R$ e agora estão na faixa de R$ vezes 1,09786 ou, para os menos afortunados, minhas dívidas eram de tanto e agora são de quanto.

Quem sabe, localizar endereço profissional e particular, companheiro (a), lugar onde maravilhou-se com fogos de colores vários.

Fazer uma lista de pessoas que não se encontrou e de outras que conheceu no ano que se encerra.

Lembrar-se de seu peso e o de agora, do número de fios de cabelos brancos em diferentes regiões do corpo.

Olhar-se no espelho e dizer, honesta e francamente: -“Foi bom passar/estar contigo”.

Mesmo sem se olhar no espelho revelar a si seus segredos guardados, intensas promessas não cumpridas, metas propostas não alcançadas, condutas elaboradas e, no entanto, não incorporadas.

E, então, projetar-se.

Fazer uma lista das pessoas que irá procurar no próximo ano.

Fixar como propósito atingir 1,1236% vezes as aplicações financeiras ou, em outros casos, reduzir à metade a dívida.

Definir um plano de medidas físicas, entrar para uma academia, contratar um personal. Trocar desodorante, baton, estilo.

Ou nada disto e nem de tantos outros prometeres. Ocupar-se apenas do gesto, do encontro, de um novo lugar, desse dia, deste dito e deste escutado, que as paredes do coração quase não contenham.

VIVER, intensa e deliberadamente, será o plano. E, ali, surpreender-se.



Até breve.

domingo, 29 de dezembro de 2013

MELDA



Foi logo depois de desembrulhar os ocultos amigos. Dispersávamos uns para aqui outros para ali, até que nós, os homens, ficamos na varanda. M sentou-se e do nada se lembrou de sua Lua.

Há 58 anos ocorreram as núpcias. Ela abastada, filha de pai comerciante imigrante cheio da gaita e ele reles vendedor do Grande Camiseiro, lá da Rua Rio de Janeiro. João, que ainda não era Batista, quis que a Lua fosse passada na roça.

Uma dessas casinhas lá no fundo do nada, colocada em lugar próximo do que hoje é Nova Serrana ou Pitangui. Purali. João foi quem propôs, para economizar dos trocados para pagar os móveis do barraco da Rua Amianto.

Viagem de trem, trec... trec... trec..., depois à cavalo e chegaram. No fundão dos cantos. M olhava tudo com espanto. A casinha tinha cômodos separados por ¾ de parede, de tal sorte que os incômodos e os remeixos de colchão de palha, dada a época e as fomes, debruçavam por todos os cantos do aconchego.

E foi assim durante quinze dias.

Luz a lamparina com o querosene escurecendo ares e cheirando ocre. Mas tudo valia a pena, eram os amores que mudavam os cursos, não os teres. As promessas e, claro, os inhec, inhecs.

Rola (pronuncia-se rôla) do Kim, casada com o tio de João, foi quem os hospedou. À noite os trancava, por fora, no quarto e ia dormir. Rola foi, como todos dos matos, se entregue ao casal, fazendo de um tudo para agradá-los. Matou porco, galinha, sobremesa de melado de rapadura.

Não deu outra. Estômago e intestino acostumados aos paladares de mamãe, a mocinha de M, desandou-se toda de um piriri noturno sem precedentes.

-“Vocês já tiveram, num já? Daqueles que solta um barulho tatatata...”

Na madruga de um dos quinze, trancados, a coisa desapertou.

- “João, me deu uma dor de barriga...” Disse ela cheia de vergonhas. Ele pegou o pinico, urinol debaixo da cama e M aliviou-se ali mesmo.

E foi assim durante a maioria dos dias.

Porco, laranja, mexerica, melado de rapadura e de noite tatatata... De manhã João saia do quarto, passava pela lateral e pegava o pinico tatarento das mãos de M, ela com o rosto virado para não ter contato com o tatatata. Ele sumia com o pinico lá pelos matos e voltava com o vasilhame lavadinho no rio que desaguava pouco abaixo da casinha.

Numa das noites ela correu pro quarto, ameaçava-lhe o tatatata. Os homens conversavam na salinha e tomavam pinga. No quarto, M pegou o pinico e alternou largares na medida em que os homens tagarelavam. Quando eles silenciavam ela travava, vindo o alarido da conversa largava tatatata. Até que não foi possível o controle. Tatatata quando houve silêncio e de lá da sala soaram gargalhadas.

Vergonhas.

E foi assim.

M está hoje com setenta e cinco anos. Contou-os outros viveres, vários. Ficou em cena trazendo seus horrores e que em nós produziram gargalhas de doer o estômago. Fui dormir com um gosto de melado na boca.

Foi uma noite de Luz.



Até breve.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

envóLUCRO



“Ninguém sabe o que faz da vida, exceto, talvez, ganhar dinheiro para consumir, e esse é o mundo real da vitória do capitalismo. Solidariedade virou tema de ficção científica”.

Trecho de crítica escrita por Luis Carlos Merten publicada hoje em coluna do jornal Estado de São Paulo sobre o filme de Mateus Souza: Eu não tenho a menor ideia do que eu estou fazendo de minha vida.

A questão não me parece dizer respeito a futuro porque sempre foi incógnita. Ocorre que este futuro vivido de hoje me soa distinto de futuros anteriores. É que o presente, talvez, é que não estimule a projetos.

Reside aqui talvez nossa chance. Repensar o que está acontecendo agora, no instante. Nossos melhores tempos não estão adiante, mas agora. Este texto agora, não os vindouros. Este momento agora, não os de sonhos adiante.

Penso que o presente já está carregado de significado como algo de que se recebe. Dádiva. Fazemos pouco por ele, saudosos de tempos melhores vividos ou mirabolantes devaneios do que ansiamos por viver.

O presente fica sem se desembrulhar. Não reconhecido. Não sabido. Quase não vivido.

Estamos na quarta, pensando no próximo sábado, lembrando-se da última quinta ou de 1978, quando compramos o nosso primeiro fusquinha amarelo com placa AE1914.

No instante em que Noninha me pede colo para sentar-se conosco no café da manhã. Cena repetida inúmeras vezes em passado recente e futuro, mas que tem um doce de agora não necessariamente sorvido.

O olhar dela me assalta.

Esse café, essa fruta, essa chuva, esse papo da matina, esta ressaquinha de alcoóis da segunda e da terça. Esse agora, aqui e agora. Desse instante. Sem ontem ou daqui a pouco, quando iremos adentrar em outro instante fugaz e perdido.

Como se presente fosse lembrancinha que se ganha em aniversário e natais. Como se fosse algo apenas.

Não.

Viver é estar agora. Memória é para registro, futuro é para planos sem obstáculos, como se o real não o fosse.

Não.

Viver é olhar nos olhos, lá no fundo, dos que nos fitam. Tocar essa mão que me acaricia agora, beber este copo dessa água, evacuar este resto deste agora. Terminar este texto e somente este texto agora. E no mais dizer.



Até breve.

domingo, 22 de dezembro de 2013

FéLizCitações



A sensação é de brevidade. Tudo ocorre intenso e rápido. Hoje já é agradecimentos pelo vivido e votos à viver. Basta olhar para Noninha, para Zeroum, para o ventre de Pretinha. Não que nos surpreendam, mas porque crescem.

Ontem estive em uma festa de confraternização de uma empresa cliente. Um dos acionistas me disse ao pé do ouvido que eu fui responsável pela arquitetura do projeto. Não que eu não soubesse, mas o outro que recebe dizer alcança.

Bê nos procura agora, face à intempéries, e renova berço.

Vlad, nas áfricas, sofre de outra paixão. Alvi-negra. O que não é de todo novo, claro.

Amigos próximos nos recebem para natalidades e nos servem florentinos de sabor e aconchegos inigualáveis.

A chuva esverdeia e nublina o tempo da mata no recanto. É de época.

Lichias esvermelham, embora alguns fungos às vitimaram.

Goteiras vazam chuvas na casinha de Noninha, faz-se presente o convite à cuidados.

Meu coração se nostalgia, eu sofro a dor de ter sido aqui e ali recompensado.

Penso nesses tempos todos, em minhas contaminações várias do espírito e do intelecto, fui inscrevendo-as aqui desaguando sobre meus incertos e desconhecidos com os quais compartilho minhas absurdas inquietações e banalidades.

Vivo com gosto e insuficientes e intermináveis agradecimentos.

Desejo e muito que o tempo avance mesmo que nessas velocidades. Que tragam ventos que norteiem caminhos, que todos tenham destinos vários, mas que se encontrem neles.

Que respeitem sobretudo a si próprios e não se permitam atrocidades, inclusive aquelas mais agudas, aquelas que se justificam por serem de todos. Individualizar-se permaneça uma utopia do possível. E do imprescindível.

Que façam projetos e os realizem. Que deles tirem lições soberanas e profundas.

Que a riqueza se traduza em sentimento que gere lágrima ou sorriso ou à ambos. E que sejam intensos, pois valerão toda a pena.

Que o futuro nos melhore, com olhares mais brandos, mãos mais dóceis, corações mais frágeis, cérebros mais fluídos, pernas mais flexíveis.

Desejo, enfim, que essa breve passagem torne-se de tal sorte infinita que nos dê a grata sensação de tê-la vivido na extensão da dádiva.

E que, no mais, alguém nos perdoe, por não torná-la possível.


Até breve.



quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

ÓPIO



Os campeões de consultas ao Google em 2013:

Google Trends - Trending Top 10, 2013, Brazil

1. BBB 13

2. Telexfree

3. Salve Jorge

4. Enem 2013

5. MC Daleste

6. A Fazenda

7. Pronatec

8. Amor à Vida

9. PEC 37

10. BBom

Além do ranking acima, curiosidades:

1.“Como fazer arroz” e “como fazer brigadeiro” foram as duas principais buscas na categoria “como fazer”.

2. A música mais procurada foi Harlem Shake, seguida de Show das Poderosas, da Anitta.

3. Quando a pergunta começa com “o que é”, a busca por “o que é folclore” foi a maior, seguida de “o que é hardware”.


Síntese do Relatório elaborado pelos controladores do Regime:

"O exposto acima nos tranquiliza. Não há a mínima possibilidade de  alterações no estado geral de coisas. As massas estão ocupadas com questões de relevância moderada e não deverão ocorrer maiores manifestações em prol de reivindicações amplas e desarticuladas.

A ordem perdurará e nenhuma ocorrência de vulto deverá advir".


A parte do relatório, claro, é pura ficção.


Até breve.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

TRANSA



Minas Gerais registrou estatística de média de três crimes de morte (assassinatos) por dia no ano de 2013 motivados pela paixão.

Namorados, amantes, maridos, esposas, ex, entornaram suas emoções em balas, lâminas, venenos ou outros mecanismos para cessar a angústia por não verem seus desejos realizados.

Não é verdade, portanto, que quem ama não mata, até porque o ódio é o amor com o sinal trocado.

A questão que me traz à post não é o crime, mas a paixão nos tempos de agora. O que mudou em relação aos motivos que levaram a pantera mineira por Doca Street, e a cantores, jornalistas, pedreiros, atletas, juízes, prostitutas e prostitutos tirarem a vida de seus então queridos?

As mulheres mudaram e os homens também e, por força deles, as instituições, os costumes, as leis.

Amar deixou de ser um verbo transitivo. No passado os amantes não possuíam sentido completo, portanto, precisavam de um complemento. Hoje, parece, depende.

Ficar, por exemplo, pode ser com mais de um em uma única noite. Noivar tem sentido exclusivo econômico face à indústria do matrimônio e casar (?), afora a solenidade (evento) não é um contrato que uma passada rapidinha ali no cartório não possa dissolver.

A coisa ficou fácil para completar-se sem a pecha cruel de “até que a morte os separe”. A paixão governa fluída, temporal e efêmera. A fila anda com a maior naturalidade.

Não para alguns, e é aí que o bicho pega. Tem gente que não entendeu ainda que o outro não é objeto direto e nem de propriedade. Embora a situação esteja desnivelada para o lado das mulheres, a delegacia especial tenta minimizar este desequilíbrio, os homens (sexo frágil) é que partem para cima.

Então, o que deverá advir destes novos tempos?

A morte continuará separando casais. E, provavelmente, não por força da longevidade da união, mas porque alguém não suporta a ausência daquele (exatamente e só aquele) que o complementa.

Talvez porque o amor (e ó ódio, por consequência) seja algo único que permanecerá imutável até que nos tornemos autômatos insensíveis.



Até breve.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

DESUSO


- Vovô?

- Oi, Valentin?

- Quando você era da minha idade você brincava de quê?

- De finca, de futebol, de carrinhos de rolemã, de soltar pipas, de polícia-ladrão, de pula-toco, de bentealtas, de...

- Quantas fases tinham esses jogos?

- Fases?

- É, vovô...

- Como assim?

- As fases de dificuldades, ora.

- Na minha época de criança, não havia computadores, Ipads, estes novos equipamentos...

- E como era que era?

- Na rua.

- Na rua?!!! A sua mãe deixava?

- Ela que mandava a gente brincar na rua, Valentin...

- Sua mãe era doida?

- Por quê?

- Ela não tinha medo de carros, de pivetes, de roubarem os seus brinquedos?

- Que brinquedos?

- Ora, esses aí que você falou... Polícia-Ladrão, bentealtas...

- Valentin, o vovô não tinha brinquedos como os de hoje. Era o vovô que fazia os brinquedos.

- Você, pequeno que nem eu?

- Sim.

- Como?

- Eu vou te ensinar.

- E é fácil?

- Depende.

- De quê, vovô?

- De você ter paciência...

- Por quê?

- Às vezes fazer um brinquedo da minha época leva tempo, tem que achar o material, preparar, enfim às vezes demora muito até ele ficar pronto e a gente poder brincar com ele.

- E por que que você não ganhava de sua mãe?

- Primeiro por que alguns brinquedos não eram fabricados e aqueles que eram minha mãe não tinha como comprá-los.

- Não tinha shopping?

- Pois é.

- Vovô, e você brincava muito na rua?

- De manhã eu ia prá aula, almoçava e depois ia direto brincar até de noitinha...

- Você ficava na rua até de noite?!!!

- Só voltava prá casa quando uma de minhas irmãs ia me buscar dizendo que a nossa mãe ia me bater de chicote...

- Chicote?!!!

- Um brinquedo, Valentin, que minha mãe tinha...

- Ela que fazia o chicote?

- Não, pegava no mato...

- ÃÃÃ?!!!

- Vara de marmelo.

- ÃÃÃ!!!




Até breve.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

POLÉN



Versão de astrólogo:

"Planetas são entidades vivas compostas por inúmeras espécies orgânicas e inorgânicas. Mundos são versões dessas realidades, pontos de vista que, tendo um número de entidades concordado silenciosamente a respeito, se transformam em realidades inquestionáveis. Porém, no fundo continuam sendo versões e, como tais, sujeitas a serem alteradas a qualquer momento.

Que momento seria esse? Quando essas versões não forem mais necessárias e, pelo contrário, ocuparem o lugar das visões imprescindíveis que libertam e providenciam combustível para continuar progredindo, então se autodestroem sob seu próprio peso.

Vivenciamos isso na época atual, o mundo desmorona, se mantém como um morto-vivo porque ainda há gente suficiente que acredita que a realidade é o que é, e não apenas uma versão".

É mais do que evidente minha corujisse por Noninha. Que ninguém duvide disso. Então tudo que vir dela será extraordinário. Minha neta é ímpar. E isso não se trata de versão, isto é fato inconteste e ninguém ficará silenciado para confirmá-lo.

Voltei de viagem e a encontrei com uma palavra mais do que nítida. É verdade que ela já fala com graça vovó, vovô, papa e mamã. A palavra que ela incorporou agora ela já tinha em gesto.

- “Não”.

Assisti a bordo do avião em que retornei para o Brasil ao filme NO, candidato ao Oscar 2013 na categoria de melhor filme estrangeiro, protagonizado por Gael Garcia Bernal. René Saavedra (Gael) é um publicitário exilado na época da ditadura chilena, filho de um dos desaparecidos pelo regime, é convidado para fazer a campanha em prol do NÃO no plebiscito que escolheria pela permanência ou não de Pinochet no comando da nação.

Relutante, descasado de uma militante contra a ditadura instalada há quinze anos, pai de um menino de cinco anos, René acaba aceitando fazer a campanha. A equipe inicialmente constituída faz os primeiros programas televisivos de 15 minutos que eram levados ao ar com uma abordagem dramática de tudo o que significava o regime: fome, assassinatos, desaparecimentos, censura.

René propõe, apesar da resistência de alguns integrantes da equipe, que deveriam deixar de lado a crueldade e produzir uma ideia positiva daquilo que viria a significar o NÃO ao regime. A palavra ícone para todos os programas foi ALEGRIA.

A Alegria somente seria possível com o resgate da identidade e da possibilidade de cada um escolher o seu futuro. A campanha durou vinte e sete dias e o resultado do plebiscito foi de pouco mais de 56% a favor do NÃO.

Ver Noninha com seu gesto com o dedinho indicador da mão direita e agora adicionado à fala do NÃO, a mim enche de alegria. Por mais banal que isto possa parecer na formação da identidade de minha netinha, ela me dá sinais que saberá sim dizer aquilo que quer e aquilo que não quer.

Mesmo que possa parecer aos adultos que aquilo será melhor para ela.



Até breve.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

ESCALA



Talvez tenha sido o mais longo período que fiquei sem vir à post. As razões não justificam a ausência e sequer as explicam.

Postar, para mim, não é uma obrigação, mas também não é um deleite. Por mais intimista e particular que seja o dasletra, sinto-me compromissado com aquele que me acessa, especialmente com regularidade.

Saí do Brasil por seis dias e procurei não me ocupar de nada, exceto aquilo que me levou ao México, Punta Mita, um paraíso ecológico do Pacífico.

Distante sete quilômetros do continente, meia hora de lancha a 300 cavalos de potência, está a Ilha Marieta Patrimônio Ecológico da Humanidade, preservado por Lei Federal desde 2005 pelo governo do México.

Baleias que migram do Alaska anualmente para o acasalamento e tartarugas que eclodem de ovos na praia, cardumes multicoloridos de peixes que se aproximam de nós como se nos dessem boas vindas. Tudo é de uma beleza exuberante, selvagem e, sobretudo, inusitada.

Afastei-me do mundo literal e objetivamente.

As águas revoltas do Pacífico no retorno ao ancoradouro do hotel me deixaram em estado de profundo distanciamento e reflexão.

Saídas como esta, diante deste tudo, são fundamentais para recuperar o senso de insignificância. Ao deparar na praia com dezenas de filhotes de tartarugas ou de imensas baleias que transitavam pelo oceano, me vi grão.

No retorno para o Brasil encontrei dificuldades com os voos. Nosso roteiro de viagem contemplava escala no aeroporto de Dallas, fechado por problemas climáticos.

Milhares de pessoas foram afetadas. Frisson geral além do que já é comum em aeroportos pelo mundo. A realidade voltou a me convidar.

Lá nas águas do Pacífico ou pelas areias, a vida plena segue seu curso.

IMENSA.





Até breve. 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

NELSON



Horóscopo para hoje:

“Para que se esgoelar tentando explicar o inexplicável? Melhor deixar que a própria realidade e o tempo se encarreguem disso. Quem tiver olhos, verá, mas quem quiser enxergar outra coisa diferente, também enxergará”.

Um dos maiores ícones da resistência, combustível ativo da esperança, nos deixou.

Os tempos ainda serão mais difíceis.



Até breve.

MEL



Línguas ávidas buscam pescoços, seios desnudados e dorsos, abdomens, narizes, bocas, línguas, vulva e pênis.

Poros exalam óleo que os untam. Ela sussurra e ele, felino, urra baixo e pausado.

Dura alguns minutos até que desfalecem e se descobrem onde. Ela se recompõe nas vestes e ele, junto à ela, apenas a fita.

Quando deixam a cabine da toalete masculina do Aeroporto Internacional de Miami, deparam com uma fila de homens aguardando a vez para o alívio fisiológico.

Ela passa por eles sobre o seu salto sete e meio como se desfilasse, impregnada. Ele a segue fitando as pernas, as ancas dançantes dela, como se quisesse guardar a imagem com quem havia estado.

Fora da toalete masculina ele a segura pelo braço e pergunta:

- What your name?

Ela lhe lança um olhar profundo, abri-lhe um sorriso deixando à mostra os seus lindos dentes brancos e perfeitos. Retira leve e mansamente as mãos dele que a segura no braço. E segue.

Ele a chama. Ela não se vira para vê-lo parado à porta da toalete.

- Que loucura?- Ele pensa.

Passa a mão sobre a cabeça, se indaga sobre o horário da conexão. Recompõe-se já à frente do painel de vôos.

********

Quando embarca faz uma breve reconstituição do encontro. Havia sido há mais de quarenta anos atrás e hoje, exatamente hoje, de fato, completa trinta e oito anos de selo.

O amor é uma viagem.




Até breve.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

ENIGMA



Para aqueles que não entenderam nada, explico melhor.

A História sempre se fez pela via autoritária. Observe. Tudo bem que quem bateu de frente contribuiu para minorar os efeitos, mas ela segue o seu curso. Holocaustos anexos, Vietnans, Saravejos, agora Sírias e outros tantos. Daqui a pouco, Filipinas.

No plano da Cultura e das artes idem, idem, com a mesma data. Especialmente nos modernos pela maquinação brutal midiática. Então quem move o tempo são os bárbaros de autoridade.

Pois é, penso que sim.

A resistência, talvez, é que dá um contorno de serumano. No máximo. A História contraria, desde os clássicos, a racionalidade suposta da Besta. Quem governa, em todos os campos, pode. E o Poder tem muito pouco daquilo que se idealiza lá nos corações dos que resistem.

No raso, o pau come e solto. Inclusive no grande e no pequeno extrato. Do Estado instituído, com suas barbáries e discursos vis, à mesa de barzinho, quando o que se fala e se debate é o vazio do tempo presente.

O que produzi em TRILHO e em NIUDÊIS tem a ver com a modernidade, com o contemporâneo. A vida presente, toda ela, está descoberta, no amplo sentido. Nenhum mistério ronda e, talvez por conta, não há angústia de ser. Se dói é de bolso, de griffe, de lugar no grau. No máximo, um ciumizinho aqui, um ódiozinho ali, nada que compras não contemporize.

A fila anda.

A vida está descoberta porque tudo é midiatizado, mesmo no pequeno evento, que qualquer aparelhozinho de merda filma com som e imagem de acesso compartilhado instantâneo e global.

Sacou? Ou quer mais?

Tudo bem, vá lá. Estou tentando dizer dos afetos, dos amores todos, dos sentimentos pueris, dos romances, dos ideais, das utopias, do sonho de liberdade compartilhada. Estou tentando perguntar: para onde foram os seres?

Estou embarcando hoje para Punta Minta, no México. Eu deveria estar mesmo com uma alegria de conquista por tudo que essa Vida me privilegia. Não se trata de bipolaridade.

A questão é que não me emendo e vivo também da angústia pelo que observo.

No mais, minha Psicanálise, faço eu.



Até breve.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

TRILHO



Fiquei pensando quão é universal, de todos, o que penso. É por este desejo megalomaníaco (entre outros) que tenho de que, o que escrevo, atinja de fato para além de eu mesmo.

Se já comigo eu falei, porque trazer à outrem? Ficasse então com meus poréns, meus contudos, meus todavias. Mas não, eu vou e acho que mais alguém além deve de estar cuidando do que eu estou maquinando com meus botões e teclados.

Além de pretensioso é meio autoritário (meio é ótimo) acreditar que o que escrevo alcance um e outro para que pense aquilo e como estou pensando.

Sim, porque se alguém leu e não passou a pensar como eu, para que escrevi? Para ser contrariado, ridicularizado, vaiado, o diabo? Não pode ser.

Eu escrevi para ser aceito e seguido, como apóstolos de uma ideia, de uma conduta, de um princípio, de uma ideologia. Eu escrevi para dizer o caminho, a verdade, a vida.

Como eu tem uns tantos. Todos míopes, vendidos, limitados ou tendenciosos. É preciso ter-se cuidado com que se lê e, por consequência, seguir.

Então faço de imediato um princípio dogmático a todos os que me leem e, por consequência, me seguem: não leiam e não sigam a mais ninguém.

Interessante, é mais ou menos assim que se fez a História.

Ou não?

Ocorre que, de pronto, decretar-se-á, o fim da Psicanálise.

Não haverá interior à refletir.




Até breve.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

NIUDÊIS



Os meios passaram à fins. Observe.

O automóvel não serve à locomoção, mas ao grau. Assim como o vestido, a camisa, a calça, os sapatos não servem à vestimenta, mas ao grau. A casa e seus pertences não servem à moradia, mas ao grau.

Todas as coisas constituem-se no limite dos bens enquanto fins e não meios. Extensão de corpos que operam diante de outros em um balé frenético como se dançassem tangos.

A vida mesma vai se reduzindo a adquirir ou não os fins, que são objetos em grau. Observe. Há filas para promoções, quartas-feiras malucas, arrastões de eletrodomésticos, liquida ações, blecfraideis...

A felicidade “é” um objeto.

Vi na TV que meninas estão doulando um “aplicativo” em seus esmartes que enquadram em “perfis” os meninos. “Galinha”, “Brocha”, “Dengoso”, “Lindo”, e outros desains de estilo.

Eu mesmo, ontem, enviei para Pretinha por uatsap uma foto de sandalinhas que a avó comprou para Noninha e veio de Pretinha, também por uatsap, como resposta:

- “Ela vai arrasar”!

Não é mais: “Ser é ter”. Estamos arrasando em “Ter é ter”. O objeto é um fim em si mesmo.

*****

Por outro lado, ontem também, passeando com Noninha no colo, mostrei-lhe uma mosca varejeira que planava imóvel no ar. Noninha imediatamente absorveu a novidade e, depois mais tarde, quando eu a perguntava sobre o inseto ela fazia um olhar grave e:

- “Mô... Mô”...

*****

Em Belo Horizonte estão iniciando uma pesquisa social para a análise de como “vivem” os moradores de rua da cidade.

Hoje, pela manhã, assisti entrevistas com alguns “alvos da pesquisa”. Um deles disse:

- “As pessoas passam por nós como se fossemos coisas, pedaços de viaduto, restos do lixo, nada”.

Eles não têm.



Até breve.