terça-feira, 24 de agosto de 2021

COMFOTO



- Iiiiihhh, pai! De novo polemizando na política? Arf!

Vocês podem não acreditar, mas eu gosto um pouco de Pretinha, minha filha. E gosto muito, adoro na verdade por tudo que ela é e, com Claudinho, ter me privilegiado com Liz e Valentin. Estas dádivas.

De vez em quando ela me lembra minha mãe que me punha de cara para a parede depois que eu tinha cometido alguma arte.

Já não é segredo pra ninguém que eu tenho uma vida dupla. Estou conselheiro em algumas empresas, atuo como consultor em estratégia, mas tenho uma vida marginal na subliteratura.

A trajetória profissional começou quando eu tomei juízo na vida e entendi que não poderia viver de brisa. Só que não se passa a vida inteira isento do vendaval que é a comichão do desejo de literar, mesmo que na marginalia.

Deu nisso que tenho sido. Um misto de razão, de objetividade contrastando em um poço profundo e desconhecido de emoção exacerbada. Vísceras catalãs, signo de peixes, sei lá.

Estar aqui, desnudo, impõe riscos de imagem, claro. Meus clientes empresariais, alguns fazem de conta que não sabem; e meus amigos, poucos, que militam de cara para parede, me olham com desdém.

Ossos de ser. Eu não deveria me preocupar com isto, profissional que sou.

A objetividade empresarial cobra de mim análises amplas de cenários políticos, econômicos, sociais. Aqui não cabem delírios, exceto se fundamentados em ações projetivas que viabilizem resultados concretos. Sempre tive que ir ao mais fundo que posso nestas análises e compromissos.

Abordo a questão política de forma pragmática, quando olho nesta perspectiva. Estamos diante do futuro imediato e temos que escolher qual executivo colocar para liderar os desafios que se apresentam.

Neste momento, que pode mudar e muito, dois concorrem com maiores chances. Entendo, usando a razão, que estamos favorecidos para a escolha. Ambos já foram testados na posição.

Um, que esteve durante oito anos e se isenta, no mínimo, de tudo que acontecia debaixo de seu nariz e, outro, que balança diariamente e deverá chegar, se chegar, ao final do mandato tendo deixado o país muito pior do que encontrou. Especialmente no que tange à indispensável harmonia que um grupo precisa ter para enfrentar desafios.

Como conselheiro da Brasil S/A não tenho dúvidas em recomendar aos meus clientes que não coloquem nem um e nem outro para comandar a organização no futuro próximo.

Como subliterata recorro aos meus filhos e netos. Inúmeras vezes fui surpreendido pelos meus filhos quando eu dizia alguma coisa, de qualquer natureza, e eles se viravam pra mãe e perguntavam:

- É, mãe?

Já fui surpreendido algumas vezes por Liz, Tin, Totô e Lelê diante da mesma situação e fico torto quanto ouço:

- É, vó?

Não me levem á sério como literata, eu invento. Ontem, disse que iria incendiar o meu título de eleitor. É claro que não vou botar fogo no meu Iphone.

É só final de texto de subliteratura. Tem que ser apoteótico.


Até breve!

 


segunda-feira, 23 de agosto de 2021

SEMFOTO

 

Há algo de amargo a relatar.

No sábado, em dia inútil, portanto, uma ilustre desconhecida juíza substituta federal da comarca da capital do país, houve por bem, “concluir” alguns processos contra o ex-inquilino que passou pelo Palácio Alvorada durante o período de 2003 a 2010.

Analisados os autos a juíza entendeu que parte das imputações feitas ao ex-presidente já estavam prescritas e não poderiam mais ser utilizadas para eventualmente processá-lo. Caso das acusações de que ele praticou os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter recebido 700.000 reais em propinas da Odebrecht e 170.000 reais da OAS. Por ter mais de 70 anos de idade, os prazos de prescrição são reduzidos à metade.

Assim, para todos os efeitos práticos, no período apontado não ocorreram crimes alarmantes de corrupção que poderiam responsabilizar direta ou indiretamente o mandatário do país à época. Revogam-se também as brigas com ameaça de morte havidas entre pai e filho controladores de uma das empreiteiras arroladas no processo.

Arquive-se.

Projete-se o cenário. Daqui alguns anos, depois de vários custos aos contribuintes incorridos, uma juíza substituta federal da comarca de Pindamonhabeiras, concluirá o processo de acusação de responsabilidade direta ou indireta do mandatário do país no período de 2019 a 2022 por parte das mortes ocorridas por COVID 19.

Como o processo estava eivado de lapsos técnicos não será possível consubstanciar provas de que tenha ocorrido pandemia no país no período em que o acusado ocupou o palácio do desgoverno.

Convidados a se manifestarem o Presidente da República, Eduardo Cunha e seu vice Sérgio Cabral afirmaram: “Mais uma prova inequívoca da higidez das instituições democráticas.”.

Arquive-se.

Em 27 de fevereiro de 2022 eu, por minha fez, cometerei um crime hediondo e como estarei neste dia completando 70 anos de idade, receberei o benefício da inimputabilidade.

Queimarei o meu título de eleitor nos jardins de minha morada. Tornar-me-ei expatriado, refugiado em meu próprio país.

E vou cuidar de jabuticabas e netos.


Até breve.


sexta-feira, 20 de agosto de 2021

INSTANTE

 


Eu estava executivo em uma empresa. Houve uma mudança de direção e logo nos primeiros atos da nova governança eu percebi que nossos princípios e valores não se coadunavam.

Ano e poucos meses depois de largo e profundo mal-estar, ocorreu de eu ir assistir a uma peça de teatro. O louco circo do desejo, acho que era esse o título.

Dois personagens: um engenheiro e uma prostituta. Ali pelo meio da peça, o texto se acalora, e um conflito brutal se estabelece. O engenheiro, em dado momento, brada: “Prostituta!”. A atriz esgrima com o braço direito, como se cortasse ao meio o oponente, e retruca gritando mais alto e pontuando cada sílaba: “En...ge...nhei...ro!”.

Imediatamente após a cena senti uma ‘fisgada’ no cérebro. Enquanto a plateia gargalhava eu me contorcia numa dor imensa. Minha esposa ao meu lado, ao perceber, me perguntou o que estava acontecendo. Eu não conseguia respondê-la. Sugeriu que nós saíssemos, mas eu me neguei e seguimos até o encerramento do espetáculo.

Naquela noite não consegui dormir. Na manhã seguinte fui de carro para o trabalho. No percurso de minha casa até a sede da empresa, um pequeno trecho de rodovia simples. Em dado momento, a cena fatídica volta à minha memória. Eu perco o controle do veículo e, para minha sorte, o carro encontra um ponto de fuga avança alguns metros e, sei lá se eu ou se pelas condições do terreno, para.

Saí cambaleando e me apoiei no capô do carro. Logo depois algumas pessoas, que passavam pelo local, vieram ao meu encontro. Ficaram comigo até terem seguro de que eu estava em condições de retomar a direção do veículo.

Entrei novamente no carro e, antes de dar partida no motor, recordei-me do que havia ocorrido minutos atras. Eu revisitava a cena da peça quando me ocorreu uma frase: “Prostituta é uma pessoa que, ao final do expediente, diz: um dia eu largo essa vida.” A dor sentida na noite anterior voltou mais aguda o que fez com que eu perdesse o controle do veículo. 

Liguei o carro e, ao contrário de tomar rumo em direção à empresa, fui para casa. Tomei um banho, deitei-me na cama e entrei em sono profundo. No dia seguinte pedi demissão.

Ontem comprei o livro da foto.

Elif Shafak é uma escritora turco-britânica com dezoito livros publicados, traduzida para 54 idiomas. Doutora em Ciência Política, ela já lecionou em universidades na Turquia, nos USA e no Reino Unido. Recebeu o título de Chevalier des Arts et des Lettres, é vice-presidente da Royal Society of Literature e membro do Conselho Global do Fórum Econômico Mundial.

No livro, Leila Tequila, uma prostituta, está morrendo em meio ao lixo nos subúrbios de Istambul. Durante os 10 minutos e 38 segundos que o cérebro leva para parar de funcionar ela vai relembrar a trajetória de sua vida.

Devo começar a lê-lo neste final de semana, mas já me serviu.

Estivesse 10 minutos e 38 segundos do fim, que balanço faria?


Até breve.


quinta-feira, 12 de agosto de 2021

ESPERANÇAR

 


Oscar Quiroga, hoje, no Estadão: “Atualmente estamos na transição da Era de Peixes para a de Aquário, que finalizará no ano 2.340. A transição atual é o movimento que vai das paixões que impedem a convivência das diferenças e alimentam o ódio, na direção das razões que promovam liberdade, respeito e confiança. Enquanto isso, só o realismo honesto de nossos raciocínios nos brindará com consenso, para nos proteger da divisão e do confronto.”.

Certa vez perguntei pra Ela sobre o que eu deveria escrever e ela prontamente respondeu: fé e matemática. Uma das maiores dificuldades do relacionamento é quando se pergunta algo ao parceiro e a resposta não vem conclusiva.

‘Fé e matemática?’ Perguntei novamente. ‘É, fé e matemática...’ Melhor seria eu não ter perguntado. Pior ainda, ela pegou um livro e leu em voz alta um trecho durante quase cinco minutos sem perder o fôlego. ‘Você entendeu? ’Perguntou-me com um olhar como se eu agora tivesse a resposta. Aqui posso dizer: eu não entendi nada. Ela então disse que ambas são fundadas no mesmo princípio: é melhor que você acredite.

Com a maior paciência que lhe é peculiar, especialmente com néscios que nem eu, Ela foi elaborando sobre uma e outra, fé e matemática. Aí eu comecei a interessar-me e, como sempre às vezes acontece, fixei os olhos nos movimentos labiais dela e me pus a pensar com as minhas próprias pernas.

Qual é a maior extensão da fé: Deus existe!

Prove. Demonstre. Mostre, senão não é!

Qual é o número que vem depois do zero, um, não é?

E entre o zero e o um? Qual é?

Prove. Demonstre. Mostre, senão não é.

Apenas para demonstrar de onde veem todas as coisas, sobre as quais ainda terei muito que debruçar.

Sou de Peixes, em Peixes, em transição e tenho 320 anos (Matemática) ainda por nadar.

Eu espero (Fé).


Até breve.


terça-feira, 10 de agosto de 2021

FURM(USURA)

 

Ultimamente, de uns meses para cá, no final da tarde de domingos as pessoas que me chegam às sextas vão-se e me deixam só.

Eu e Deus.

Herdei de minha mãe o gosto pelo recolhimento. Ela adorava sua casa, seu jardim, seu altar de Nossa Senhora Aparecida (?), sua sala de visitas sempre fechada.

As circunstâncias contribuíram para permitir a mim o trabalho remoto, ainda que eu me ressinta de não o poder fazer com o calor das gentes e seus corpos.

Na juventude escrevi um texto em que consta: “Meu caminho é uma marcha para a solidão”.

Fiquem tranquilos, isto está longe de ser deprê. Antes pelo contrário. Eu me relaciono muito bem comigo, são raras às vezes que eu e eu mesmo entramos em conflito a ponto de produzir debaques.

E com Deus, sempre foi pacífica a relação. Temos um acordo tácito que vem funcionando bem: ele me aponta o caminho e eu, quando o transgrido, assumo a responsabilidade.

Trodia eu fui trocar lâmpadas e coloquei os pés da escada em falso. Precipitei do último degrau sem maiores consequências. Deus estava bem ao meu lado e, se risse, eu teria a mesma reação que Lelê quando se estrebucha no chão.

- Doeu, viu Deus!

Ontem, por sua vez, quando fui dar o alimento aos bichos (passarinhos que vagueiam soltos pelos meus jardins, galinhas, peixes e cachorras), deparei com Laka e observei que ela estava estranha.

Laka é nossa cadela mais velha, está com 10 anos e quatro meses, portanto, se fosse gente, estaria perto dos oitenta anos de idade. Seu olhar para mim suplicava atenção.

Estava ofegante e com a boca aberta. Resolvi levá-la ao veterinário. Coloquei-a dentro do meu carro no piso do banco dianteiro de passageiro. Quando saia da garagem, olhei pela janela e vi Deus na varanda. Ele fez sinal de positivo com o polegar.

- Não vou demorar..., eu disse abanando a mão direita.

Na clínica, enquanto a veterinária examinava Laka e dava o diagnóstico de intoxicação, aplicava injeção de corticoides e prescrevia um remedinho, vi Deus sentado na sala de espera.

- Caramba? Não te deixei em casa?

Passei o dia em reuniões alternadas e, à noite, fui como de costume zapear um pouco os canais iutubianos a procura de vídeos musicais. Aliás, como Deus, a música anda sempre ao meu lado. Onde vou a levo. Sem ela e sem Ele é como se eu não fosse.

Só que antes, inadvertidamente, entrei no canal de notícias e vi que haveria hoje cedo uma parada militar.

Amanheci com o firme propósito de escrever uma história e ilustrá-la com uma foto que denunciasse minha solidão. E formosa.

Deus tá vendo.


Até breve.


quarta-feira, 4 de agosto de 2021

POBREMAS

 


Amanheci vivo.

Este problema tem ocorrido comigo há anos. Invariavelmente sou desafiado a cumprir agenda, previamente construída pelos problemas trazidos de dias anteriores ou até, pasmem, com propostas de inventar outros. Nem sempre mais interessantes.

Hoje, por exemplo. O que faço com o fato de ter amanhecido e vivo?

Há agravantes na medida em que os anos têm passado, já que a hipótese de qualquer hora destas eu nem durma vivo, quanto mais amanhecer nesta condição. Claro, deverá acontecer comigo também.

Juro que estou meio enfarado de amanhecer com a mesma percepção de dias anteriores em relação a problemas que, embora me ocupem, objetivamente eu não tenho a menor condição de equacioná-los na extensão que se apresentam e nem na potência de resolvê-los.

Tipo a loucura que tomou conta do entorno. Todo dia que amanheço me deparo com uma mais escatológica, histriônica não fosse trágica. Palhaços coringos não faltam. E a claque fica cada dia que amanheço, daí o problema, mais insana.

Aqui, neste veículo de dois bilhões de usuários no planeta, então...

E, o pior, livre, solto, amplo e restrito aos humores dos censores sabe-se lá quem.

A Humanidade, a cada dia amplia, a oportunidade de se tornar mais tantan (acho que é assim mesmo que escreve a patologia). Ícones inspiradores e celebres não faltam, é difícil até de escolhê-los já que a profusão com que aparecem é um trem de doido.

Eu mesmo, às vezes, me pego em vibe transloucada e, como na medida em que os dias vão passando eu amanheço mais enfarado, sartofora de veio tóxico.

Nas duas semanas passadas tomei doses de antídotos que me imunizam, espero, por alguns dias vindouros: netomicina na veia.

Em família, perguntei à Lelê o que ela gostaria de ser quando crescer:

- Pilota de avião, vovô...

- E você, Totô?

- Pensador.

- Hein?!!! O que faz um pensador?

- Estou pensando, vovô...

Isto tem me livrado de amanhecer com a vontade de ir para as ruas empunhando mastro com bandeira.

Roxa, claro.


Até breve.


terça-feira, 3 de agosto de 2021

UTOPIA

 


“Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero…”. (Charles Dickens, no Conto de Duas Cidades).

 

Três mega explosões abriram o Terceiro Milênio: a demográfica, a tecnológica e a financeira. Bilhões de anos para que a Humanidade chegasse em 1810 a 1 bilhão de pessoas vivas sobre o planeta, em 1910 (um século depois) chegamos a 2 bilhões e em 2010 a 7 bilhões.

93% dos produtores de conhecimento desde o início da história humana estão vivos agora (portanto, 7% estão mortos) produzindo conhecimento inter e multidisciplinar, entre eles a Inteligência Artificial. A riqueza gravitou da economia para as finanças e do Estado para o Privado. Capitais financeiros de pessoas físicas sem lastro na economia real gravitam 24 horas por dia em infovias, produzindo capital sobre capital sem nenhum emprego de meios de produção, entre eles capital humano.

Tecnologias produziram revoluções disruptivas muito mais amplas do que aquelas trazidas por movimentos sociais. O atual desenvolvimento tecnológico, especialmente no campo da telemática, somado à disputa da riqueza com interesses públicos e/ou privados apontam para uma encruzilhada histórica.

O conjunto destas mega explosões determina a necessidade de pensarmos a partir de outras referências conceituais para que possamos empreender ações objetivas. As réguas do passado recente não servem para medir as complexidades do futuro imediato.

Vivemos o advento da "sociedade incivil" aquela em que o Estado se mostra incapaz de liderar e financiar a superação dos desafios que se apresentam.

Nunca, como agora, o Estado do Bem-Estar-Social apresentou-se tão utópico.


Até breve.