sexta-feira, 28 de agosto de 2015

COMPLEXIDADES



Coube a mim a tarefa de comprar toalhas. Evento inédito, em tantos anos nunca entrei em um estabelecimento comercial para comprar produto semelhante.

Uma amiga faz aniversário e nos convidou para comemorar em casa de praia no litoral baiano de propriedade de um casal de amigos comum. É de bom tom levar algo para retribuir a gentileza pela acolhida.

- Mozinho, vamos levar umas toalhas. Nunca são muitas em casa de praia. Vê se Valesca vai contigo...

Eu achei que poderia dar conta da empreita sozinho, afinal "um homem de sessenta e três anos que não consegue comprar umas toalhinhas para piscina...” Pois então, a coisa começou a complicar a partir daí.

Não é extraordinariamente difícil distinguir toalhas de banho de toalhas de rosto, ou até de toalhas de mesa. Mas e toalhas para piscina? 

São destas complexidades que eu padeço com frequência. A peculiaridade da questão, na medida em que toalha serve para enxugar corpos, seja no banho, na piscina, no mar, e em tantas situações outras em que há um corpo molhado demandando que se enxugue.

Mas não é assim. A diversidade de toalhas é significativa.

Pois olhe que eu saí à rua para localizar uma loja, claro que fosse o mais próximo de minha casa, olhando para todas as placas e vitrines atrás do produto.   

Não entrei na primeira com a qual me deparei. Acima da entrada principal da loja há uma placa: CAMA, MESA E BANHO. Portanto, não encontraria ali toalhas “para piscina".

Perambulei e entrei em uma loja que, a meu juízo, deveria poder ter as tais toalhas.

- Querida, você tem toalhas para piscina?

- De que tipo?

- Para piscina...

- Sim, é que nós temos diferentes modelos...

- Quanto custa?

- Os preços variam...

- Você pode me mostrar... Eu quero levar umas cinco.

Considerei a situação de que a cada usuário uma toalha e, portanto, saí da loja com a firme convicção que havia tomado a decisão correta em comprar cada uma das seis toalhas com um padrão específico.

- Bem, você viu as toalhas?

- Ã???

- E aí, era isso mesmo?

- Não sei, não experimentei ainda...

- Mas são para piscina.

- Quem disse?

- A moça da loja.

- Você foi na conversa de vendedora?

Muito bem, já na casa de praia as toalhas foram colocadas sobre uma cadeira.

- Gostou? Perguntei ansioso à amiga presenteada.

- Muito... São lindas...

- São para piscina.

- Ah, são?

- São, fui eu que comprei...

- Mesmo?


Certa vez ouvi o pensador francês Alain Badiou dizer em uma conferência: “A vida aparece hoje travestida de complexidades, mas continua simples.”

Pois é.


Até breve.





quarta-feira, 26 de agosto de 2015

TRAGICOMÉDIA




- O senhor diz que um dos membros desta Casa anda ameaçando o senhor para que não relate os fatos...

- Sim, Excelência.

- Ele está presente neste recinto?

- Sim, Excelência.

- O senhor poderia aponta-lo?

Suspense geral. Quem seria o ameaçador do acusado? Liz, Valentin e Antônio já sabiam. Todas as revistas de fofocas de TV e o TV Fama já haviam publicado a bomba. A câmera filma a sala de reuniões da CPI de trás e mostra os membros da comissão e os dois acareados.

- Prefiro não fazê-lo.

Outro membro da comissão pede a palavra e constrói outra questão, mas eis que, de repente, o ameaçador do acusado toma a palavra e:

- Sr. Presidente, o depoente é um bandido. Nós estamos aqui em vinte, vinte e poucos deputados eu penso que ele deve declinar quem afinal está o ameaçando.

- É Vossa Excelência, deputado. O senhor sabe – essa parte é importantíssima – deputado, que minha família não tem nada a ver com isso, minhas filhas, minha esposa, ninguém nunca esteve envolvido...

- Sr. Presidente, eu sou professor e dou aulas de graça aos sábados próximo à minha casa na Baixada Fluminense e acho que devo pedir proteção porque estou sendo ameaçado, Sr. Presidente. A minha vida está correndo perigo.

Como se não bastasse, pouco depois deste episódio, um deputado toma a palavra e diz que a bancada de um partido adversário ao seu, ao contrário de defender os seus colegas deputados investigados, insistia em dizer que a coisa vem de muito antes dos fatos apurados.

- Lula e Dilma no Petrolão!

- Aécio em Furnas!

- Ordem, por favor, deputados.

- Eu quero mais um minuto porque estou sendo interrompido... Lula e Dilma sabiam...

- Aécio em Furnas.

Certa vez quando iniciava um projeto de consultoria em uma empresa, um dos diretores que eu entrevistava me disse:

- Se consertar essa empresa, ela bagunça.

Não sei, mas eu tô ficando com a sensação, face aos fatos, de que estamos correndo o risco de, se quisermos mesmo que o país se emende, vamos ter uma rebordosa geral. Todo mundo anda achando que os quinhentos milhões de reais canetados a favor de emendas dos deputados poderiam aplacar os ânimos, o Vice voltaria a mediar e tudo seguiria como se nada tivesse acontecido.

Sei não, o doleiro disse que alguém anda aí falando nos inquéritos algo que vai jogar para postos de cima da estrutura da bandalha fatos que vão estremecer a República.

Tudo intriga.

Em entrevista ontem a uma rádio do interior de São Paulo, a Presidenta disse que;

- O ano de 2016 não será maravilhoso.

Não somos coadjuvantes de uma ópera bufa?



Até breve.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

CAROCHINHA




“Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós
 certas pequenas loucuras”.

Marcel Proust

Vou escrever um conto, quem sabe uma fábula ou será uma história. Começo na segunda.

Era uma vez três porquinhos e um lobo mau, naturalmente.

Um dos porquinhos construiu sua casa de palha, um outro de madeira e o terceiro de pedra e tijolos. O lobo só entra na história daqui a pouco.

Até hoje não entendi porque os porquinhos viviam solteiros e um em cada casa. Mas não é por ai que eu vou enveredar na minha história que começo a escrever segunda.

Dois dos porquinhos, dado o tédio da floresta, às tardes ficavam brincando de roda cantando canções aprendidas na infância. Uma das preferidas tinha um refrão tipo:

- “Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau”?

O outro porquinho achava uma tolice dos irmãos e preferia ficar na varanda de sua casa lendo as obras de Proust.

Um belo dia choveu muito e aí, então, a casa de palha de um dos porquinhos encharcou de dar dó. A de madeira ficou um mofo só. A de tijolos, embora úmida, demandou do porquinho proprietário uma limpeza um pouco mais rigorosa.

Contudo, no dia seguinte fez um belo dia de sol e os porquinhos conseguiram reparar todos os danos trazidos pela intempérie.

Aí, então, um porquinho sumiu. E, o pior, o que lia Proust. Os irmãos, desesperados, não tiveram dúvida. Aumentaram a atenção porque um novo ataque seria iminente. Ficaram mais de duas tardes sem brincar de roda e muito menos cantarolar uma de suas canções preferidas.

Um belo dia, por volta do almoço, o sumido apareceu trazendo em sua mochila mais livros.

- De Proust?!!! Perguntaram os irmãos incrédulos.

- E por que não?

Noutro dia faltou água e eles tiveram que ir buscar baldes em rio que ficava a muitas léguas da casa de cada um e no final do dia foram dormir exaustos. Sequer assistiram à Peppa na TV.

Acho que foi em fevereiro que eles resolveram fazer juntos, os três, um picnic. Foi ótimo, divertiram-se a valer. Mesmo aquele que lia Proust.

Até que, numa noite de domingo, o porquinho da casa de palha ouviu um som de passos pesados vindo de fora.

- Quem está aí? Perguntou com um tremor nos lábios.

Não obtendo resposta tentou enviar uma mensagem via WhatsApp para os irmãos, mas como esquecera de colocar para carregar a bateria do aparelho, não conseguiu. O pânico aumentava a cada som de passo vindo lá de fora, até que, de repente o som cessou.

Aquela noite os porquinhos não dormiram. No dia seguinte os três trocaram a notícia, atordoados, de que haviam ouvido passos.

Noutro dia, pela manhã, em frente à sua casa de palha, um dos porquinhos deparou-se com o lobo. Com seus dentes a mostra, espargindo secreção pelos cantos da boca imensa.

As pernas do porquinho transformaram-se em rodas alucinantes de trem bala e ele conseguiu entrar para dentro de sua casinha de palha.

- Abra esta porta, senão eu vou encher os meus pulmões e vou soprar!

Bom, é apenas um preâmbulo da história que vou escrever na segunda.

Se bem que, pensando bem, acho que não vou escrevê-la. Estou achando o enredo muito parecido – mesmo que com algumas derivações absurdas - com outras que nos contam diariamente nos noticiários políticos e, além do mais, todos já sabem o final.

O povo, (ops) o lobo, sempre sai escaldado dessa história, enquanto os porquinhos continuam cantando uma de suas canções preferidas:

- “Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau”?

                                           

Até breve.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

RECALQUE




Nós brasileiros somos mesmo incríveis.

Ei, espera lá, não no sentido de extraordinários, bambambans da bala chita.

Circula pelaí a tese de que atingimos a maturidade democrática na medida em que as instituições estão funcionando e desempenhando o seu papel. A Polícia, O Ministério Público, o Congresso Nacional e, pasmem, o Governo.

E, para completar a tese, estamos nas ruas ora vestidos de amarelo, azul, verde e branco; ora de vermelho.

Ora, nada disso é crível. Crível no sentido de verdadeiro.

Tenho um amigo que, sempre que perguntado se tudo está bem com ele, responde:

- Aparentemente.

Penso que a resposta se aplica à nós, brasileiros.

Agora, nos tempos que correm, o que andamos escondendo?

Acho que o de sempre. Tudo o que está aí não nos pertence, diretamente. Essa suposta depuração está "fora", é de algo que sempre combatemos que é dos outros, que deveria mesmo e de há muito ser debelado.

Esperem, quem vem primeiro, a Sociedade ou o Estado? Essa pergunta é muito mais fácil que a da galinha ou o ovo. O Estado é a gênese ou é o hospedeiro do vírus mortal do que nos assola há séculos?

Nosso Juiz de Plantão, em seminário ontem, disse que nossa cura não passa pela coisa pública. O agente, o servidor, não é, em si, o drama histórico. O drama histórico está do outro lado do guichê, que  corrompe.

Todos nós que comparecemos às ruas defendendo, legitimamente, nosso direito de manifestação, ou mesmo, como eu, ficamos no sofá observando os fatos, deveríamos fazer um profundo exame de consciência.

Quando eu era criança lá em Santa Teresa e fazia arte minha mãe, entre outras e diferentes modalidades de castigo, me punha de cara-para-a-parede e dizia, inquisidora:

- Fique aí e pense no que você fez!

Taí uma nova oportunidade para recolhermos o dedo em riste e, quem sabe, olharmos no espelho.

Concluído o post fico aqui já imaginando o que me dirão os meus colegas de redação:

- Que merda de moralismo barato é essa, seu pulha?!!!



Até breve.



NOTA: Escrito à bordo de uma avião de BH para Campinas onde participarei de uma reunião cujo tema é, entre outros, Sustentabilidade.






quinta-feira, 20 de agosto de 2015

POESIA



Para não dizerem que não falei de flores.

E, acreditem, do fundo da minha cozinha vem um cheiro danado de bolo que Cida pôs no forno agorinha. Banana das caturra com nozes.

É que hoje é aniversário da Cora Coralina. Mesmo tendo virado estrela há trinta anos.



Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Mascarados

Saiu o Semeador a semear
Semeou o dia todo
e a noite o apanhou ainda
com as mãos cheias de sementes.
Ele semeava tranqüilo
sem pensar na colheita
porque muito tinha colhido
do que outros semearam.
Jovem, seja você esse semeador
Semeia com otimismo
Semeia com idealismo
as sementes vivas
da Paz e da Justiça.



Até breve.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

MANGUE


Preparem-se: este “ACORDÃO” pelo que tramam pode continuar saindo muito caro para todos nós. Política, econômica e financeiramente.

Funciona assim, em reunião dos mesmos:

Toda a bandalha tem rabo, de diferentes configurações e tamanho, mas preso. Assim, é melhor que cada um tenha juízo e competência para avaliar cada passo nesse xadrez. Melhor que as ruas não deram em nada. Variável fora do baralho, servindo apenas para uso de retórica. Podemos até fazer uso da demanda das passeatas se tivermos que “sacrificar” alguém dos dois. “O tempo é senhor da razão.” LLembram-se da frase estampada em camiseta de um de nós? Pois é, relaxem.

Voltemos a nós mesmo porque a encrenca nós é que criamos e como diz a madre superiora: “Quem pariu Cunha que o embale”. Nota: Ressalva ao nome do protagonista, na fala original a Madre refere-se a Mateus.

Com a palavra a cunha: “Não vou me sentir constrangido. A denúncia não significa condenação e, mesmo sendo aceita, no caso de me tornar réu não serei o único”.

 “O governo me superestima, não enxerga as coisas como elas são. Acha que eu comando a Casa quando, na verdade, eu faço é a vontade da Casa. O governo não tem maioria e, portanto, perde. Se tivesse ganharia. Simples assim.”

No rol dos aflitos essa cunha é afiada e, depois, tem aí esse juizinho de comarca das bandas das araucárias, tinhoso com seus ternos que lembram os das lojas Ducal. Ele tá condenando todo mundo e, o pior, aos olhos rigorosos e exatos da Lei.

Esqueceram-se dos embargos declaratórios da nossa magna juridicum protelatórius? Quem aqui se preocupa com nomes limpos? Uma eleição basta para quem rolar cair em quarentena esquecente. O povo continuará cego das duas orelhas. No máximo um tempinho domiciliar e no limite do limite com pulseira podálica.

Precisamos combinar é quanto cada um se dispõe a devolver do que pegou, independente do guichê. Olha lá que ninguém passe de vinte por cento da feira porque senão vai dar crise de novo. E cuidado com os “mulas” porque eles precisam estar em segurança e com a família cuidada.

“Acordo só dá certo se for feito com a sociedade e, para isso, a presidente precisa ‘zerar’ o governo, mudar tudo e recomeçar em novas bases.”

- Cunha, tá bom, isso serve para a retórica, mas aqui entre nós... Como ficamos?

- Podem me dar aí um Estado...

- Qual?

- Ora vocês sabem.

- Não serve um ministério forte?

- O da pesca vocês não vão me dar, vão?

- Você quer mesmo ficar da moita?

- De leves, é claro.

- Não, melhor te dar o Rio.



Até breve.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

NEXO



CIUMINHO BÁSICO 

escuta
calado
a proposta rude
deste meu
ciúme:
vou cercar tua boca
com arame farpado
pôr cerca elétrica
ao redor dos braços
na envergadura
pra bloquear o abraço
vou serrar teus sorrisos
deixar apenas os sisos
esculhambar com teus olhos
furá-los com farpas
queimar os cabelos
no pau acendo uma tocha
que se apague apenas
ao sinal da minha xota
finco no cu uma placa
"não há vagas, vagabundas"
na bunda ponho uma cerca
proíbo os arrepios
exceto os de medo
e marco no lombo, a brasa,
a impressão única do meu dedo.

Este poema da poetisa mineira Ana Elisa Ribeiro custou o emprego de duas professoras do Município de Santa Luzia. Elas “trabalharam" o texto com alunos de escola da rede pública.

Imoralidade.

Liz chegou da escola e me perguntou se eu sabia o que era cu e xota e porque a professora falou que pintinho é pau.

Eu disse que é muito comum dar nomes diferentes a mesma coisa, objeto, pessoa, enfim tudo pode receber outros nomes. Mas quis saber dela porque me perguntava.

- Hoje a professora leu uma poesia que falava...

No mínimo foi corajosa a escolha do poema para levar à interpretação de crianças e/ou adolescentes. Composição explícita e sanguínea do lugar do ciúme, fincando como tatuagem sobre o outro.

Mas não é mais ou  menos assim que se dá? Embora não queira, necessariamente, a poesia "falar” do que versa. 

A moral e os bons costumes já queimou muita gente viva, já enlouqueceu muitos e muitas, já feriu e deserdou muitos, já escondeu muitas paixões, destruiu inúmeros amores, matou poetas e escritores.

A moral e os bons costumes de hoje, pedófila em sacristias e conventos, na rede e em tantos lares perdidos.

A moral e os bons costumes, conto da carochinha para ser usado por satrápias para que justifiquem os seus atos puros.

Logo quem.

Até breve.





domingo, 16 de agosto de 2015

GESTO



Assisti ontem ao filme "As Neves do Kilimanjaro", filme do francês de ascendência armênia Robert Guédiguian.

Em tempos de crise séria, o líder sindical Michel (Jean-Pierre Darroussin) acaba perdendo seu emprego no porto de Marselha. Embora imune à demissão – por ser membro sindical – Michel decide fazer a escolha daqueles que deveriam ser demitidos através de sorteio e inclui o seu próprio nome na lista.

Michel é um dos vinte empregados sorteados.

A mulher, Marie-Claire (Ariane Ascaride), com quem é casado por três décadas, trabalha como acompanhante de uma senhora de idade. E o casal consegue virar-se com o dinheiro que tem, mesmo com o marido desempregado.

Ao comemorarem o aniversário de casamento, ganham dos filhos adultos e dos amigos uma passagem e dinheiro para ir à África e conhecer o monte Kilimanjaro, na Tanzânia - um sonho antigo do casal. A alegria dura pouco, pois eles são roubados e os ladrões levam o dinheiro e as passagens.

Michel descobre que um dos assaltantes era um ex-colega de trabalho (Grégoire Leprince-Ringuet) também integrante do sorteio. Michel denuncia o rapaz e descobre depois que a motivação para o crime era a necessidade de o rapaz manter seus dois irmãos menores que foram abandonados pela mãe.

O rapaz é condenado, apesar de Michel ter decidido retirar a queixa.

Michel e Marie-Claire mostram que mesmo numa Europa - especialmente a França - de onde a generosidade parece ter ido embora, ainda há espaço para gestos humanos.

O casal decide acolher, em casa, os irmãos menores do criminoso, mesmo com a resistência dos filhos adultos que não entendem o envolvimento dos pais com os irmãos daquele que os machucou, física e emocionalmente, além de roubá-los.

Eu me pergunto por que um filme tão importante quanto este, para a reflexão do que se passa, foi lançado no Brasil somente em dois cinemas da cidade de São Paulo e permaneceu em cartaz por apenas duas semanas com bilheteria mínima?

A foto é real no desembarque, esta semana, de refugiados na ilha grega de Kon.




Até breve.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

SOFÁ

A História nos classifica em três categorias de pessoas.

A daquelas que estão fazendo as coisas acontecerem, a daquelas que estão observando as que estão fazendo as coisas acontecerem e a terceira, a categoria de pessoas que não estão entendendo nada.

Claro que o número maior de pessoas está na terceira categoria.

As pessoas da segunda categoria, naturalmente, observam os fatos protagonizados pelas pessoas da primeira categoria segundo vieses os mais variados possíveis, com reflexos de toda sorte nas reações das mesmas.

Eu, por exemplo, como membro autoclassificado na segunda categoria, estou nu, exposto literalmente nos oitocentos e tantos posts aqui editados. O leitor que me lê já saca qualé a minha. Meu jeito de olhar, eu acho.

Dia 16, próximo domingo, algo vai acontecer e no episódio estarão obviamente presentes pessoas das três categorias.

Algumas sairão às ruas de vestes amarelas, azuis, brancas e verdes. Outras vermelhas. Outras tantas de outros tantos colores. Difícil decifrar, pela cor das vestes, a qual categoria pertence o seu usuário.

Todos os matizes acolhem aos que fazem, aos que observam e aos que não entendem nada.

A desideologização – que horror – dificulta, portanto, tingir as paixões. Veja o encontro do último dia 12 entre os membros da agenda positiva do PMDB. Maquinação da melhor velhacaria sarneyziana, misturada com os fios implantados de um cérebro mais do que perverso calheiriano, vasinilizada por espíritos mais do que termerizado, jucazado, alveszado, e, claro, lulalácompletado.


O Brasil escolherá quem estes caras resolverem que as pessoas que ocupam a terceira categoria deverão escolher. Alguém aí tem dúvida. Leiam este post em 2018.

Cite um nome ocupante, na sua opinião, da primeira categoria de pessoas que poderá mudar o curso dos fatos. Não vale: Joaquim Barbosa, Sérgio Moro e outros assemelhados. Estes não tem chance.

Lembro que quem DECIDE a História não são os membros da primeira categoria de pessoas e nem da segunda. A maioria dos votos é clicado por membros da terceira categoria. A coisa chama DEMOcracia.

Apertam a tecla pelo fogo da paixão.

Se quiserem uma evidência leiam sobre a Operação Mãos Limpas conduzida pelos juízes italianos nos anos noventa, entre eles (veja a dramática coincidência) o juiz Aldo Moro, assassinado no curso das investigações.

Limpas as instituições depois de tudo quanto é cor na cadeia o povo foi para as ruas, depois para as urnas.

Deu em Berlusconi.

Eu vou ficar em casa, observando.

Todo mundo já sabe mesmo da minha má e maldita covardia.



Até breve, quem sabe? 

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

CONSOLO



Mas claro, há também claridades e intensas.

A questão é que eu me coloco numa perspectiva de um intelectual de esquerda, que parte do que é do Universal para o que é do Particular. Da Síria e de seus refugiados, dos crimes hediondos contra a natureza e contra a Pessoa, só depois vou me ocupar daquilo que se passa na intimidade do CEP 30330-160.

Sou daqueles que, em sua modesta concepção, entende que a negação da dignidade humana deprecia o valor de qualquer causa que necessite dessa negação para afirmar a si mesma. Escrevo isto aos europeus, especialmente aos britânicos.

Fosse aqui, bem próximo de mim, eu me bastaria de lux de cegar os olhos.

Antônio, nesse momento, deve estar esquentando sua moleira em passeio a bordo de um daqueles barcos que vagam pelo Rio Sena. Mamãe e papai, em viagem de férias, alugaram um apartamento ao pé do qual esverdeia o mundo um parque monumental repleto de curiosidades ao olhar de meu netinho de oito meses de idade.

Próximo, vinte minutos a bordo de um MacLaren, Antônio chega ao símbolo da cidade luz.




Claridade e porvir também em Noninha que já faz planos para, no próximo ano, esquentar suas alegrias em fogueiras de pipocas e alegrias.



E em Tin, que se encolore em tintas.



Apenas nas crianças que a Humanidade ainda pode ser encontrada, capturada e preservada, intacta e ilesa.

Em nossa casa de Santa Luzia, sobre a escrivaninha que há cinquenta anos misturei minhas primeiras letras, desde então guardadas, mantenho um pôster com o poema ODA A LA ALEGRIA de Pablo Neruda, poeta de esquerda e Nobel.



No mais íntimo há esperança.



Até breve.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

EVIDÊNCIAS



Manhã e tarde
As gralhas-do-campo
ocupam os pés de goiaba
e as mangueiras.
Rotina mantida quando fruto não há
Território é conquista diária. (*)


O universo está morrendo pouco a pouco, segundo uma equipe internacional de cientistas. O estudo publicado no periódico “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society” investigou a quantidade de emissão de energia numa vasta região do espaço, analisando individualmente cerca de duzentas mil galáxias e concluiu que a energia produzida por elas, atualmente, é duas vezes menor que há dois bilhões de anos.

"A partir de agora, o universo está condenado ao declínio. O universo se estirou no sofá, se cobriu com uma manta e se prepara para um sono eterno", explicou Simon Driver, cientista australiano um dos membros do projeto que contou com a colaboração de centenas de cientistas de mais de trinta universidades australianas, europeias e norte-americanas.

Com efeito, se a compreensão destes estudiosos do funcionamento do cosmos estiver certa, e sua expansão prosseguir em ritmo acelerado, esse é o desfecho esperado: um lento e gradual, mas irreversível, apagamento.

Apesar disso, os cientistas dizem que não devemos nos preocupar demais. Embora as luzes estejam se apagando, a fase ativa do Universo ainda deve durar muitos bilhões de anos, e depois disso as estrelas mais longevas viverão por até um trilhão de anos — um tempo incomensurável do nosso ponto de vista — até que só restem os resquícios das glórias de outrora.

Eu, de minha parte, aqui colado com meu euzinho, claro que não teria com o que me preocupar. Eu já estou estirado no sofá e devo permanecer ali, sendo otimista, por um par de décadas, se tanto.

Se bem que - me perdoem de novo o meu olhar cinzento - há evidências muito objetivas para o apagamento precoce do Universo Humano. Minha lim itada e assistemática observação, empírica ainda que interessada, não me deixa dúvidas de que se não é ocaso da Civilização, deve ser o limiar de uma reviravolta em qual o sentido dar a existência.

“Ele não conseguiu nos fazer humildes. Ou não quis. Ou não pode. Então eles nos fez humilhados.” Está na introdução do trailer do filme Adeus à linguagem, recém-lançado, de Godard. “Quem?”

- “Deus.”

Minha desilusão me leva a crer que não deve haver atalhos que conduzam a um mundo feito sobre medida para a dignidade humana, e ao mesmo tempo é improvável que o mundo realmente existente, construído dia a dia por pessoas já espoliadas de sua dignidade e desacostumadas a respeitar a das outras, possa algum dia ser refeito segundo essa medida.

O esmagamento de trinta e sete toneladas de alimentos ideais para consumo realizado ontem por máquinas pesadas na Rússia, não importa quão justificáveis sejam as razões, dão a clara evidência de nossa iniquidade.

A alegria na  chegada de centenas de refugiados desesperados à Grécia, país hoje dilacerado pelo neocapitalismo.

Se quiserem outra: foi ontem exumado o cadáver da mulher, anteriormente considerada suicida pela polícia que investigou o caso, e agora, com nova perícia, teria sido sim assassinada pelo marido que também veio assassinar o próprio filho.

Outras? Leiam os jornais de hoje, de amanhã...

O Humano escureceu.


Até breve.

(*) Poema HAVER NO SENTIDO DO EXISTIR, de Simone de Andrade Neves, publicado na edição de nº 1358 do Suplemento Literário da Secretária de Cultura de MG.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

TRABALHO



Não há nada sobre o que se pudesse falar durante um intervalo. Duas ou três horas escoariam até que voltássemos para dentro do teatro. Quando se está muito próximo da estreia é melhor não conversar muito sobre qualquer coisa. Melhor concentrar-se.

Mas acabou que não aconteceu assim.

Sentamos em um bar no térreo de um prédio contíguo ao teatro. Pedi um café e ela pediu um chope, um cigarro (imaginem) e uma porção de carne seca com fritas e cebolas.

- Estou com fome e sede.

- Vai fundo...

- Li meu horóscopo de hoje. Deixe-me te mostrar aqui, abro agora no celular... Eu leio prá você: A sensação de você ter perdido o domínio sobre a sua própria vida talvez não seja mera sensação, porém, a mais fiel tradução da realidade. Contudo, também dá para verificar que perder o domínio não é tão ruim assim.

- Para hoje?

- É. Dia 10 de agosto.

- E tem a ver?

- Ora, vá á merda.

- Isso não vale só para você. Todo mundo anda meio que perdido.

- A questão é que eu estou de saco cheio... Tô querendo deixar essa peça... Tô querendo parar de fazer teatro...

- Novela de TV, então?

- Num enche!

- O horóscopo tá dizendo que não é tão ruim assim...

- Tá doendo às pampas...

- Grila não... Vamo tocar o texto, a casa vai encher, aplausos nos embriagam... Pode até rolar uma grana legal. Se bobear prêmio de melhor atriz de novo...

- Cagando e andando...

- Cê sabe que é importante ser reconhecida... A crítica é burra, mas conta.

- Nem a cultura salva essa hora.

- Vamo fazer a nossa, tá legal? A consciência do público é que dite qualé. Se quiserem ir para as ruas, que vão... Senão, danem-se!

- Cê lembra como era?

- Acabou, já era, num rola mais...

- Mas que é foda é...

- Tá bom. Toma seu chope e vê se desencana.

- Cê acha que nós temos chance mesmo?

- A casa vai lotar...

- Num tô falando dessa porra, cara!

- Do quê, então?

- Ah, paga a conta aí e vamo voltar pro palco.





Até breve.