quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

ÍCONE



Korea (médico obstetra de Pretinha), com a calma que lhe é peculiar, fazia o exame de ultrassom e tecia comentários sobre o que via até que: “É menina!” Pretinha havia me deixado um convite para estar junto com ela durante o exame. Era o dia 27 de fevereiro de 2012.

Exatos doze meses ou um ano atrás eu recebi um dos presentes mais expressivos de toda minha vida: a constatação “in loco” que eu seria avô de uma menina. Naquele dia eu estava completando meus sessenta anos de idade.

Noninha passou a ser minha musa inspiradora mesmo antes de nos chegar em 01 de agosto. Alguns acham inclusive que tanta menção à minha netinha não passa de pura tolice. Escrever histórias absurdas com alguém que sequer havia nascido, voar de balão, estacionar para dormir na lua e tantas outras viagens.

Há, no entanto, aqueles que acompanham com interesse minhas nuances colocando Noninha como um ícone: o futuro. Paralelo com o que se passa, denúncia explícita das inúmeras barbaridades da nova época.

De fato os dias têm me deixado com as peles mais grossas. A da alma e a do corpo estão menos permeáveis a deslumbramentos de qualquer natureza, o que de certa forma me entristece sobremaneira.

Esta mudança de época que estamos presenciando, fundada na decadência abissal das instituições que foram moldadas durante centenas e centenas de anos, me assusta e me enrijece o espírito.

Eu deveria estar cuidando dos meus afazeres mais imediatos, das minhas questiúnculas do dia-a-dia, da busca frenética e incessante do vil metal para manter meus trens e aparências. E não estar “sofrendo” por Sírias distantes porque ali mais de cem vidas por dia estão sendo eliminadas e refugiados estão cavando grutas nas encostas de montanhas para esconderem-se de bombardeios.

Eu não tenho nada que ficar ocupado com o afastamento do representante simbólico da figura do Cristo, e não ligar a mínima para o desmoronamento grotesco de Algo que mudou a contagem do tempo ocidental.

Eu não deveria estar preocupado com Itálias disputadas por máfias berlusconianas ou por comediantes, fazendo do Estado pilhéria. Assim na França, no Egito, na Grécia e, por que não dizer também, do lamentável glamour de Michele ao saborear um recado ao Irã inimigo. Argo!  Arrrqqq!!!...

Eu não deveria ainda me ocupar com nosso lugar. Nas caminhadas matinais, entre as sete e oito horas da manhã, observo as pessoas disputando em frenesi vagas para estacionarem seus carros. É trágico. Sinal do esfacelamento da urbanidade.

Ao completar hoje meus sessenta e um anos de idade eu estou certo que devo seguir meu trote solitário.

Vou continuar com minhas toLizes.


Até breve.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

UM



Mateo completa hoje o seu primeiro mês de vida.

No alto de seus cinquenta e cinco centímetros de altura e quatro quilos de peso, ele vem nos incitando a reflexões.

Mateo não veio de normal. Ele não fez dilatações. Como se quisesse dizer: “Se me querem mesmo venham me buscar aqui”, ele veio de cesariana. E quando chegou mostrou no teste do pezinho que caminharia por caminhos outros.

Lembro que “cesariana” vem do grego que resultou em português no verbo cortar.

Mateo convida a cuidados maiores e atenção do distinto. Ele veio com um dispositivo que aponta quão frágeis todos nós somos. Ilusão daquele que, não tendo as características genéticas do guri, está pleno. Mateo não. Saberá desde sempre que corre riscos importantes se ingerir algo que não lhe faça bem.

Nós outros não temos esse privilégio. 

Somos tão ciosos de nossa normalidade que, a todo o momento, experimentamos e de todo tipo de alimentos sejam eles materiais, espirituais ou de conduta. Espelhamos-nos na prática daquilo que se convenciona como o hábito, a conveniência e o costume da grande maioria. Pierre Cardin disse certa vez que o que move o mundo é a moda e a fome.

Mateo corta, pelo menos no âmbito de sua família.


Não se trata agora de pensar apenas na nutrição, seus paladares ou constituição energética. Poderíamos ir um pouco mais além da saúde corporal daqueles que nos vierem. Serve para Noninha. Serve para Catarina. Serve para Léo. Serve para todos sobre os quais depositarmos a nossa corresponsabilidade.

É passada a hora de nos ocuparmos com o que verdadeiramente importa. Camila e Leandro devem redobrar ainda mais sua dedicação e afeto, o que é sempre salutar. Nós os próximos, temos a extraordinária oportunidade de cuidar ainda melhor de cada um de nós e, por extensão, dos nossos outros.

Penso que não devamos apontar a diferença a partir daquilo que não é necessariamente um paradigma da boa saúde. Temos a nossa frente a extraordinária oportunidade de todos os demais que nos vierem e, insisto, não os quero poucos, receberem de nós mais ainda do que sempre havíamos imaginado. Zelo, carinho, atenção, afeto e uma grande dose de esperança de que cada um deles possa encontrar-se e ser, fundamentalmente, feliz.

Quando apelidei Mateo o fiz com intenções sanguíneas. Noninha é minha netinha numa linha direta de parentesco. Desejei sinalizar o quão espero que ela seja bem cuidada e depositei nele uma grande responsabilidade. Na linha da avó materna ele é o primeiro primo e, como tal, deve ser o seu primeiro guardião da nossa tropa de elite.

Muitas felicidades, Zeroum. Muitos anos de vida.


Até breve.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

CRUZ I




Ainda sobre a ameaça ou oportunidade.

Circula, agora, a notícia da existência de um relatório elaborado por três cardeais que teria sido, pelo que nele consta, a razão determinante para o pedido de renúncia.

Nunca, sobre isto e tudo o mais, saberemos a verdade. Sendo assim melhor construir versão dos fatos que nos sucedem em um mundo onde se divulga tudo, mostra-se tudo, fala-se de tudo, explicita-se tudo e não ficamos com nada dessa exposição fantástica dos fatos.

Minha versão já exposta em CRUZ, aqui com duplo sentido, me inquieta e preocupa. Não me parece que o debate deva se prender ou dar ênfase às questões mundanas que todos sabemos não ser exclusivas de nossa época.

Taras sexuais, jogos espúrios de poder, usos apropriados de capitais são próprios e milenares em toda e qualquer organização administrada por terráqueos, seja na Igreja Universal, no Federal Reserve ou no Exército Americano, apenas para citar as mais grandiosas. No Clube do bairro, no time de futebol, no INSS, no Congresso Brasileiro, apenas para citar outras de menor expressão.

Não, não é na esfera da intriga que a renúncia repousa. E mesmo que fosse a mais pura verdade eu precisaria de minha versão para continuar vivendo. Não quero ficar com a concretude dos fatos reais ou com o produto de sórdidas tramas dos porões do Vaticano.

Prefiro acreditar no simbólico. Quem nos deixa quer nos mostrar algo de muito grave que se passa e diz respeito a cada um de nós, na nossa mais profunda essência. Onde foi parar nossa religiosidade?

Religiosidade aqui não vinculada a quaisquer seitas. Católica, Espírita, Judaíca, Muçulmana, Umbanda, ortodoxas, medianas, radicais, fanáticas ou progressistas, praticantes ou de fachada.

Religiosidade no sentido do religare. Aquilo que nos coloca em sintonia com o que nos transcende e evoca. Aquilo que nos dá a exata dimensão da nossa pequenez diante da morte e o nosso verdadeiro poder diante da vida.

Onde foi parar a nossa escolha pela prática do Bem? Onde está a nossa inquietação pelos inúmeros atos bárbaros que diariamente nos vitimam em todas as partes do mundo? Onde está o respeito a nós mesmos e aos outros? Onde estão os nossos afetos mais caros, dignos e necessários?

Qual é nossa moral e quais são nossos costumes?

Dramática decisão esta que nos lega o Sumo Pontífice. Provavelmente daqui a alguns anos compreenderemos melhor esta sábia e dificílima atitude pelos efeitos que dela resultarão: a restauração iluminista ou o aprofundamento da barbárie.

Temo pela segunda.



Até breve.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

DRAMA I



Estávamos, no último domingo, no saguão de entrada do cinema onde fomos assistir ao filme De coração aberto. Comentei com Ela que tenho me impressionado com o número de pessoas solitárias, homens, mulheres e assemelhados.

Enquanto aguardávamos a liberação para entrar para a sala de projeção, observei que entre as quase quarenta pessoas presentes apenas três estavam acompanhadas, uma delas eu próprio.

Onde andam os parceiros?

Ou cinema passou a ser um local que as pessoas devam ir sozinhas e nós, aqueles três, é que estamos ultrapassados? Não, infelizmente o que ficou ultrapassado foram os programas a dois.

Há alguns anos atrás as filas estavam repletas de casais, porque ir ao cinema era um programa legal para ensaiar um papo depois regado a um choppinho e que tais. Hoje, parece, é uma ocupação para as vidas vazias, como se servisse a enredos espelhados nas telas de projeção.

Fiquei com vontade de bisbilhotar a situação de cada um daqueles solitários, na quase totalidade mulheres de meia-idade. Onde estão seus parceiros? Eu perguntaria.

Foram ao campo de futebol? Estão jogando futebol? Ficaram em casa assistindo futebol na TV? Ou foram visitar a família e, como estas pessoas não se dão com os entes queridos de seus parceiros, preferem que estes compareçam sozinhos à visita familiar semanal?

Onde estarão, então, seus parceiros?

Não gostaram do tema escolhido por elas, consideram o cinema caro, não conseguem assistir ao filme até o final, não gostam de cinema?...

Fiquei sem resposta. Ela não gostaria de me ver consultando a cada uma daquelas pessoas. Depois, o que eu tenho a ver com a vida dos outros? E daí se as mulheres vão sozinhas ao cinema nas tardes de domingo? E daí se elas estão sozinhas?

E daí?

Daí que, para mim, não é um bom sinal dos tempos que correm. A solidão contemporânea é uma endemia grave e crescente.

E não se manifesta somente nas salas de cinema. Nos bares, em eventos de diferentes naturezas, nos shoppings, nas ruas e, até mesmo, no âmbito das moradias. As pessoas estão cada vez mais com seus próprios programas, cada vez mais ensimesmadas.

Ao longo dos dias úteis, portanto dias de trabalho, ficam distantes boa parte do tempo, encontram-se (?) à noite, trocam meia-dúzia de palavras, acordam contas a pagar, transam(?) e adormecem.

Há, no entanto, uma agravante importante: as jornadas de trabalho têm se dilatado cada vez mais, inclusive estendendo-se aos sábados e, às vezes, aos domingos. Há casos em que contas deixam de ser pagas: um esperava que o outro o fizesse.

Ah, talvez resida aqui a razão: os parceiros não foram ao cinema na tarde de domingo porque, na hora do cinema, eles estavam trabalhando. O que é um motivo mais do que justo para a ausência.

Desconsiderem, portanto, este post.


Até breve.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

DRAMA



Assistimos ontem à De Coração Aberto, com Juliette Binoche e Edgar Ramirez.

Eric Nepomuceno entrevistador no programa do Canal Brasil Sangue Latino sempre indaga aos seus convidados qual a função da arte, ou para que serve a arte. Em um destes programas, por exemplo, Ney Matogrosso respondeu que a arte teria o salvado da loucura. Não fosse o palco, onde ele extravasa todo o seu drama, ele estaria louco.

Mila e Javier são jovens, casados há dez anos. Experimentam uma relação intensa, transam o tempo todo, riem muito, fazem piadas, visitam lugares proibidos de madrugada e esbaldam-se em festas com amigos.

Até quê.

Javier tem o seu quadro de alcoolismo intensificado e é denunciado à direção do hospital onde trabalha. Mila descobre que está grávida. Ambos são cirurgiões cardíacos, trabalham em plantões o que implica em alto nível de stress.

É dramática a perspectiva de ser para o outro, saí do cinema com esse incômodo. Por mais rica, alegre, intensa que seja a relação em algum momento vem à tona o limite. Ninguém consegue suportar o drama alheio, do amor ao ódio e depois ao amor e ao ódio e depois ao ódio e ao amor, e ao ódio, ainda. E ao amor.

Sempre o outro surpreenderá com suas origens e seus quereres, suas fragilidades, sua agressividade, seu segredo, sua impertinência e até crueldade. O drama é que o outro só é na perspectiva da construção conjunta, para os projetos com partilhados, a minha parte com a parte do outro. O outro só é no com (a)flito.

Javier desaba sob sua descendência trágica de pai e mãe alcoólatras. Mila não quer a gravidez por força do que aspira ainda em sua promissora carreira. Javier não faz nada para conter seu vício e ela decide abortar, em que pese ser o grande sonho de Javier ser pai.

Até quê.

Decidem abandonar tudo e irem para a terra natal de Javier, Iguassu, na Argentina. Mila tem a gravidez complicada e recebe da médica recomendação para que aguarde o parto. Javier não suporta.

A arte tem sim uma função transformadora. O esforço de diretora e montador do filme para narrar o drama em De Coração Aberto é extraordinário. As cenas dão a exata dimensão de alegria e dor e, carregadas de simbolismo nos remetem a uma profunda reflexão do que é ser para o outro.

Para registro: o declínio físico, psíquico e emocional de Javier nas cenas em que ele demole paredes do apartamento e Mila, já com quase nove meses de gravidez, retira dois sacos dos entulhos, carregando ao longo das escadas do prédio.

A arte além de nos salvar da loucura nos ajuda a ampliar nossa lucidez.
  
Este post talvez faça algum sentido para quem já assistiu ao filme e quer ter a pretensão de recomendá-lo para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade.


Até breve.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

DÁDIVA



Diferir é, fundamentalmente, um ato de coragem. Coragem, etimologicamente, é agir com o coração. Coração é o signo da vida. Corajoso não é o temerário que se lança, corajoso é aquele capaz de avaliar riscos, porque ama a vida.

Mateo nos veio sob á égide da coragem. Foi concebido dentro de uma configuração genética que lhe imporá, ao longo provavelmente de toda a sua vida, especial zelo com aquilo que ingerir. Deverá manter rigoroso controle sobre a alimentação que estará constituída de um cardápio distinto do convencional.

Mateo é dessemelhante. Isto é, faz parte de uma parcela de pessoas que necessita estar permanentemente atentas sob a procedência dos alimentos devendo os mesmos ser, em tese, quase sempre de origem vegetal. Ele poderá ingerir uma quantidade controlada de proteína de procedência animal. Caso exceda poderá correr riscos importantes.

Leandro e Camila (Lindinho e Camileta) administram. Ontem, feito o exame semanal (que será rotina), face à dieta prescrita pela nutricionista que acompanha Mateo, os índices estabelecidos estão em níveis excelentes.

Recebi email de Leandro a propósito de uma palestra que lhe indiquei. Pedi a ele que me autorizasse a transcrevê-lo aqui, porque o considero oportuno, necessário, esclarecedor e nos servirá (aos mais próximos) como um registro.

“Caro Vovô Guiô.

Gostaria de agradecer a palestra enviada. É muito inspiradora e esclarecedora. 

Acredito que no nosso caso não foi bem a dificuldade que assustou, mas sim o novo e o desconhecido. 

Novo, nosso próprio Mateo, que estamos a cada dia aprendendo a lidar e amando mais e mais. 
Desconhecido e inesperado, o Mateo como ele nasceu. Não como talvez tenhamos imaginado, mas como ele é. 

Entretanto o medo já ficou para trás, tão logo passamos a entender e dominar o desconhecido e torná-lo conhecido. 

Desconhecido agora somente como será. Porém, assim é boa parte da vida. Vida, aliás, que é cheia de mistérios e não tem como querer entendê-los, pois após assistir a palestra, vi o quanto somos ignorantes em relação a muitas coisas... 

Ao contrário de Gary Yourofsky, o Mateo nasceu quase um Vegano (ele ainda tem a opção de usar couros e outros derivados) e não se trata mais de ser uma deficiência  genética, pois acredito que possa ser também uma evolução genética da natureza, transformando pouco a pouco a humanidade em Veganos e Vegetarianos. 

Entretanto ainda que no futuro essa seja uma realidade, seria necessário que a natureza mudasse também o gene da crueldade, que domina há séculos nosso planeta. Pois se no passado o homem escravizava o homem para auferir seus ganhos, na atualidade faz isso com animais e disfarçadamente ainda com homem, pois somos ou não somos também escravos do que nos fazem acreditar? 

Pode ter sido um escândalo na Europa descobrir que estavam comendo carne de cavalo onde deveria ser de boi, mas quantas outras coisas não “engolimos” sem saber? Ou pior, sem querer saber? 

Afinal, dizem que o que os olhos não veem o coração não sente. E assim caminha a humanidade, com milhares de pessoas passando fome que comeriam até um boi. Devemos condená-las por isso? Certamente não. Mas será que a mesma crueldade que mora nos corações daqueles que maltratam animais irracionais não mora nos corações daqueles que simplesmente ignoram os milhões de famintos mundo afora?

Propostas há muitas, falta colocar a mão na massa. 

Como devemos dar um passo de cada vez, farei o que já algum tempo habita minha mente, vou ser vegetariano como meu filho e espero assim estar contribuindo de alguma forma e sempre saberei que posso muito mais para ajudar.

Abs.”

Zeroum, meu netinho, é uma nova referência.

Até breve.

PS> A palestra está em GARY YOUROFSKY

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

CRUZ



“PAI, PERDOAI-LHES. ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM.”

Agnóstico, ateu, desesperançado e quase teologicamente analfabeto estou com os olhos ardendo e a alma vivendo uma dor profunda ao constatar de maneira acachapante, mais uma vez, o martírio da figura do Cristo.

O ato simbólico daquele que O representa perante os homens é ápice da tragédia.

Nenhuma palavra que Ele pudesse proferir ecoaria nos corações e mentes dos ímpios, dos algozes, dos iníquos, dos pecadores. A hipocrisia, a luxuria, a cobiça, a sede de poder, a demanda por aplauso e aceitação grassam pelo órfão Planeta.

O que resta então ao Bem Supremo senão o ato, quando a Palavra esvai e não mais significa? O que resta quando toda a Verdade é maculada em diferentes formas e sofisticados expedientes?

Ao Bem Supremo a imolação e o martírio. A entrega soberana do seu Corpo para materializar de forma objetiva e clara a renúncia, na expectativa que com isto seja visível o Mal que triunfa.

A renovação em outro Homem. A Esperança. A Espera Divina de que se possa salvar a alma humana de si mesma e construir um novo tempo. Enquanto não soubermos será negra a mensagem e quando surgir branca sobre os céus de Roma, reiniciará a nossa chance.

Temo por ela, novamente.

Não é o vigor de Ratinzer que se esgota, pelo andar dos anos sobre seus ombros frágeis. É muito mais do que isto. O que se esgota é o obsurdo do caminho trilhado pela Humanidade.

A imensa tarefa humana adiante nos pede vigor desmedido pela extensão que o Mal atinge. Guerras, fome e miséria, crimes hediondos, degeneração da família, abusos da carne e do espírito, afastamento dos mandamentos, iniquidades extremas.

A figura representativa do Cristo não é um cargo para o qual alguém se habilita, ocupa e algum dia por razões quaisquer e próprias dele possa renunciar. Portanto, é óbvio que estamos diante de algo maior.

Quem se afasta não é a figura de um homem, mas do Homem. Quem se afasta, através de sua imolação e morte em vida, e clama por renovação é a Humanidade. Não é possível que mais uma vez nos seja dada a chance e nada nos aconteça.

Pois eu, lamento. Não creio.

Olho para o gesto de Ratinzer e redescubro o Sagrado. Lembro-me de mim menino, quando na Igreja de Santa Teresa, via o padre erguer a hóstia e meu coração palpitava. Na época, achava que o Bem estava ali e bastava tomá-lo para que eu me tornasse puro.

É pouco.


Até breve. 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

DCE




Sumi.

Nasci mamãe morreu. Pai eu não soube. Muitas mãos depois fui dar em Dona Dulce. Passava dos doze, mas já dava conta de todo o serviço. Isso foi a infância.

Sempre, quando ficasse adulta, queria voltar lá. Nunca foi possível. Dinheiro prá viagem até tinha. Faltou liberdade de tempo. E, no fundo, tinha medo. Dos assombramentos.

História como de qualquer outra. Desafortunada. Igual sem reparos nem exageros para doer. Nos outros. Assim, milhões de como. Então prá que ficar falando? Se não vai de interesse.

Tem só um porém.

Eu não carnei de pecado nenhum, nem comigo. Não matei e nem roubei. Nem bicho e nem centavo. Nunca. De igreja, qualquer, corri. Escola fui, mas não fiquei. Letras conheço as do meu nome: o esse, o ó, o ene, o i e o a. Nunca precisei de mais nenhuma.

Porém é isso. Com xibiu inteiro, sem crime, sem leitura e nem escrita. Muitas das vezes dava estranhamentos, mas mesmo assim eu deixava prá lá. Ninguém é mesmo igual.

Um dia gostei mais de um canto e fiquei. Eu nem via a dona da casa todo dia. Eu arrumava um lanche pra ela de manhã e ia pro meu quarto. De noite, quando ela voltava encontrava a janta pronta. Eu, na cama.

Fiquei prá mais de doze anos. Ela foi morar fora do país. No dia que eu saí ela levou uma dona para que eu ficasse prá ela. Foi assim.

Mais cinco anos.

Essa casou e o marido levou ela embora. Me levou para uma família perto, dois velhos e um rapaz entrevado em uma cama. Lá eu fiquei sete anos. Quando morreu o último, um dos parentes pediu prá eu ficar prá ele.

Foram nisso oito anos.

Daí prá trás foi do meu quarto prá cozinha e arrumação. Terminava voltava pro meu canto. Nunca ruminei nada. Televisão de jeito nenhum. Nunca entendi. Nem amizade, com ninguém. Não saía prá lado nenhum. Nunca.

Até que cansei.

E fui embora.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

MODELO



Camila, por seu comentário no post anterior, pegou a ideia. Só mesmo anjos para nos compensar o entorno.

A explicitação do absurdo e do desrespeito às instituições democráticas e a seu protagonista ilustre (o povo) chegou ao limite do obsceno.

O bate-boca entre os principais responsáveis pelo legislativo e pelo judiciário a mim preocupa seja qual for o desfecho.

Caso ao fim dos procedimentos judiciais de praxe ocorra, de fato, a prisão dos condenados e a perda do mandato daqueles que são parlamentares, abrirá uma brecha delicada para juízo de boa parte dos protagonistas da história política recente do país.

Quem esteve no poder dando as cartas nos últimos trinta e poucos anos, e estiver vivo, estará sujeito à verificação de conduta. Os acordos sempre foram sobre a tese de que aquele que cai não pode sair atirando. É melhor que aguarde quando retornar.

Na outra hipótese de desfecho, caso não ocorra nem a prisão e nem a perda de mandato, o que me parece mais provável face às circunstâncias, continuaremos como dantes no quartel de Abrantes.

Se bem que não.

A política será cada vez mais entendida e aceita como a arte torpe do engodo. Ao povo, que legitima a conduta, ficará o maior dano. Entre nós consolidar-se-á a convicção de que a via da esperteza e da tramoia é o caminho mais curto para o sucesso e projeção social.

Consolidar-se-á também e absolutamente a prática da impunidade dos membros da elite, restando apenas aos menos favorecidos a demonstração de que o crime não compensa.

Enfim, neste particular, nada pode estar tão ruim que não possa ainda piorar. De qualquer forma, e eu não sei por que não me limito exclusivamente a isto, ainda há sim uma esperança.

Flagrei-a ontem. A vida compensa.



Até breve.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

NUANCE



Sábado inicio da noite, Santa Luzia.

O denso cinza escuro quase negro precipita-se sobre o verde das vegetações que nos abraçam por todos os lados. Embora muito bonita, a tempestade assusta com seus ventos barulhentos e centelhas de raios que cortam os céus.

Estávamos fazendo o lanche vespertino na presença de um casal de amigos também moradores em nosso condomínio. Jogando conversas dentro, como de resto, fazemos quase todos os finais de semana.

No domingo, bem cedo, a caminhada serviu também como verificação dos eventuais danos da tromba d'água. Felizmente nada ocorreu. Meus pulmões ávidos deram graças à neblina que encobria a rua e toda a mata, deixava pouca coisa a vista, carregada de umidade e oxigênio.

Ao longo do dia me coloquei a pensar sobre um mote que me levasse a post. Nada me ocorria, exceto o mal estar que ficou de sexta-feira e se agravou no início da tarde de hoje.

Todos os condenados continuam soltos.

Todos os que sofreram denúncia tiveram processos arquivados ou estão gozando dos infindáveis recursos. Ainda tramam.

Alguns destes continuam abusando de uma estrutura que nos custa R$3,0 bilhões anuais.

Um deles foi eleito Presidente do Senado e outro Presidente da Câmara dos Deputados.

Eu havia prometido à mim mesmo não mais gastar espaço com essa gentalha, satrápias, verdugos. E não vou.

Enquanto isto, a vida segue sem grandes realces. Apenas as mesmas e frequentes notícias e/ou fotos enviados via WhatsApp de Noninha e agora, também, de Zeroum.

Carnaval, folia marota, avizinha-se. Nada também que valha samba. Zeca Pagodinho mesmo disse que a festa acabou.
Enfim, sobra tocar os compromissos e agendas.

Dar uma de que a vida seja mesmo isto. Assim.

Melhor.

Quando passarmos em vista o país depois da catástrofe de lama que escorre de Brasília, vamos nos dar conta de que nada ocorreu.

Vamos ficar apenas com a neblina conhecida de um gás nauseante com o qual cada vez mais nossos pulmões estão acostumados.

Triste caminhada.



Até breve.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

SAL



Reconheço que os últimos posts foram de amargar. É que, às vezes, não só de KIBELOCO interpreta-se a realidade. Hoje o dasletra completa 350 textos publicados e, como antes, em números redondos, comemoro.

Em vinte meses de edição do blog, foram publicados em média 17,5 textos por mês ou um a cada dois dias. O blog tem sido acessado, não tanto quanto o citado kibeloco, que mensalmente recebe doze milhões de visitas. Rir é mesmo o melhor remédio.

Só que a realidade tem outras facetas que nos convidam.

Assisto regularmente ao Jornal da Cultura (canal 114 da Sky) que é, em minha opinião, a melhor proposta de jornalismo ativo da TV brasileira. Além da competente âncora Maria Cristina Poli o jornal conta com excelentes comentaristas, que se alternam a cada dia da semana.

Nesta quarta-feira estiveram presentes o ex-ministro Ozires Silva e o professor de Medicina da USP Paulo Saldiva. A certa altura do programa o ex-ministro defendia o extraordinário crescimento da China e comentou que no mesmo período em que São Paulo constrói o Rodoanel (há 14 anos), Pequim construiu seis e com percurso maior que o da cidade brasileira (quando este ficar pronto). O professor Saldiva rebateu que, por força exatamente disto, a poluição na cidade chinesa chegou nesta semana a níveis acima dos suportáveis. Daí a latinha contendo ar (KISS).

“Precisamos ser mais competitivos”. Concentrarmo-nos ainda mais nas cidades, expandir as vias publicas e retirar do espaço ar. Depois vamos buscar os culpados e metê-los na cadeia.

Perdoem-me, mas eu queria mesmo era comemorar meus trezentos e cinquenta posts. Posso?

Só que, hoje, há um motivo maior além das três centenas e meia de posts. Liz faz seis meses que está entre nós. Pretinha, dia 29, introduziu o sal na alimentação dela. Batata, cenoura e outros legumes amassados e carne.

Minha neta é cada vez mais gente como a gente. Com alguma reserva, Noninha aceitou o tempero e agiu como se indagasse:

- “É isto”?

E eu, sem alternativas, tenho que dizer:

- “É”.


Até breve.