quinta-feira, 29 de novembro de 2012

MALAS




- Nós podíamos começar a fazer as malas, né môzinho?

- Mas nós vamos viajar na sexta que vem ainda...

- É bom que aí fica adiantado, você não acha?

- Se você prefere assim...

Isso foi na quarta-feira da semana passada. No domingo, como viemos mais cedo para BH Ela começou a separar suas coisas e organizá- las. À noite ao longo da semana, até hoje a tarde, ela colocava sobre a cama do quarto de hóspedes alguma peça de roupa e tirava outra.

Ontem combinamos que faríamos juntos, finalmente, as malas.

Em dez minutos a minha estava devidamente pronta e com as correias de segurança amarradas.

- Olha prá mim como está em Santiago, mozinho...

- Mínima 12 , máxima 28.

- Você acha que esses vestidos estão bons?

- Acho.

- É que eu não sei que clima vai estar...

- Durante o dia morno e a noite frio.

- Estes trainings vão me quebrar o galho...

- Que bom...

- Você não acha que pode fazer muito calor e aí ficar muito quente de training?

- É, pode ser...

- Então qual roupa que eu levo?

- Você já não tinha separado?

- Não! Eu vou só colocando algumas em cima da cama... Eu vou pensando e quando vou fazer as malas é que eu decido...

- Entendi.

- Você já escolheu suas roupas?

- Minha mala está pronta, bem.

- Qual?

- Aquela cinza que você falou...

- Eu acho melhor você levar aquela outra... ela é maior.

- Mas nós não devemos trazer nada... Vamos ficar em um parque, praticamente confinados dentro de um hotel. O tour é na região, não devemos fazer compras...

- Nunca se sabe.

- É?

- A gente sempre encontra umas coisinhas...

- Coisinhas?

- Vai lá, mozinho, troca de mala... Vai ser bem melhor.

Essa sempre foi a parte mais complicada do filme.


Até breve.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

ALICE




No último domingo fomos convidados para assistir a um espetáculo de balé contemporâneo. No palco a filha de um casal de amigos, que completou este ano dezoito anos de idade.

Quando ela era pequena, tipo dois ou três anos de idade, nos visitou em nossa casa de Santa Luzia. Eu havia acabado de fazer uma casinha de madeira para nossa cadela. A hoje bailarina entrou e saiu dessa casinha inúmeras vezes achando o máximo.

Das vinte músicas coreografadas ela esteve em cinco. Naturalmente me preparei para prestar atenção nela, até para, no final do espetáculo se perguntado pelo casal de amigos, eu pudesse fazer algum comentário pertinente e fundado em algum movimento que eu pudesse ter registrado.

Num deu.

É que já na primeira coreografia eu fui magnetizado pelo esplendor daquela menina e, embora quisesse, não conseguia olhar para os demais bailarinos que compunham com ela o grupo que se apresentava.

Eu não sei nada de balé e não foi pela coreografia que já na primeira música eu me vi às lágrimas. Caramba, prá mim, é muita coragem alguém se propor artista, especialmente em área tão pouco valorizada, conhecida, procurada.

Desde sempre ela girou em torno desse propósito e quando ela entrou no palco e dos potentes alto-falantes do teatro surgiu CAIS, na voz de Elis, alguns versos tornaram-se mais belos, pertinentes e oportunos:

“Eu queria ser feliz, invento o mar
Invento em mim, o sonhador.
Para quem quer me seguir, eu quero mais
Tenho um caminho do que sempre quis. 
E sei me lançar”.

Quando saíamos do teatro um dos coreógrafos da academia de dança responsável pelo espetáculo veio ao encontro do nosso amigo, pai da artista. Eufórico, gesticulando muito o mestre disse:

- “Eu vou fazer um solo para ela... Uma maravilha! O Palhaço de Egberto Gismonti”.

- “Eu tenho em vinil”, respondeu o pai, coruja pura.

Quando nos despedíamos, nossos amigos nos agradeceram várias vezes pela nossa presença, perguntando se nós gostamos ou não. Na verdade saímos com um tremendo orgulho.

Nós temos entre nós uma estrela de primeira grandeza, que não percorrerá um caminho fácil, que sabe a dor de se lançar, mas que tem a coragem, a humildade, a determinação de procurar lugar sob as luzes da ribalta.

Eu estarei seguramente, doravante, em todo e qualquer espetáculo em que ela se apresentar. E levarei lenços.

Não mais precisarei de convites de seus pais. Se nos encontrarmos na saída do teatro, que não perguntem se eu gostei ou não.


Até breve.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

POLARES



Recebi email de uma amiga, mais do que irmã, onde ela comenta sobre o post do ultimo dia 15, PROCLAMAÇÃO. Escreveu ela:

Você pode se indignar com os políticos, se entristecer com o que estamos fazendo com o nosso país, mas não pode negar que a vida tem sido generosa com você. Se não fosse por tudo que você mencionou no seu post – das coisas mais simples do cotidiano ao inusitado vivido aqui e além-mar – seria por esta neta linda, que a cada dia que passa fica com a expressão, o olhar de quem tem muita personalidade, e fará diferença neste mundo”.

O filósofo e ex-ministro da Cultura, Educação e Juventude da França Luc Ferry disse que “temos muito mais necessidade de inteligência e coragem do que de indignação”. “Estou cansado de jornalistas que todo dia denunciam que tal político fez isto ou fez aquilo, que isto está acontecendo desta ou daquela maneira, quando deveriam mesmo é estar se indignando com seus próprios atos”.

Minha querida amiga e o brilhante filósofo me levaram a refletir.

Sem dúvida a vida tem sido mais do que generosa comigo e, no limite de minhas possibilidades, tenho usado de alguma inteligência e alguma coragem para fazer o curso de minha vida.

Ocorre, talvez, que seja por isto mesmo que tenho me dedicado, face as minhas condições atuais, a debruçar um olhar sobre o que se passa lançando mão de um veículo precioso e potente, como a rede, para externar opinião.

Sei que no conjunto das manifestações, uma a mais uma a menos, não fará diferença.  No entanto, por que não fazê-lo? Já percebi que sou mais lido quando palavro sobre minhas proximidades e, suponho que alguns leitores dão de ombros aos meus comentários amargos sobre o escaninho de OLHAR.

Sei, mas faço minhas penitências diárias sobre meus crimes inconfessáveis e hediondos analisados sobre a perspectiva de minha ética desejada. Deles não falo e jamais falarei nem sobre tortura. Meus equívocos e minhas dores mais íntimas são a única dimensão possível de minha particularidade. Minha indignação comigo mesmo a mim pertence e não a compartilho com ninguém, nem com a pessoa que me governa e que comigo troca a vida há mais de quarenta anos.

Estou indo para o fim do mundo no próximo dia 30. Vou para a Patagônia Chilena e me hospedarei em um hotel situado no centro do Parque Nacional Torres Del Paine. O hotel foi construído em um terreno de quase três hectares, onde possui uma vista privilegiada do Macizo del Paine e de duas das três torres que dão nome ao parque, declarado Reserva da Biosfera pela UNESCO em 1978. Depois faço um tour em Santiago e devo visitar, novamente, a casa onde viveu Neruda.

Por que me indignar, então? Mais uma vez a vida me premia majestosamente. Se não bastassem privilégios incomuns, ainda diariamente experienciar o desenvolvimento de Liz, que sim, já fez diferença em nosso mundo.

Amanhã faço palestra para dirigentes e gestores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Não levarei nenhuma indignação, apenas tentarei contribuir para que aquela instituição realize a sua missão: “... atender aos anseios da sociedade e constituir-se em instrumento efetivo de justiça, equidade e de promoção da paz social”.

É quase certo que falarei de Liz, pois precisarei de coragem.


Até breve.

domingo, 25 de novembro de 2012

NOVO



Desde quarta eu não posto. E não foi por falta de tempo ou por perda de interesse na tarefa. É mais por falta de assunto mesmo. Comentar o mesmo, nem eu suporto mais.

Do tipo:

Cachoeira foi condenado e, como já cumpriu 1/6 da pena que lhe foi imposta, ele está livre até para chorar aos pés do túmulo da mãe, ao lado de sua cândida esposa. O tempo de reclusão não foi sequer suficiente para ele esquecer os procedimentos laborais. Eu acho que ele volta com tudo, alguém tem dúvida?

O terror em São Paulo segue dentro da normalidade, com chacinas noturnas de inocentes e policiais militares aposentados ou que operam na retaguarda administrativa. Entre estes o assassinato da jovem de 25 anos, militante antiviolência da pastoral de seu bairro. Banal.

Síria, Gaza, Egito e outros, sem alteração apesar de ameaças de cessar-fogo.

Dilma mandou embora sua chefe de gabinete de São Paulo. Motivo: corrupção.

Caixa investiu R$600 milhões para virar sócia de grupo endividado.

Mano Menezes foi mandado embora da seleção. Motivo: política.

Alagamentos, desabamentos, calamidades e assemelhados não previsíveis de verão, normais. A mídia já foi flagrada fazendo Control C e Control V em fotos e textos de anos anteriores. Um absurdo.

Roberto Carlos, no show de final de ano: canta com As Empreguetes e dança “Ai, se eu te pego”.

Estou em crise, é verdade. É que na terça eu faço palestra para cento e sessenta dirigentes e gestores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Tema: Inovação e Liderança. Eu falo o quê?

Estou pensando em caminhar por um viés assim meio punk, do tipo: o novo é mesmo uma repetição travestida de sinuosas formas e embelezada pela embalagem celofane de cores e dispositivos eletroeletrônicos. Vide a Black Friday tupiniquim.

No fundo, minha dor é perceber que ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.

Vou propor aos meus ouvintes da palestra que voltemos a Moisés e sua tábua de salvação com seus dez preceitos essenciais. Ali foi quando começou tudo. Se quisermos inovar de fato e com elevado espírito de liderança, podemos apenas seguir o que já foi estabelecido.

Tem também Capistrano de Abreu, menos conhecido, mas suficiente quando propôs o texto completo para a Constituição Brasileira:

ARTIGO PRIMEIRO E ÚNICO: Todo brasileiro tem que ter vergonha na cara.
Revogam-se as disposições em contrário.


Até breve.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

MARTA



Hoje mais leve, porque o último post foi de mortem.

Pela manhã, bem cedo, eu fazia minha irregular caminhada matinal e, em dado momento do percurso, cruzei com uma senhora de uns oitenta anos de idade que, alegre e faceira, dirigiu-se a mim:

- “Nada como ser jovem e andar depressa”...

Fiquei lisonjeado, aumentei minhas passadas e dali prá frente aquela dorzinha lombar com a qual acordo todos os dias foi esquecida.

Mais a frente uma jovem de seus quarenta anos, toda paramentada em Lycras e coisas que tais, me ultrapassou com passadas firmes e rápidas e, por um momento, eu achei que eu estaria impedindo a sua caminhada pelo olhar que ela dirigiu a mim quando da ultrapassagem.

Além dela, outras jovens me ultrapassaram. Não que elas não estivessem dando prá mim, no sentido pedalógico da expressão, claro, mas é que eu tenho o meu próprio ritmo.

Ocorre que, no ciclo, eu cruzei novamente com aquela senhora de uns oitenta anos de idade que ao me ver:

- “Você não está tão depressa”...

Ai me preocupou. Aumentei minhas passadas e de tal sorte que consegui alcançar a jovem de quarenta anos paramentada em Lycras e, quase que tocando seu ombro, deixei um olhar semelhante àquele que eu havia recebido.

Avancei destemido na expectativa de, adiante, cruzar novamente com a senhora estímulo. No entanto, fiz mais quatro voltas do percurso e, infelizmente, não encontrei nem a uma e nem a outra. Provavelmente ambas haviam concluído o seu ciclo.

No retorno para casa, passando na frente de uma padaria, deparei-me com a senhora de uns oitenta anos de idade saindo dali, com uma sacolinha de compras.

- “Você vem sempre aqui”?

Eu poderia pensar que se tratava de uma cantada vulgar, mas não era.

- “Sempre que a agenda me permite”, respondi.

- “Eu venho sempre que me dá na telha”. Ela foi mais sincera.

- “A senhora costuma fazer a caminhada sozinha”?

- “Ah, sim... Meu marido não caminha mais”...

Fiquei em dúvida se eu deveria perguntar se o marido dela já havia falecido, mas antes que eu tomasse a decisão de fazê-lo:

- “Hoje ele corre”...

- “Corre?!!!”

- “É, na esteira da academia do nosso prédio”...

- “Sei”...

- “Ele diz que prefere porque esse negócio de caminhada é coisa para safenados e incapazes”...

Troquei mais algumas frases com aquela senhora, despedi-me e voltei para casa. Fiquei sabendo, poucas coisas dela, entre elas o seu nome e a idade de seu marido. O nome dela eu conto, a idade do marido não interessa.


Até breve.

domingo, 18 de novembro de 2012

MORTEM



Vamos considerar duas hipóteses: a primeira, absurda, que o mundo acabou. A segunda, mais provável, que a qualquer momento todos nós tomaremos conhecimento do fato.

Claro que na hipótese absurda, a de que o mundo acabou não se trata da derrocada absoluta, ou seja, estamos ainda por aqui. Mas a de que o mundo, como o espaço para a realização do sonho humano, já era.

Se não, vejamos:

A China elegeu agora seu novo presidente que ficará no poder, junto a seus seis auxiliares (estrutura enxutíssima), pelos próximos dez anos. Prioridade: debelar a corrupção endêmica que solapa recursos do estado destinados ao desenvolvimento nacional.

O Continente Africano dissolve-se pela fome, pela AIDS (ainda), pelo extenso e interminável êxodo, pela negritude menos valida.

A Europa está de dar dó: nossos mais próximos Grécia, Itália, Portugal e Espanha, agonizam seu estado do bem-estar-social.

Por favor, não nos lembremos de Sírias, Afeganistãos e, agora e de novo, Iraques.

A América do Norte, pois bem, ali nunca se pode esperar muito para o mundo sonhado. “Fazer a América”, em minha opinião, sempre beirou à alucinação.

A América do Sul, puxa vida, melhor chorar por ela toda e não só pelo berço de meu pai.

Bom, o Brasil. Nosso país não cabe na primeira hipótese. Ele está mais próximo da segunda, a de que é mais provável que a gente perceba que nosso mundo acabou.

Vejamos: terrorismo em São Paulo onde o alvo são inocentes (o ápice foi o assassinato de uma criança de um ano e oito meses) e alastra-se para Santa Catarina. Na fronteira do norte do país, índias de oito a doze anos de idade são levadas à prostituição por empresários, políticos e outros endinheirados e de poder na região. No jornal da TV Cultura, da última semana, uma professora de Direito Internacional da USP classificou os episódios como Crime contra a Humanidade.

Visto isto, a hipótese mais provável não se sustenta, de forma conclusiva, listando fatos e/ou dados. Nem acho imperioso que um estudo mais largo, erudito e profundo venha dar cabo destes enunciados.

Penso que cada cidadão é que, nessa hipótese, deva elaborar a sua própria análise e conclusão.

Não é mais possível, provavelmente, sonhar o sonho humano.

Se me perguntarem qual é afinal, Agulhô, o sonho humano, eu terei quase a certeza objetiva de que, infelizmente, a primeira hipótese é a que se confirma.

Então?


Até breve. 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

PROCLAMAÇÃO



Picnic em Versailles, Louvre para rever a Mona ou Dorsay para escandalisar-se com a Origem do Mundo. O badalar das horas do relógio da praça em Praga. Bater pernas no Gran Bazar, ficar olhando perdido o Bósforo, passear pelas tulipas, Istambul.

Não fazer nada.

Praia Paraíso em Cayo Largo, Cuba. Ou café da tarde na São Marcos de Veneza. Tomar uma e outra no Porto Madero, de Buenos. Por do sol em Punta.

Arrumar as coisas. Limpar o quarto de trenheiras. Trocar aquela lâmpada. Montar árvore de Natal.

Gastar quatro horas almoçando no Andrès Carne de Res, Bogotá. Nadar pelado no Mar Egeu. Tomar umas ou várias e prosear de monte com amigos em Ajuda.

Ler. Ver filmes na TV. Brincar com os cachorros. Dar ração aos peixes e patos. Piscinar.

Comer pastel de Belém, molhar os pés no Tejo. Hospedar no Convento do Espigão, refeição da noite na Tasquinha do Oliveira, em Évora. Passear nos jardins do Castelo de Inês, Coimbra. Visitar a biblioteca.

Acordar tarde pelo incômodo do aroma de café, pão de queijo e ruídos de liquidificador para o suco verde. Dormir no chão da varanda após o almoço. Lavar a camionete.

Jantar aos pés da Acrópole. Passear de gôndolas em Veneza. Estar em Roma, rever a magnitude de Moisés. Florença, aquele David de Miguel, o Anjo. Segurar na foto a igreja que tomba, em Pisa.

Fixar a nova papeleira no lavabo.

Voar tolo de balão na Capadócia ou se embrenhar pelas cidades subterrâneas. Assistir a teatrinho em Budapeste. Se encantar de novo em Viena com a tela “O beijo”.

Jantar em Dresden, ao lado da Catedral bombardeada. Passear com o coração vadio pelas ruelas de Cartagena. Ouvir as histórias fantásticas de certo sujeito em San Andrès, Colômbia.

Voltar a Tollerrano Bajo e almoçar com antigos sangues.

Cortar as unhas, inclusive as dos pés. Lavar o vidro, onde serão alojadas rolhas de garrafas de vinho sorvidas ao tempo. Sentir chover.

Assistir a um concerto de cordas na pequena capela em Veneza. Perder-se em Barcelona, surpreender-se com o azulejo do avô fixado em praça majestosa de Sevilha.

Passear de barco no Lago Pomo. Esquibunda em Portillo. Lapinha, jantar ao papo com Macgiver. Entrar nas águas geladas, cachoeiras à dentro.

Colocar canjiquinha na casinha fixada sobre o tronco no centro do jardim. Observar.

Subir Machu Pichu, receber amuleto de boas vindas de uma jovem da comunidade dos Uros em cidade flutuante no Lago Tikaka, Peru.

Lembranças e afazeres.

Agora, ao postar, acessar o Iphone para rever foto. De Liz.



Até breve.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

ATOA




Estou em dúvida, ou será com dúvida? Prefiro, então, duvidar.

É que a Procuradoria da União, a partir de ação do Ministério Público Federal, pede que as novas cédulas de Real sejam produzidas, em até 120 dias, sem a expressão “Deus seja louvado”. Pede ainda que haja uma multa de R$1,00 por dia de descumprimento.

"A manutenção da expressão 'Deus seja louvado' [...] configura uma predileção pelas religiões adoradoras de Deus como divindade suprema, fato que, sem dúvida, impede a coexistência em condições igualitárias de todas as religiões cultuadas em solo brasileiro", afirma trecho da ação, assinada pelo procurador Jefferson Aparecido Dias.

"Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: 'Alá seja louvado', 'Buda seja louvado', 'Salve Oxossi', 'Salve Lord Ganesha', 'Deus não existe'. Com certeza haveria agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus", segue o texto.

Por sua vez o cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo: "Questiono por que se deveria tirar a referência a Deus nas notas de real. Qual seria o problema se as notas continuassem com essa alusão a Deus? Para quem não crê em Deus, ter ou não ter essa referência não deveria fazer diferença. E, para quem crê em Deus, isso significa algo. E os que creem em Deus também pagam impostos e são a maior parte da população brasileira".

Ultimamente tem sido muito difícil ser Deus, eu acho. Já não existem fiéis como antigamente, essa é a verdade. Ter Deus na nota não traz nenhum problema, para quem não crê em Deus não faz nenhuma diferença, significa algo quem crê em Deus, e Deus instrui para que todos paguem seus impostos? Eu, hein?

Gente, tá faltando juízo nos homens sobre a terra. Jesuscristíssimo, assim tá demais!

Penso que poderíamos combinar o seguinte. Na parte da frente seria impressa a Nota propriamente dita, que é sempre ao portador. No verso viriam as louvações de todas as manifestações cléricas e incléricas do povo. Colocaria em ordem alfabética (da língua portuguesa do Brasil) para não termos grandes problemas de importância dessa ou daquela manifestação.

Deixa o povo sonhar, Ministério. A Nota, como Deus, são delírios circulantes.

Lá no Império, ainda que decadente e inundado, a coisa é mais dissimulada, aliás, como tudo: “IN GOD WE TRUST”. Num falam em qual, fica ao gosto do freguês.

Por mim, eu iria direto ao ponto. Importância por importância, ridículo por ridículo, venal por venal, impróprio por impróprio, leviano por leviano, eu colocaria no verso do vil papel a mais frágil e impotente inscrição do Homem:

“DEUS NÃO EXISTE”


Até breve.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

DESCAMBO



Para a escritora e presidente da Academia Brasileira de Letras Ana Maria Machado o prazer de escrever é o de poder tocar o outro. Fazer com que o outro se encontre na gente e que cada um conheça mais a partir do que a gente escreveu.

Já para Anthony Burgess, escrever é um ofício inofensivo. Escritores colocam palavras vulgares na boca de seus personagens e os descrevem transando ou fazendo necessidades. Além disso, não é um ofício útil, como de um carpinteiro ou de um padeiro. O escritor faz o tempo passar entre uma ação útil e outra; ajuda a preencher os buracos que surgem na árdua trama da existência. É um mero recreador, um tipo de palhaço. Ele faz malabarismos com palavras como se estas fossem bolas coloridas.

Ontem fui recriminado por publicar posts com questões da intimidade de algumas pessoas próximas.

- “Se você escrevesse algo que me envolvesse eu ia fica put... Era até capaz de nunca mais falar contigo”.

Interessante.

Quando eu debruço sobre o texto, já disse isto aqui algumas vezes, não o faço de cabeça pronta. Quase sempre só vou interpretar o que escrevi após tê-lo feito. Ultimamente tenho visitado meus textos mais antigos, entre os trezentos posts aqui publicados e, confesso, tenho me surpreendido com alguns deles.

Embora, de fato, alguns tenham sido relatos de experiências reais, posso garantir que a totalidade deles não foi com a intenção de tratar do fato em si, mas o que ele envolve e, muitas vezes, como aquilo me afetou. Então, entendo quem fica exposto sou eu e não meus “personagens”.

O blog é descaradamente minha catarse diante da vida. Não tenho o menor constrangimento em dizer que o que posto diz respeito a uma necessidade imperiosa, de registrar e elaborar a partir daí um sentido. Faço uso dos meus familiares, dos meus amigos, às vezes? Ora, para que eles me servem senão para me ajudar a entender?

Pretinha mandou mensagens e me disse: “Pai, o post de ontem (POR QUÊ) é pura tragédia, caramba!” E eu, que quando terminei de escrevê-lo, fiquei paralisado na última frase?

A VIDA É SOPRO.

Nos posts de relatos mais íntimos, especialmente envolvendo pessoas amigas, procurei não citar os nomes e confesso, não para preservá-los o que entendo que deva fazê-lo, mas porque se quem lê aproveita o fato em si, fui medíocre. Isto sim me doerá muito mais do que a suposição de que eu tenha invadido a privacidade de entes queridos por puro deleite.

Escrevo, portanto, para compartilhar e isto só é possível quando há entrega, sobretudo daquele que lê.

Eu inclusive, que jamais saberei tudo de mim.


Até breve.

sábado, 10 de novembro de 2012

POR QUÊ ?




Perdoem-me, há dores a relatar e deixar como registro à reflexão e à memória. Episódios que envolveram a desconhecidos, um amigo e a pequenos seres da natureza. Ao longo da semana, perdas que me sensibilizaram.

Talvez por ter assistido, também nesta semana, ao filme “E se nós vivêssemos todos juntos”, um convite contundente à realidade.

Primeiro relato:

Noticiário da terça-feira. A esposa pediu ao marido, jovem comerciante de vinte e nove anos, que levasse a filhinha de dez meses para a creche. Era hora do almoço e o marido parou o carro em frente a um restaurante, desceu, encontrou amigos que lhe convidaram para almoçar. Ele aceitou, almoçou com os amigos e, na saída, convidaram-no para ir com eles de carona para o trabalho. O jovem deixou o carro estacionado na frente do restaurante e foi com os amigos para o trabalho. Eram pouco mais de duas horas da tarde.

Pouco mais de cinco horas da tarde ele recebeu ligação da esposa, aflita, dizendo que tinha ido à creche e as professoras estranharam ao vê-la, pois sua filha não havia estado ali naquela tarde. O jovem desesperou-se, havia deixado a filhinha dentro do carro. Ligou para um amigo que estava próximo do local onde havia estacionado e pediu que ele quebrasse o vidro e tirasse a criança do carro.

Tarde demais. O carro ficou exposto a um calor de mais de trinta e oito graus. A criança foi resgatada, mas deu entrada no hospital já sem vida.

Segundo relato:

Na quarta-feira, por volta das oito horas da noite, um amigo querido escreveu um pequeno bilhete de poucas e curtas frases e o deixou sobre a sua mesa de trabalho. Todos já haviam deixado o escritório, ele estava sozinho. Entrou no toalete reservado, dependurou seu paletó do terno, tirou a gravata, colocou o cano de um revolver calibre 22 dentro da boca e puxou o gatilho.

“Não aguento mais”, teria sido a primeira frase escrita no bilhete deixado sobre a mesa de trabalho.

Compus com ele e outra amiga comum no Teatro Sesi mesa para debater o livro Reinventando o Governo e, me lembro bem, ele pode mostrar toda a profundidade da sua inteligência política.

Fino, erudito, inteligente, viajado, sensível, há alguns atrás estivemos muito juntos. Tínhamos, em conjunto com outros amigos comuns, a ideia de instalar o que nomeamos de FMI que vinha a ser: FÓRUM MINEIRO DE IDÉIAS. Instituto livre para o debate e produção em qualquer área do conhecimento, cultura e artes da nossa terra. Não vingou, por razões várias.

Ele foi encontrado na quinta-feira, pela manhã, quando todos chegavam para o dia normal de trabalho.

Terceiro relato:

Chegamos ontem a nossa casa em Santa Luzia já bem tarde da noite. Hoje cedo nossa caseira veio nos comunicar que os patinhos, que nasceram há uma semana, foram devorados por gambás vindos da mata.

Vida é sopro.


Até breve.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

VUPT



Quando eu tinha cinco anos de idade, perguntavam-me o meu nome e onde eu morava. Eu respondia o meu apelido pelo qual me chamavam, já que não sabia dizer o meu nome e, endereço, eu nem sabia do que se tratava.

Meus filhos, com cinco anos de idade, respondiam o nome todo e o endereço completo: rua, número, apartamento, bairro, cidade, estado e país.

Daqui a cinco anos, quando perguntarem para Liz, ela responderá o seu primeiro nome e o seu e.mail, facebook e twitter ou algo derivado disso.

Estive ontem coordenando um workshop realizado no Hotel Renaissance em São Paulo, do qual participaram na platéia as organizações com o maior volume de processamento de documentos do país. No palco a maior empresa do mundo de EED-Envio Eletrônico de Documentos, americana, e a maior empresa da América do Sul e a quarta do mundo, que é brasileira.

Os painelistas, americanos e brasileiros, pintaram o quadro de realidades que nos assolarão em um futuro imediato. Avanços tecnológicos irão permitir maior segurança transacional em vias digitais do que pelos correios e outros meios de entrega tradicionais.

Nossas faturas mensais de cartões de crédito, contas gerais, documentos de qualquer natureza serão transacionados via digital. No Chile mais de sessenta por cento de todos os documentos já veiculam, exclusivamente, em meio eletrônico.

Lembram-se dos encartes promocionais das companhias de seguro, cartões de crédito e assemelhados? Pesquisas dão conta de que uma parcela muito pequena de clientes dá atenção a estes encartes o que implica em um retorno muito pequeno do investimento em marketing.

Pois bem, as peças promocionais serão alocadas no mesmo documento (faturas, contas, boletos, etc) e não se restringirão ao emissor do título, isto é, na sua conta de telefone virão inserções promocionais de empresas automobilísticas, varejo e sei lá mais o quê. Isto somente se assim você o desejar e em qualquer dispositivo: smartpfones, iPad, laps, lops  e lups em tempo real, sem necessidade de senhas e sem passar no site do banco ou outro prestador de serviço transacional.

Essas novas práticas são pressionadas pelos custos de postagem, o custo hoje por envelope está em R$1,20. Multiplique apenas pelo número de contas de telefone anuais que são entregues pelos Correios. São bilhões de reais de redução dos custos das operadoras e maior praticidade para os clientes.

Outra determinante é a sustentabilidade. Milhares de árvores deixarão de ser cortadas para se converterem em papel.

Inúmeras restrições serão superadas: marcos regulatórios, Procons, cultura. A grande questão ainda é a da segurança da via, no entanto, os especialistas presentes garantem que ela tornar-se-á absolutamente segura aos bandoleiros virtuais.

Pare o mundo que eu quero descer.

A fala institucional do dono da empresa brasileira presente, que sediou o encontro e que comemora vinte anos de fundação, foi uma viagem extraordinária nas agudas transformações tecnológicas das últimas duas décadas.

Liz  viverá em um mundo extraordinário. Só espero que ela seja salva da virtualidade e viva um pouco a vida rudimentar. Quando lhe perguntarem onde mora ela responderá o e.mail, o facebook, o twitter e complementará:

- Mas eu gosto mesmo é de estar no sítio do vovô e da vovó brincando com os meus primos, amiguinhos e com os patinhos, as tartarugas, as galinhas, o jabuti...


Até breve.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

IDIOTIA




Na Delegacia de Policia um elemento é apresentado ao delegado pelos investigadores responsáveis pela sua prisão por vadiagem.

- “Não ponham a mão em mim!”, brada o vadio logo que vê o delegado.

- “E por que não, ô meu?”.

- “Meu cunhado é Procurador, minha esposa é membro da Assembleia, meu sogro é Juiz e minha irmã é Promotora...”.

Já nas ruas, liberado, o vadio encontra-se com um amigo:

- “Os home já te soltaram, cara? Como você conseguiu sair logo?”.

- “Eu disse prá eles quem eram alguns parentes meus”...

- “Só por isso”?

- “Eles não escutam a gente, ora... E não ficaram sabendo que meu cunhado é Procurador de emprego, pois está desempregado; minha esposa é da Assembleia de Deus; meu sogro é Juiz de futebol de várzea e minha irmã é Promotora da Avon”.


Ontem assisti no Canal Brasil, no programa Espelho, a entrevista a Lazaro Ramos de uma Desembargadora de Justiça do Estado da Bahia. Ela se diz negra, mulher, divorciada e nordestina, portanto discriminada. Durante dez anos de magistratura foi seriamente perseguida na instituição e em que pese inúmeros fatos ela conseguiu manter-se firme em seus propósitos e tornar-se no final do ano passado desembargadora.

Conta ela, na entrevista, que quando criança levou, para que o pai comprasse, a lista de material escolar. Quando retornou a escola apresentou ao professor os materiais e foi questionada pelo mestre pela qualidade dos mesmos, pois não estavam na especificação da lista entregue por ele. E disse mais:

- “Pela qualidade dos materiais comprados pelo seu pai, você não tem condições de estudar nesta escola. Porque você não aprende a fazer feijoada e vai trabalhar em um restaurante”?

- “Eu vou continuar estudando aqui, vou me formar em Juíza e vou voltar aqui para prender o senhor”.

Já magistrada voltou à escola, mas o professor já havia morrido. Ela disse que não tinha a intenção de prendê-lo, mas sim de agradecê-lo, pois teria sido o comentário dele o combustível para que ela seguisse o seu propósito.

Teste rápido: qual a cor do vadio e na suposição do delegado qual a cor dos parentes do mesmo?


Até breve.