sexta-feira, 31 de maio de 2013

EPOPÉIA



Não se calarão as mais de vinte e tantas mil vozes emascaradas pelo signo do terror para intimidarem o roto adversário do grande grupo forte e vingador.

Nem as centenas e centenas de milhares de outras vozes ansiosas e sofredoras que se perguntaram: será que voltamos a ser tão trágicos?

Uma eu sei, passeando em São Paulo, com toda a certeza deve ter se amargurado profundamente, acreditando que, como sempre, o destino do atropelo o frustraria novamente próximo à chegada.

Não se calarão as vozes da paixão alvinegra, nem de velhos e nem de jovens e nem de crianças, nem de teresas e luzias que, flagrados pelas câmeras, manifestavam o seu sentimento doentio.

Sim, eles são doentes.

Seus emissários em campo irreconhecíveis não acompanhavam os movimentos magistrais e harmônicos que ecoavam das arquibancadas. O grupo não repetia antigas engrenagens e como disse um dos asseclas: “Hoje não encaixamos”.

Por pouco, muito pouco a vitória não seria do adversário. Como quer as tramas do extraordinário, na caminhada histórica, ficará na lembrança a noite do pânico.

Ficará na lembrança o despontar de um dos guerreiros que carrega em seu nome o triunfo. Por três oportunidades claras para o adversário ele estava ali, uma barreira intransponível, lançando-se com todos os braços e pernas defronte ao rubro e demoníaco adversário.

Foi sim iluminado, por tantas e tantas horas de treinos repetitivos e ininterruptos, pela análise da prática de seu eventual algoz, pela sorte que acompanha aqueles que mais trabalham, pela competência de estar naquele lugar exatamente para, nestas horas, construir o épico.

A paixão doentia foi afinal recompensada.

Imagino quantos de outras cores que não a alvinegra torceu para que se viabilizasse o drama. Quantos, como eu, no fundo, “secaram” para que não fosse possível a alegria dos doentes.

Só que, na noite de ontem, não seria justo.

É chegada a hora de que a massa aproveite sua loucura, seus extraordinários méritos, da humilde e encarnada dedicação de seus líderes em campo e fora de campo.

É chegada a hora do triunfo.

E eu quero estar presente em Marrocos, não para secar pela inveja ou ignorância tosca, mas para fazer da conquista um ato de deferência a meu inesquecível e amado sogro, e ouvir dos infinitos o seu grito de guerra galináceo.

Que vengam los hermanos, estes novos velhos jovens argentinos, como meu querido pai azul celeste.

O Horto os esperará.



Até breve.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

TOADA



Previsão astral do dia: ”As coisas vão, as coisas vêm, as coisas vão e vêm, é esse vaivém de tudo que você precisa assimilar da melhor forma possível e, no entanto, buscar uma alternativa para isso também, pois a vida não é vaivém apenas”.

De onde elas vêm se não vão? Se não é apenas vaivém  o que é a Vida? Fuifondo? Acho melhor assim: fuifondo. Do tipo fui tocando na medida do possível, administrando as encrencas, aproveitando os gostos, afinando instrumentos, tocando minha vidinha buscando harmonia e percussão.

Já tem mais de sessenta anos que eu procuro o veio das coisas. Atalho, vereda, caminho, picada, sacada, dica.

E foi assim.

Hoje, por exemplo, tô bão. Amanhã posso até ficar melhor, ou pior de mim é pouco, já que me conheço. Quando as coisas vêm é que nos miora ou piora. Miora quando vêm com sinal de alegramentos. Piora quando vêm com sinal de sufrimentos.

Eu tenho atração pelos dois. Quer ver: de quando em vez, estou em casa tipo uma hora da tarde, Noninha chega trazida por Pretinha. Vem alegramento na veia. Quase todo dia à noite, quando assisto os telejornais ou os leio na internet, vem sufrimento nos tímpanos. Tem hora que melhor fosse ser surdo.

Quando as coisas vão também tem um misto tanto de alegramentos quando de sufrimentos. Num me causa tristeza quando Noninha vai embora, ali pelas sete da noite, levada por Pretinha. Dá até descanso já que pajear a pequena é pedreira.

A tristeza que me causa o mundo trazido pelos jornais eu prefiro quimicar como alumbramentos de ser. Fico no mais das vezes me perguntando de mim com isso, como se fizesse diferença meus posicionamentos. Tô cada vez mais arredio, mais ensimesmado, mais recolhido e, de portanto, menos influente em qualquer coisa de efeito concreto.

Só posto. E, como já disse aqui, só prá Ó.

A solidão na qual escrevo me deixou com um zumbido no ouvido esquerdo que de tão alto acho que estou ouvindo-o também com o direito. Ou foi de tanto sufrimentos pelos mundos trazidos?

Sou obrigado a concordar com  meu astrólogo. Acho mesmo que devo procurar alternativa para o vão das coisas. Vou ao supermercado fazer compras para o feriado prolongado.

E acreditar que a Vida faz ponte.


Até breve.


NOTA: Perguntaram-me porque, às vezes, eu escrevo errado. Eu respondo aqui: bobaje.

terça-feira, 28 de maio de 2013

3


Lembrei-me de quando meus filhos, então pequenos, adoeciam. Não tinha nada pior. Especialmente na idade de Noninha que, no sábado, completará dez meses de vida.

Ela, tadinha, fica prostrada de um jeito que me dá dó e remorso, pode ter contraído de mim uma gripe, virose, sei lá. Pretinha acha que não, que deve ser pelo sétimo (ou será oitavo?) dentinho que desponta.

De ontem prá hoje ela já passou melhor.

Paralela a esta preocupação ainda sinto-me tomado pelo filme que assistimos domingo à noite no MaxPrime. Triângulo amoroso, cujo título no original é 3, do diretor alemão Tom Tykwer, o mesmo de Corra, Lola, Corra.

Nada no Século XXI nos assusta e o filme, excessivamente contemporâneo, antecipa e, eu acho por demais, uma questão que já está posta: a formação da célula-mater da sociedade que é a família.

No início do século passado Freud enunciou a sexualidade como pulsão motora da sociedade. Tykwer propõe que até pode ser, mas desde que dentro de uma lei moral.

Triângulo amoroso aborda a questão de composição pela via do afeto e da atração entre dois homens e uma mulher que, por acaso (?), se encontram, se apaixonam e vivem um intenso relacionamento. Eles, os homens, entre si e também com ela sem saberem um da existência do relacionamento com o outro.

Deles resulta uma gravidez de gêmeos, provavelmente cada uma das crianças de cada um dos parceiros masculinos.

Não absorvemos ainda a união de pessoas do mesmo sexo (inclusive com amparo legal) e já estamos expostos a situações de formação do núcleo familiar à três, com boas chances de ocorrer o que hoje (salvo meu desconhecimento) assistimos somente em ficção.

O filme é também avançado porque, em que pesem as pulsões, o constrangimento pela ousadia dos parceiros não deriva de pressão externa, da sociedade, mas dos próprios protagonistas o que a mim agrada, ainda que ficção.

Penso, então, que quando (por força das pulsões) for comportamento assumido e aceito, as crianças advindas de relacionamento à três receberão preocupação e cuidados de seus responsáveis.

Ainda que seja até por uma virosezinha.

O fato de eu ter contado facetas cruciais, tirando assim boa parte do gosto da trama, não tirará em nada a beleza e importância do filme. É moderno e instigante. Cinema da melhor qualidade.

Assistam.



Até breve.

domingo, 26 de maio de 2013

ESFINGE


Sempre achei que a Vida surpreende.

Assim: eu de repente entro numa de potencializar determinados contornos e fico neles por um tempo. Aí surge algo que desnorteia, pondo outros emboramentes que desconcertam o espírito. É desse jeito, se alguém me entende.

Tava bonito prá mim, de conforme, que eu ficasse por aqui, nesses escrevimentos de posts, cuidamentos essenciais de Noninha, mais uma coisinha ou outra qualquer para encher o tempo de alegria e sentido. Fiz até diálogos com a netinha, antes mesmo dela chegar, como se já tivesse cinco ou seis anos de idade. Foi bom de um tanto. Lembro que o último diálogo foi exatamente no dia anterior à sua real chegada, como se eu já soubesse.

Sempre achei que a Vida surpreende.

Um dia me encontro com alguém e surge aí uma retomada a palcos distantes que eu, confesso, num tava muito de querendo reocupar. Num é por nada não, só num queria. Se bem que agora, eu tô achando que sei de um pouco dos porquê. É que dói quando vivo esse palco.

Observo de um lugar do privilégio as pessoas sendo-se. Ou da dificuldade de. Se você não sacou ainda, falo da perspectiva de mim enquanto facilitador de seminários. Dói, e muito.

No fundo, não dói por elas não. Dói mesmo é por mim. Constatar minha miséria assim de forma tão explícita, nos sendos dos outros. E olha que muitos, muito melhor aparelhados do que eu próprio nas descobertas. Até pela idade, pelos cursos já frequentados, história familiar, oportunidades.

No final de cada seminário eu me sinto como traste. Tá mesmo muito difícil deixar a moenda, acho até que num tem mesmo saída para alguns, maioria talvez. A mecânica da rotina e da massificação dos queros e dos precisos e dos tenhos-quê vai mesmo tirando os porquê, os paraquê. Toma curso de repetição. Aliena.

É só de vê quando envolve constituir família. Outro dia lá no Txai, conheci um empresário bem sucedido que, como eu, se tornou avô recente. Disse-me que neto é lucro. Até nos afetos o vil metal vitima.

Ninguém é mais para. Todo mundo é por. Por assim, de preço. A vida ficou sobrada no ter por ter, inclusive de marca, para ser. Como todos. Senão frustra tanto que leva até à consultórios, como fracasso.

Sempre achei que a Vida surpreende.

Esta semana ouvi de uma amiga que falou, assim no vazio, pouca gente que estava perto ouviu ou quis ouvir: “Essa relação sua com a Liz é muita estranha, vocês não acham não?”

Vou precisar de muito tempo para me refazer destes transtornos recentes porque nem a História sabe mais se estamos mesmo diante de estúpidas repetições ou de algo tão absurdamente inédito, por afrontar o óbvio, que mereça destaque em homenagem ao desatino.

Seja por que for a Vida me surpreende. Esta semana, de muito.



Até breve.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

LUMINURAS




Estou em Campinas, onde nos dois últimos dias ministrei seminário. Amanhã e depois serei privilegiado pela quarta turma de executivos de uma empresa do setor de energia.

Minha dedicação ao evento é imensa e minha entrega é absoluta. O evento perpassa questões que transcendem e em muito a dimensão meramente organizacional. 

Quando concluo, sinto-me plenamente exaurido, como se tirassem de mim todo o meu fôlego. Agora, aos sessenta, mais ainda e especialmente nesta semana que uma gripe insiste em inflamar minhas cordas vocais tornando ainda mais árdua a tarefa.

Não uso nenhum recurso convencional como slides, Power Point, filmes, etc. Vou ao encontro do grupo sem nenhum dispositivo de suporte. Do início ao fim do evento percorro reflexões fundadas exclusivamente sobre obviedades largamente conhecidas em diferentes abordagens pelo meu público.

Tenho presente que é sempre o que mais o escandaliza no sentido de que tudo já era por todos conhecido, nenhuma informação, nenhum conceito, nenhuma construção é original, nada é genuinamente novo.

Ao final, recebo agradecimentos efusivos e demonstrações explícitas de quão importantes foram as nossas reflexões. Uma, de uma jovem engenheira respeitadíssima pelos seus colegas: "Agulhô, senti como estivesse diante de um quebra cabeças, um emaranhado de signos e que você lenta, gradual e profundamente foi nos ajudando a desconstruir. Ficamos com a tarefa de remontá-lo, procurando nele uma nova paisagem que nos faça sentido."

Aparentemente caótico e sem nexo lógico o percurso é traçado sob a perspectiva de três ângulos de abordagem: Novas Realidades, Nossas Realidades, Nossas Respostas.

Em Nossas Realidades fazemos um sobrevôo rasante sobre as macroquestões que cenarizam o ambiente global, como se abrindo a janela para o mundo nos perguntássemos: o que se passa?

Em Nossas Realidades nosso objeto de investigação diz respeito à organização cliente, seu desafio orientador e seus fatores críticos de sucesso.

Em Nossas Respostas diz respeito ao posicionamento esperado do seu corpo executivo.

A última dinâmica sempre me estraçalha, porque versa sobre ética e dá a dimensão de quão distantes estamos do sonho de sermos humanos. Quão miseráveis somos embora enriquecidos com conhecimento que empola o nosso discurso, mas que não traduz verdadeiramente a nossa conduta no cotidiano, especialmente no espaço corporativo.

É impossível à mim ou mesmo a um dos participantes descrever o que se passa, é uma experiência inenarrável sobretudo por ser simples e de uma clareza acachapante.

Para quem não esteve e nem estará lá este post não diz muito. A mim serve como um lenitivo, um reabastecer de energia para soerguer a partir de amanhã outro processo.

Serve ainda como um registro. Sei que daqui há alguns anos, quando ler este post novamente entendei quão expressivos foram esses momentos para minha compreensão.

Meu imenso obrigado aos participantes. 


Até breve.


terça-feira, 21 de maio de 2013

ATUALIDADES




Alice tirou a carta de motorista de prima. Lizete, sua mãe, disse a ela que pagaria somente vinte aulas de direção. Num é que Alice foi lá e deu um show.

PRZ voltou de São Paulo brigado com o neto. Eles são muito parecidos e de vez em quando se pegam, especialmente porque Guilherme não entende que seu avô só tem cinco anos de idade.

Clara continua chique. Tava com um casaco de couro (?) na cor abóbora, falando das peripécias de Nando e dos dois rebentos. Gosto de vê-los bem.

Lydinha foi quem abriu seu big apê para nos receber, em distinção, na passagem de seus sessenta anos. Tatá nos brindou com três qualidades de maravilhas divinas. Chef é outra coisa.

Rij recuou em decisão crítica. Considera estratégico.

Ana, sem WCA em viagem a serviço, como sempre candura e alegria.

Roger, o mesmo figuraço.

Eu e Ela.

Havia já algum tempo que não nos reuníamos. Quando foram servidos os pratos sentamos todos à mesa e eu, recolhido, por força de uma irritante dor de garganta, fiquei observando meus queridos amigos e ouvindo suas conversas. 

O assunto circula entre as novas anedotas de Clara, as descobertas de RIJ dos esquetes humorísticos de um grupo que circula com muito sucesso na Internet. Histórias de família de Lizete, comentários de Lydinha do tempo em que viveu férias regulares no Rio e lá descobriu os Beatles. Eram o anos sessenta.

Assunto recorrente versa sobre nosso envelhecimento. Paira no ar uma preocupação de todas as moçoilas do grupo. Se daqui a vinte, vinte e cinco anos, elas terão coragem de, viúvas, serem amantes de homem casado.

Exemplos elas já têm.

Até breve.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

URBE



O gigantismo desta cidade ainda me assusta e comove. O percurso de duas horas e meia de Itanhaém a São Paulo em um taxi, logo após o término de mais um seminário, convidou-me a refletir sobre as nossas escolhas.

Vim construindo breves hipóteses de vida de quem mora nessa ou naquela cafua, sobrado, prédio cravado em condomínios, lonada construídos às margens do caminho que percorro no trajeto por rodovias, radiais, hiperavenidas, ruas e ruelas.

Do lado contrário ao fluxo que me leva ao destino vejo uma massa compacta de veículos distribuídos em vias de seis a oito pistas de rolamento com faróis acessos ou lanternas traseiras vermelhamarelas que iluminam o caos.

Quilômetros de extensão de veículos parados aguardando a partida para descerem em comboio. Ontem no início da noite ocorreu uma inversão térmica desencadeando uma forte neblina sobre a rodovia. Por medida de segurança tomada após sério acidente, a descida para o litoral, em circunstâncias semelhantes a de ontem, se dá monitorada por batedores da Polícia Rodoviária Federal.

Já dentro de São Paulo, debaixo de um viaduto, nos deparamos com pessoas em duas quadras de futebol instaladas ao lado de uma academia de ginástica montada com equipamentos refugados e encontrados em lixos industriais. Juscelino, o motorista do taxi, me diz que foram tirados do local dezenas de desabrigados, marginais e viciados em todo tipo de drogas que viviam (?) ali.

O local, portanto, serve agora à moradores de aglomerados vizinhos que deixam alguns trocados, o que podem, para o gerente do complexo de esportes, um ex-frequentador do lugar e hoje instrutor da academia.

Mais adiante veículos e ambulâncias de resgate com suas sirenes abertas passam por nós ziguezagueando à procura de espaços. Uma placa luminosa avisa que há um acidente à frente e que veículos leves devem ficar mais à direita. Quando passamos pelo local, vimos um motoqueiro esmagado sob um caminhão.

Olho para Juscelino e percebo que nada causa a ele, suas retinas fadigadas e seu coração aos calos não reagem mais à tragédia do cotidiano da grande cidade.

- “Todo dia me deparo com isto”...

Sequência de motéis, lojas de carros de luxo e de barcos de todos os pés, sexshops. Bares, lojas de todo comércio. Rios mortos, pontes, viadutos, metrô, caminhões de todas as taras, pilares onde se instalarão monotrilhos, ônibus apinhados de pessoas tristes e esgotadas. Passarelas aéreas sobre marginais, de tubos de carne humana compacta, para acesso às estações do metrô.

Um horror.

Jamais vou me acostumar com a ideia de que a evolução nos levou a isto enquanto progresso.

Já em BH tomei outro taxi e senti redução na tensão. Ocorre, porém, que ainda não inventamos nenhum projeto de cidade que evolua senão em direção aos caos.

Triste perspectiva.

Até breve.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

PASSO



Não é de todo verdade que mudei minha prioridade. Embora me preocupe com as conseqüências.

Há muito que não trago Noninha à post. O que pode denotar que estou cuidando de tantas outras paixões, inclusive daquela que me levou, no último final de semana, ao Paraíso.

Fiquei cinco longos dias tendo contato com Noninha somente por meios extraordinários da tecnologia, que jamais substituirão o calor.

Ontem mesmo, estive em reuniões com empresa cliente, fui almoçar em casa e, logo depois, recebi Noninha dos braços de Pretinha.

Ela se jogou em direção a mim e, já no meu colo, me olhou fixamente durante alguns segundos, como se certificasse. “Nada mudou”, eu pensei.

Brincamos, fomos ao parquinho, visitamos os cachorros da casa vizinha, entramos em lojas para olharmos brinquedos. Troquei fralda. Dei mamadeiras. Fiz dormir.

Às dezessete horas Ela me levou junto com Noninha à porta do nosso prédio para eu pegar um taxi que me levaria novamente ao aeroporto. Quando entrei no carro, vi Noninha com uma expressão taciturna, balançar as mãozinhas acenando um tchau sem alegria.

Cheguei ontem à noite em Itanhaém, litoral paulista, aonde conduzirei um seminário. Volto à BH na quinta-feira à noite.

Trouxe de Noninha uma façanha que vai se tornando comum. Ela já é quase capaz de se manter de pé.

Sozinha.


Até breve.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

ESPÉCIME



De repente me dei conta de que, por alguma razão, comecei a dar atenção ao debate que estampa primeira página de jornais, entrevistas especiais em revistas semanais, programas de entrevistas na TV, inúmeros filmes, teses acadêmicas, além de manifestações públicas mundo afora.

A união de pessoas do mesmo sexo, inclusive com amparo legal.

Alguns anos atrás eu assisti a uma entrevista na TV, não me lembro do entrevistador e o entrevistado, também não lembro quem era, disse algo que, na época e ainda agora, me desperta atenção: “Eu não posso amar... Eu não tenho a menor esperança em poder escolher alguém com quem possa passar o resto de minha vida... No fundo, eu não posso ser.

No resort que passamos este final de semana estavam hospedados dois casais de homossexuais masculinos. É assim mesmo que devemos referir a uma dupla de homens homossexuais?

Pois bem, tanto eu quanto Ela interagimos com ambas as duplas quando nos cruzamos em passeios pela praia ou no restaurante do hotel. Ela inclusive tirou fotos de um dos casais no jantar de sábado brindando com os rostos colados, punhos entrelaçados, taças de champanhe.

Vou confessar: eu jamais vou encarar com naturalidade este fato. Embora eu não faça nenhum juízo a respeito e nem me importo a mínima com a escolha de quem quer que seja como entende que deva levar a sua vida, prá mim continuará estranho.

Estranho assim... Estranho. Sem nenhuma questão de ordem religiosa, moral, cultural, mas prá mim é estranho. Sei que já temos publicações prevendo que, em tempo breve, vamos conviver com todo tipo de opções de acasalamento: a caça não será determinada pelo sexo, mas o fato de que aquela pessoa desejada te pareceu interessante capaz de dividir contigo as suas escolhas, seja homem, mulher, bi, homo ou heterossexual, ou até metrossexual.

Estranho.

Ainda fico procurando saber quem é o homem e quem é a mulher, ou seja, quem desempenha qual papel na relação. Será correta a minha dúvida? Depois como deveremos, em futuro breve, referir ao sujeito como homem ou como mulher, ou como seres?

Num sei. Taí uma coisa que talvez se configure mesmo como mais um ícone de nossa época. O ser humano agora abolindo a questão do macho e da fêmea, como serão as universalidades hoje conhecidas: homem gosta de futebol, lutas, corrida de automóveis, esportes radicais, mulheres? Mulher gosta de shoppings, unhas pintadas, saltos altos, batons e homens?

Será que o tempo fará com que afinal homens e mulheres tornem-se iguais? Homem que ama shopping, mulher que se amarra num arranca toco de final de semana em um campinho de várzea, homem que usa bata em cores de última moda, mulher que adora...

Se um e outro puderem dizer que afinal podem amar, ou que podem escolher a um ou a outro e a outro ainda, enfim se puderem ser, qual é mesmo a questão?

Talvez seja por isto que ache estranho.

Até breve. 

sábado, 11 de maio de 2013

BAGAGEM



Chegamos ontem, sexta-feira, pouco depois das 14:00 horas. Fizemos check in e fomos almoçar. Tiramos uma soneca e depois fomos para o Spa. Sauna seca, piscina aquecida, penumbra no início da noite. Camas para descanso. Relax.

Txai é um resort incrustado dentro de uma floresta de coqueirais em Itacarezinho, Bahia. Conjunto de bangalôs rústicos construídos com requinte e dentro de uma concepção harmoniosa com a natureza.

Tudo é diferenciado, com um charme simples, repleto de devoção à energia que brota da terra: jardins bem cuidados, caminhos floridos, frutas, raízes e ervas alegram cada cantinho e aguçam os sentidos.

Nada aqui fere os olhos ou o espírito. Lugar poético feito de sons, cheiros e sabores. Nessa época, fora da alta estação, o hotel está relativamente vazio o que nos dá uma sensação de que o paraíso foi aberto somente para nós.

Hoje cedo fomos fazer uma caminhada na praia. Ao longo de toda a orla, infinita ao olhar, as ondas se distanciam vazando o oceano, abrindo espaço em areias brancas e finas para nosso pisar. Não há nenhum vestígio de lixo em toda a extensão que percorremos, nem da própria natureza.

Da praia o que se vê são coqueiros revoltos ao vento com seus nasceres tordos, curvilíneos, resistentes.  Embora as dependências do hotel estejam a dez metros da densa floresta de coqueirais nenhuma edificação está exposta e nem fere a paisagem. Estar na praia é como estar absolutamente fora da civilização. Nada agride.

A arquitetura e a edificação dos bangalôs todos com vistas para o Mar ou Mata Atlântica, amenities com essências naturais da Natura e roupas de cama da Trussardi, distantes e desalinhados foram concebidas para guardar harmonia com o espaço e permitir que os hóspedes encontrem o melhor.

Apenas o melhor.

Além de produzir imensa inveja aos leitores, prá que serve este post? É que quando no seminário que conduzi esta semana, e tratei em MOAGEM, um participante me perguntou à queima roupa se a vida valia mesmo a pena e, afinal, o que levamos dela.

Lá eu respondi o óbvio.

Daqui, desta experiência, levo o que encontrei na praia que, de tão limpa deixou à mostra. Uma pulseira de  vulgar metal cravejada com brilhantes de vidro, uma bolinha provavelmente de ping-pong e uma conchinha.



Vou colocá-las em um armário que temos na nossa casa de Santa Luzia. 

Lembranças, como tudo mais, que levamos da Vida.

Até breve.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

MOAGEM



Estou na sala de embarque do aeroporto de Guarulhos – SP voltando para casa depois de dois dias inteiros de seminário com executivos de uma empresa de energia.

Sinto-me exausto e feliz na mesma intensidade. Exausto porque dois dias em pé circulando por uma sala na presença de 32 homens de elevado padrão cultural e demandas tanto práticas como conceituais ligadas à estratégia e gestão consomem bastante.

Feliz porque, sempre que um seminário destes termina e na perspectiva que eu havia traçado, sinto grata satisfação por ter deixado minha modesta contribuição para que sujeitos do trabalho repensem as suas vidas.

Não foi diferente, nestes dois dias, de tantos e tantos outros já realizados ao longo da minha militância consultiva.  Porque trago isto agora a post? Porque havia algum tempo que eu já não me ocupava de trabalhos desta natureza. Minha agenda, hoje bem mais leve e restrita, tem me demandado para reuniões de cúpulas, para tratar de questões relacionadas a políticas e decisões estratégicas das organizações clientes.

Voltar a esta atividade me enriqueceu o espírito e atualizou meu repertório para as queixas e questões da atualidade.  Não há muito de novo, exceto que a boa maioria delas está mais aguda no que tange ao tempo que os indivíduos estão aplicados em suas responsabilidades executivas.

A jornada de trabalho ainda se amplia, ultrapassa o que se deveria considerar razoável. Agravada pelos extraordinários recursos da tecnologia os indivíduos são plugados 14, 16, 20 horas diárias, alguns de segunda a domingo. Como se não bastasse começam a aceitar que esta atualidade se deve ao fato da empresa operar 24 horas ininterruptas todos os dias do ano. Portanto, é assim mesmo.

Intensidade de jornada, instabilidade nos processos e métodos de trabalho, enxugamento de recursos em níveis preocupantes, tensão por performance, relações tendentes a conflitos incontornáveis além, de para alguns, solidão de poder, são ingredientes para a combustão do mundo corporativo contemporâneo.

Claro que estou sendo quase piegas, primário, superficial e óbvio nestas constatações pós escuta no referido seminário. Claro que todos já temos presente isto de longa data. Claro que a tendência, também sabemos, é de agravamento.

Claro também que não há nada a fazer a respeito. Claro também que a cada dia incorpore ainda mais à paisagem.

Ontem, quando desembarquei liguei meu IPhone e acessei mensagem de Pretinha no WhatsApp. Ela deixou uma foto e uma mensagem como se endereçada por Noninha: “Bom dia, vovô. Primeira vez que quando acordo e levanto sozinha no berço”.

Em algum estágio da vida, as criaturas ainda se desenvolvem.



Até breve. 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

OBRIGADO



Amanheci hoje dois anos mais leve.

É que ao longo desse tempo vim drenando meus espíritos, exalando meus temores, declarando meus amores, destilando meus rancores, registrando minhas lembranças, minhas andanças.

Escrevi.

Sobre meus olhares até aqui, desde a minha mais inesquecível infância até o dia de ontem, sobre meus fazeres e quereres, meus queridos amigos, meus visitares ao mundo em viagens inclusive a outros lugares tangíveis, sobre meu amor único e eterno, sobre meus amados filhos e seus amores, sobre Noninha meu Bem.

Dei de Pelé e de Macalé nos meus posts, alguns em jogadas brilhantes e outros que envergonham a qualquer atleta das letras. Joguei meu jogo, no entanto. Destilei meu mais amargo fel aos abomináveis seres que conosco convivem e, por vezes, nos sugam como verdugos nossa mais cândida esperança.

Escrevi.

Estou a bordo de um vôo para São Paulo. Inicio hoje um ciclo de oito seminários (de dois dias inteiros) para executivos de uma companhia de energia. Levo comigo meus quase quarenta anos de mundo corporativo, bagagem suficiente para reconhecer que pouco sei. Inclusive nesta área.
 
Nos últimos dois anos criei um espaço nessa minha lida especialmente para cuidar, em sua expressão mais profunda, de dois marcos históricos de minha vida: a chegada de meus sessenta anos e de minha prioridade absoluta, Noninha. Jamais conseguirei agradecer a Vida por isto.

Foi um tempo ímpar. Abri meu coração para sentir com maior gosto o singelo, o ócio criativo, as pessoas todas, especialmente as mais próximas. Redescobri parentes, perdoei-me de abandonos.

Inscrevi.

E o pior, gostei. De tudo, inclusive do ócio, dos passeios às tardes em dias úteis carregando meu Bem no colo, conversando com ela, dizendo minhas coisas, meus segredos, minhas esperanças, minhas estórias.

Minhas caminhadas indisciplinadas, espaço para reflexões e construções basilares de meus posts. Meus fazeres domésticos, lavar a louça, regar minhas plantas, colocar o lixo na lixeira lá fora.

Vivi.

E o pior, quero mais. Até que, chegando minha hora, eu possa subir aos céus ou descer as profundezas deixando como legado a minha insignificância.

Agradeço a todos aqueles com quem compartilhei, nesses dois últimos anos, a edição do dasletra.

Até breve.


terça-feira, 7 de maio de 2013

Ó



Em AQUIDENTRO leitor anônimo me brinda com um comentário: “Crescemos no que está fora do nosso controle. Imagina se tudo fosse organizado, não haveria desafios e só assim nossa capacidade é exigida, não é mesmo”?

Há um portão de acesso de pessoas acoplado ao de uma das garagens para automóveis no prédio de apartamento em que moro. Quando a pé prefiro passar por ele, já que está no nível da rua e me poupa de passar pela portaria com escadas. O acesso é mais rápido. O dispositivo que faz com que a fechadura se abra desse portão é elétrico e, quando acionado, produz um barulho forte.

Até algum tempo atrás, quando saía para passear com Noninha e passava por lá, acionava o interruptor para abrir o portão. Ela, com olhares em outras descobertas, se assustava com o barulho produzido pela fechadura. Hoje sempre que passo com ela antes aviso: “Noninha, ó o barulho!” Ela move sua mãozinha direita em direção ao ouvido e pisca intermitentemente seus olhinhos de jabuticaba.

Na época da ditadura os militantes da contra-revolução picharam pelas ruas das principais cidades do país uma frase: “Tá tudo certo, mas tá esquisito”. É dessa época também um dos momentos de melhor planejamento que o país experimentou, os PNDs - PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO, elaborado por ministros como Reis Veloso, Mário Henrique Simonsen, Delfin Neto e outros. Todos orientados a um país muito certo, mas que estava esquisito.

Hoje vivemos em um país cujas instituições democráticas são referência para outros, uma constituição ímpar, um acervo de leis algumas ainda que anacrônicas, mas que no conjunto são mais do que suficientes para garantir o Estado de Direito. Temos um sistema de apuração eleitoral, talvez o mais seguro, rápido e confiável do mundo. Um sistema de pluripartidarismo que se por um lado embola por outro sinaliza o desejo de envolvimento.

Estamos organizados.

Nosso desafio não reside na nossa capacidade de nos tornarmos um país. Temos de sobra. Nossa questão, sabemos até pelas nossas piadas: “Vocês vão ver que povinho que eu vou colocar aí”, frase atribuída ao Criador.

Portanto, me parece, que a nossa tragédia histórica fundante é de nosso caráter, incapaz de levar verdadeiramente a sério a tarefa de nos tornarmos responsáveis por aquilo que nos cabe e que é indelegável: o compromisso com a cidadania.

Claro que evoluímos e muito, mais na microfísica do poder com nossos gestos no cotidiano do que quando ocupamos posições de relevância e alcance de transformação social. Lembro-me de uma conversa a sós que tive com uma candidata a cargo político de expressão em Brasília, há alguns anos atrás. Dez minutos transcorridos de seu depoimento sobre o que significa uma candidatura a governador, senti náuseas profundas que me levaram incontinente ao banheiro. E olhem que eu sempre soube, ou pelo menos, imaginava saber.

Leitor amigo, está tudo organizado sim com muita gente boa produzindo choques de gestão que têm melhorado a máquina. Temos, como em outra época, até um PAC – PLANO DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO.

Nossa questão, como no passado, ainda são os subterrâneos. “Tá tudo certo, mas tá esquisito”.

Este blog limita-se a: “ó o barulho!”. Eu sei que é pouco.


Até breve.

domingo, 5 de maio de 2013

AQUIDENTRO



Não sei se procede, de todo, o comentário anônimo editado em LÁ FORA de que, por Noninha, eu tenha intitulado o post usando duas palavras.

Ora, não é só bem assim. Confesso que fiquei feliz por alguém ter se manifestado de que todos os posts, até então, convidaram a uma única palavra.

Já até juntei algumas, criei outras, distorci a escrita, enfim me virei para que eu pudesse sugerir que lavrar é tarefa para cada uma única palavra.

Quando escrevi o post coloquei o título: LAFORA. Achei que estava ficando convencional, repetitiva a forma e, então, resolvi inovar. Fiz como é o correto, embora quando fui lê-la, já editada, tenha achado estranho.

Traí meu estilo, minha forma, minha proposta. Ou não? Talvez resida aqui algo mais para pensarmos. Transgredir é, às vezes, consciente e elemento de arte para desenhar o real. Colocar as coisas exatamente como são esperadas em um contexto de perturbação pode, às vezes, ser perturbador.

Fico pensando se não está nisto nosso maior dilema: colocar na desordem ou caos um elemento de ordem e isto vir a desorientar a tantos.

Imagine se criminosos forem para a cadeia, se recursos públicos forem integralmente destinados ao público, se relações forem mais amistosas fundadas em respeito recíproco.

Imagine se for possível que os contratos sejam integralmente cumpridos, que as dividas sejam pagas, que o produto entregue seja conforme especificado.

Imagine se o que for dito não seja mau e nem mal dito. Imagine se pudermos confiar, tecendo com outros empreendimentos inclusive os de afeto.

Imagine se se colocar ordem no caos.

Imagine se for possível idealizar o humano como se espera o humano: Humano.

Não sei, acho que não será de todo possível. Talvez seja mesmo utópico em clima de turbulência propor harmonia, em ambiente de competitividade perversa e predatória, propor solidariedade.

Talvez haja mesmo perigo, e cada vez mais, em se buscar o que é esperado.

Se tudo sugira no ar, o contrário.


Até breve.

sábado, 4 de maio de 2013

LÁ FORA



Passei a primeira noite com Noninha.

Pretinha e Claudinho comemoraram mais um ano de casamento e Ela sugeriu que nós ficássemos com Noninha para que os pais pudessem aproveitar melhor a quinta lua de mel.

Trouxemos Noninha para Santa Luzia para que fosse mais plena nossa experiência. A primeira noite a gente nunca esquece. Só que Noninha foi dormir as vinte e uma e trinta e acordou as sete e dez, em linha direta e sem escalas, como é o seu costume.

Eu que esperava que ela estranhasse e acordasse várias vezes ao longo da noite, chorando, pedindo colo e que eu lhe contasse estórias ou fosse lhe mostrar, lá fora, os cachorros. Nem me fale esta última intenção. Pretinha disse que não haveria uma segunda vez se eu saísse com Noninha no frio da noite.

Nossos filhos esquecem que somos nós os seus pais.

Noninha poderia também ter acordado e ter feito suas caras e bocas, feliz por estar com os avós. Poderia ter acordado e procurado pedacinhos de nadas dentro do berço, enquanto balbuciasse seus falares primários.

Mas não. Noninha dormiu de vinte e uma e trinta as sete e dez.

Sessenta e um anos me permitiram inúmeros viveres e experiências, inclusive as mais singelas, pueris e desimportantes que se assemelham à primeira noite com Noninha. É que eu estava tão obinubilado com tantas outras questões, supostamente mais relevantes, que não vivi como agora o que se passava.

À noite, com Noninha no colo, antes de colocá-la para dormir, fiz um comentário com Ela:

- Bem, durante muitos anos nós imaginamos passar por esta experiência, não foi?

Mais uma vez eu devo agradecer à Vida.

Noninha passou a primeira noite conosco, sozinha, embora tivesse dormido de vinte e uma e trinta até as sete e dez e eu não tenha podido levá-la na noite fria, lá fora, para ver os cachorros.

Os avós, é bom que os filhos saibam, têm segredos com os netos que só a eles pertencem.

Eles têm todo o direito de tê-los e/ou de sonhá-los.


Até breve.