quarta-feira, 31 de maio de 2017

DESCELEBRE




Se me perguntassem hoje quais os três melhores filmes que eu assisti ao longo de toda a minha vida, teria que citar quatro. Aqui no meu perfil do dasletra você encontrará três deles: Cinema Paradiso, Era uma vez na América e O Carteiro e o Poeta.

O Cidadão ilustre é o quarto que citaria e que assisti ontem no cinema.

Andrés Duprat, o roteirista, disse em entrevista: – “Não somos estreantes e quem conhece nosso trabalho, sabe que nunca foi nosso ideal entregar os filmes prontos para o público. Sabe? Aquela coisa cômoda, a história com começo, meio e conclusão? É muito mais interessante e desafiador criar com o público, levar o espectador a participar de uma maneira mais ativa.”.

O filme, da extraordinária safra argentina, dirigido por Mariano Cohn e Gastón Duprat, tem, no papel de protagonista, o vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Veneza, Oscar Martínez (Ninho vazio) interpretando o renomado escritor Daniel Mantovani.

A Argentina teve um grande escritor cosmopolita – Jorge Luís Borges – que não logrou, como gostaria, o Nobel. Um provinciano, mesmo universal, como Mantovani, chega lá na ficção. Ironia…?

A primeira cena do filme revela a entrega do Prêmio Nobel de Literatura ao escritor Daniel Mantovani, argentino radicado na Europa há quarenta anos.

Com uma câmera documental registrando o momento, Daniel sobe ao palco e, em seu discurso, agradece dizendo que também lamenta o recebimento do prêmio por ele significar o "fim de sua aventura criativa". “Tenho a convicção de que este tipo de reconhecimento unânime está relacionado direta e inequivocamente com o declínio do artista.” “A canonização é fatal”, conclui.

Uma vez tendo ganhado o prêmio ele fica cinco anos sem escrever e se nega a participar de todos os eventos para o qual é convidado em diversas partes do mundo. Exceto a um: de sua cidade natal, Salas, que fica 7 km distantes da capital Buenos Aires.

Inicialmente ele hesita em aceitar, mas acaba aceitando o convite para ir a Salas e lá receber o prêmio de cidadão ilustre, em parte por saudosismo e muito pela vaidade de ser o filho pródigo louvado pelos seus. Sua jornada começa a partir dai retornando ao local que havia deixado há quarenta anos.

Por mais que Salas seja fonte de inspiração de todos os seus trabalhos, Daniel possui um profundo desprezo pela região graças às suas peculiaridades interioranas, muito distantes do lado cosmopolita da Europa.

Raduan Nassar, em seu Lavoura Arcaica, escreveu: “Não importa para onde vamos, estamos sempre voltando para casa.”.

O filme nos remete à questão ficcional: toda a verdade é fruto de uma interpretação, no entanto, impossível safar-se do destino.

O seu lugar é o seu lugar.

Salas, que pode ser lida de trás para frente, ambienta toda a miséria humana que vem à luz. Costumes sociais e culturais, idiossincrasias, chauvinismo, mediocridade, ignorância, barbarismo, violência, dogmatismo da pior espécie, fanatismo ideológico, hipocrisia política e, também, docilidade de pessoas que se deixam governar e manejar para um lado e para outro.

Li algumas críticas ao filme e me surpreendi em que gênero ele foi classificado: Comédia.

Nem Dante Alighieri explica.



Até breve.

terça-feira, 30 de maio de 2017

ESPACITO




Estou dando uma trégua, fazendo uma assepsia cerebral, lavando neurônios enfastiados pela verve sociopolítica. Dando um break na repetição sistemática das mesmas teses e encaminhamentos.

Vou para o futuro olhando o retrovisor. Meus passados anos recentes, ali por volta do corte epistemológico que fiz ao adentrar meus sessenta. No dia 27 de fevereiro de 2012 o meu adiante floriu. Começava ali a jorrar sobre a minha vida meus mais queridos desejos.

Meus netos.

A partir daquela data embrenhei-me na fantasia, mais do que simbólica que deveria pautar meu viver doravante. Nada me ocupava mais do que sonhar o sonho de ver brotar do que brotou de mim.

Confesso: o fato de ter sido brindado, inicialmente, por uma menina faz com que eu jamais saberei agradecer a Vida por tanto. Desnecessário dizer que amo a todos com a mesma intensidade e cuidados: Liz, Valentin, Antônio e Helena.

Escrevi 42 diálogos hipotéticos, entre eu e Liz, frutos de minha imaginação transtornada pela alegria que estava por vir.

Agora, minha assepsia se fará pela crença de que há sim um futuro e, no simbólico, ele se resume em LIZ. A flor-de-lis é utilizada como símbolo do curso de Letras em várias universidades brasileiras.

Com LIZ abriu-se um novo texto, um intertexto que percorre todo o jorrar de minhas mais profundas reflexões e desejos.

Convido aos leitores do dasletra, especialmente aos recém-chegados, que leiam estes diálogos que estão catalogados no ícone de assuntos sobre o título de LIZ.

É quase um resumo de tudo o que tenho a dizer sobre a Vida. E, por favor, não colem a Liz dos textos à minha querida netinha. Minha netinha é mais do que real.

A Liz dos textos é um texto.



Até breve.

domingo, 21 de maio de 2017

KIKO



Nenhuma teoria ou ciência dá conta de tamanha bandalha. Mesmo guardando as estratégias mais do que perversas entre os grupos que se articulam não é possível crer em qualquer expediente moderador.

Não há entre os contendores nenhum puro. Todos, indiscriminadamente todos, pustulam. O organismo institucional é uma metástase que cotidianamente vaza. E, a cada vez, com maior carnicão.

Seguramente nunca estivemos tão distantes de um desfecho que possa sugerir superação. Qualquer resultado das pendências jurídicas em curso é aterrorizante. Ninguém será condenado sem condenar a tantos outros. Inclusive aos próprios juízes.

Não há nenhum puro.

Mera denúncia vazia. Denúncia vazia é a retomada do imóvel pelo locador, sem necessidade de justificativa, após o término do prazo de locação inicialmente fixado em contrato.

Devolvam-me o meu mundo. O que farei sem a minha morada?

Postei este texto ontem no FB. É um fragmento de TUMOR editado aqui no dasletra.

Experimentei ao longo dos últimos dias sentimentos contraditórios. Vacilei-me em diferentes expectativas e tensões. Surpreendi-me com a magnitude, indignei-me com o escárnio. Esperei acontecimentos.

Ausentei-me do noticiário, facilitado pelo cuidar dos netos, passarinhos, coiseiras do sítio. Meu coração e cérebro ainda assim tomado pela inquietude e pelo torpor.

Todos sabemos que não vivemos tempos fáceis. Todos estamos conscientes de estarmos diante de uma mudança de era, que deixamos para traz uma era de mudanças. Todos sabemos que a vida já não é mais do jeito que teria sido.

O que nos trouxe até aqui?

Negligência, desinteresse, desesperança, irresponsabilidade, ingenuidade, intenção. Afinal quanto do que está posto, criamos? Quanto de nós está no quadro emoldurado? Por omissão, inércia, egoísmo, descompromisso?

A democracia clama por envolvimento, por legitimidade, por lisura e responsabilidade. Tudo do que vier é nosso, sobretudo. Não há um “eles” sobre o qual recaia a culpa pelo desastre.

O desastre é integralmente nosso.

Escolhi Collor. Escolhi FHC. Escolhi Lula, escolhi Dilma, escolhi Aécio. Escolhi tudo o que está aí. Confortável é a certeza, compartilhada, de que não fui o único. O que está aí é muito maior do que eu possa mudar.

Talvez isto nos garanta lógica futura. Talvez isto compense e explique nossa passividade. Talvez esconda nossa omissão semi-deliberada.  Nossa alienação. Nossa fraqueza.

Talvez.

Talvez tudo mude e, por pura sorte, me caiba.



Até breve. 

quinta-feira, 11 de maio de 2017

EXPERT



“O importante é o principal, o resto é secundário”. Lula usou esta frase no depoimento – de um amigo metalúrgico – para dizer como deveríamos tratar o processo.

E o principal, para mim, reside no que não foi dito.

A questão da propriedade do tríplex é controversa e, como se defende Lula, não há escritura lavrada em cartório que ateste de forma inquestionável a propriedade. Podemos considerar a hipótese (em minha opinião mais provável) de que houve sim a negociação com a construtora como pagamento de propina, mas Lula disse que não gostou de “500 coisas muito ruins” e que se ele tivesse que colocar um elevador no tríplex teria pedido para colocar no apartamento onde reside há dezoito anos.

A veracidade ou não da propriedade me parece secundária, ainda que nos meandros do processo existam documentos (a recusa da compra somente em 2015, a Nota expedida pelo Instituto Lula, e-mails internos da construtora tratando das demandas da “madame”, entre outros) que atestam  o encaminhamento da negociação entre Lula e/ou Dona Mariza com o presidente da construtora.

O tríplex é frágil para incriminar Lula.

No entanto, a estratégia brilhantemente conduzida pelos advogados de defesa, buscou forçar o juiz a restringir o depoimento a fatos relacionados exclusivamente à questão da propriedade ou não do apartamento. Diversas vezes o advogado, que atuou também para desestabilizar Moro, fez apartes conclamando que o juiz se ativesse aos termos do processo em julgamento.

E por quê?

Para que o principal não emergisse. Moro seguiu uma linha, em minha opinião sutil, de que Lula teria participação decisiva na composição da diretoria da Petrobras, do Presidente e de alguns diretores da empresa, especialmente Duque.

Moro irritou a bancada de defesa quando insistiu, várias vezes, na solicitação de que Lula explicasse como se deu a escolha dos diretores hoje condenados.

Moro irritou mais ainda quando consultou Lula sobre as características que, enquanto presidente da república escolhia os seus colaboradores.

Esta me parece a questão central e determinante neste e nos demais processos em que o senhor ex-presidente é réu.

A defesa recomendou ao cliente que não respondesse a nenhuma pergunta relacionada em que pese, um dos advogados da sessão (o mais sênior) ter posicionado veemente em defesa do juiz de que era pertinente às perguntas uma vez que ao juiz é dado o direito de inquirir o reu para saber de traços do caráter do mesmo.

E nisso Lula incorreu em um escorregão fatal. Ele havia dito que nunca conversava com diretores da Petrobrás e em seguida, provocado por Moro em outra questão, disse que havia pedido ao Vacari para agendar um encontro com Duque, encontro este que ocorreu em um hangar do aeroporto de Congonhas.

Lula talvez não saiba mesmo quanto roubaram, ele me pareceu assustado quando perguntou ao juiz: “Quanto mesmo que Barusco roubou?” Duzentos milhões de reais, respondeu Moro.

Dentro deste contexto Lula disse, referindo-se à Barusco, a frase que julgo PRINCIPAL do depoimento de ontem:

“Um ladrão assim é tão esperto que só se sabe se for delatado.”

Outra hipótese, a mais ingênua, é de que Lula não sabia do que ocorria em sua casa, nem no Instituto, nem no Partido, nem na Petrobras...

Outra hipótese, a menos ingênua, é de Lula não sabia do que ocorria em sua casa, nem no Insituto, nem no Partido, nem na Petrobras...



Até breve.

CLIMAX



Por volta das duas horas da madrugada fui dormir depois de assistir, com atenção, às gravações em vídeo de todo o depoimento do ex-presidente Lula ao Juiz Sérgio Moro. Algo perto de cinco horas de intenso debate e embate.

Convido à reflexão a partir de alguns trechos da fala, inicialmente das declarações finais do senhor ex-presidente (tratamento que o juiz adotou ao longo de todo o depoimento, sancionando inclusive membro do MP que tratava sua excelência por “você”).

Permito-me extrair da fala do acusado trechos fora da ordem em que eles foram declarados, a fim de compor minha abordagem.

Lula, desde sempre se vê como um predestinado e se cobra por isto. “Quando me candidatei à presidente sabia que tinha um compromisso de fé. Se eu errasse nunca mais a classe trabalhadora elegeria alguém de baixo.”

Lula queixa da falta de respeito dos acusadores e considera que está sendo vítima de um massacre. “Imperdoável o processo de perseguição, confesso que eu espero que tivessem mais respeito por um homem que deu à este país a dignidade que ele não tinha há muito tempo.” “Massacrar o cidadão, ele tem que pagar o preço por existir, esse cidadão cometeu o erro de provar que este país pode dar certo.”

Lula aponta a imprensa como a grande julgadora de todo o processo. “De março de 2014 prá cá foram 25 capas da Isto É, criando um monstro. 19 capas de Veja e da época 11. A Folha de São Paulo publicou 298 matérias negativas e 40 positivas, O Globo 530 negativas e 8 positivas, e o Estadão 318 matérias negativas e apenas 2 positivas. Somente no Jornal Nacional foram 18 horas em 12 meses.”

Lula se vê diante de um julgamento político sem base de sustentação em provas comprobatórias. “Desconhecendo a política fizeram um power point, porque já tinha a tese anterior de que o PT era uma organização criminosa que o Lula, por ser o presidente, era o chefe e que, portanto, Lula montou o governo para roubar.” “É uma tese eminentemente política.” “Pelas perguntas que vocês me fizeram(dirigindo-se aos membros presentes do MP) o Dr. Moro nem deveria ter aceito esta acusação.” “Quero que parem com ilações e digam qual o crime que eu cometi.”

Lula se diz respeitador das leis e que foi quem mais trabalhou para criar as condições para o desenvolvimento da justiça no país. “Fui presidente durante oito anos e respeitei as leis mais que qualquer outro, fiz mais leis que qualquer um.”

Lula, em suas declarações finais, vaticina algo com o qual devemos nos preocupar. “O comprometimento da justiça e o comprometimento da acusação com a imprensa está levando a um impasse. Eles estão com dificuldade de saber: quando isto acabar, e se esse tal de Lula for inocente?”

Lula, em tom grave, alerta ao juiz. “Doutor, eu vou lhe avisar uma coisa. Estes mesmos que me atacam hoje se tiverem sinais de que eu serei absolvido, prepare-se, porque os ataques ao senhor vão ser muito mais fortes do que eles fazem até aos ministros da Suprema Corte.”

Penso e tenho dito ser este o grande nó histórico. Como vamos fazer a passagem pós-desfecho judicial? Os fatos em si, mesmo que translúcidos aos olhos de qualquer análise probatória não serão suficientes para pacificar toda a sociedade, independentemente do veredicto.

Não há a hipótese, para milhões de brasileiros que Lula não seja preso. Não há a hipótese, para milhões de outros brasileiros que Lula seja preso.

No próximo post abordo minhas observações sobre a parte central do depoimento.



Até breve.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

SEIS



Há exatos seis anos atrás publiquei o meu primeiro post aqui no dasletra. Entre as paixões que me acompanharam ao longo de toda a minha vida escrever foi e, enquanto estiver supostamente lúcido, será uma das mais intensas. 

Desde sempre escrevi e, por razões diversas, nunca publiquei. Acho porque nunca me levei muito à serio e, indisciplinado que sou, sempre achei também que não sustentaria a existência do blog. 

Mil e treze posts editados depois tenho esta atividade como uma necessidade visceral. Permito-me lavrar como uma catarse, tanto no tema a abordar quanto na forma.

De tudo o que escrevi o que considero de mais sério foram  as estórias que construi através de hipotéticos diálogos com a minha netinha que nasceria cinco meses depois de eu tê-las escrito. 

No dia 27 de fevereiro de 2012, dia do meu aniversário de 60 anos, recebi um convite com uma foto de um exame ultrassom. Minha filha me pediu que a acompanhasse no exame. E lá ficamos sabendo que era Liz, que estava por vir.

Minha vida é marcada à partir desta data. A chegada dos meus netos, Liz (01.08.2012), Valentin (07.03.2014), Antônio (06.12.2014) e Helena (30.04.2016).  Tudo o que um homem pode experimentar de realização e alegria.

Até o dia 31 de julho de 2012 (Liz nasceu no dia 01) escrevi inúmeros diálogos e me recordo com que prazer. 

Para memorar e agradecer à Vida por ter me gratificado com todas as vivências destes mais de mil posts escolhi aleatoriamente (será?) um destes diálogos que intitulei como NÓ.

- Vovô...

- Oi, Liz.

- Por quê que a gente morre?

- A gente morre, Liz?

- Sim. A Luciana, minha colega da escola, não foi à aula hoje. Aí eles falaram que foi porque a vovó dela tinha morrido.

- Você conhecia a vovó dela?

- Ela já foi muitas vezes na nossa festinha... Brincava comigo...

- Ela era muito legal então, Liz...

- Sim, muito legal.

- Sei.

- E então, vovô? Por que a gente morre?

- A vovó da Luciana estava doente?

- Não sei.

- A gente morre quando fica doente...

- Outro dia, você lembra vovô? Eu fiquei doente.

- Gripada, né?

- É. E por que eu não morri?

- Porque a gripe não é uma doença grave...

- Grave?

- É. Uma doença grave é quando ela deixa a gente tão fraquinho que aí a gente não agüenta...

- E morre? E aí?

- Aí o quê, Liz?

- O que acontece com a gente?

- A gente nunca mais vê a pessoa e...

- Ela vai prá onde?

- Ô Liz... Meu celular. Deixa eu atender...

- Pai...

- Oi, Pretinha.

- É a mamãe, vovô? Deixa eu falar com ela.

- Pode falar, toma...

- Oi, mamãe...

- Oi, querida! Tá tudo bem aí?

- Eu estou conversando com o vovô.

- Ele está te contando histórias?

- Não.

- Então vocês estão conversando sobre o quê?

- Sobre morte.

- Deixa eu falar com o vovô, minha filha.

- Beijo, mamãe.

- Pai, que história é essa?

- Ela que perguntou.

- Desconversa pai... Como você vai sair dessa?

- Espero que só daqui alguns anos. Eu quero viver muito ainda.

- Êh, pai, tô falando da pergunta da Liz.

- Eu sei lá!

- Pai, faz o seguinte: despiste ela, chama ela prá ver um filminho, leva ela lá prá baixo. Vê se faz ela esquecer desse assunto...

- A avó da coleguinha dela morreu.

- Qual coleguinha?

- A Luciana.

- Nossa, a dona Clara morreu? Que pena, meu Deus!

- Você a conhecia, minha filha?

- Sim, estive com ela na semana passada.

- Pois é.

- Vou ligar prá escola prá saber o que aconteceu.

- Faça isto minha filha.

- Puxa, que dó, né pai?

- É, minha filha.

- Beijo, pai. Tchau!

- Vamos ver um filminho, Liz?

- Agora não.

- Vamos dar uma volta?

- Onde?

- Lá embaixo.

- Quero agora não, vovô.

- Então o que você quer fazer?

- Continuar conversando.

- Então tá.

- Fala, vovô.

- Sabe que hoje eu fiz um exercício legal lá no pilates?

- Como foi?

- A gente fica pendurado em duas barras... Assim ó, sabe?

- É perigoso, vovô?

- Não, perigoso não é não.

- Se você cair você morre?

- Não... Posso só machucar um pouquinho.

- Quando a gente morre a gente vai prá onde, vovô?

- Liz, o vovô não sabe.

- Mamãe sabe?

- Não.

- O papai sabe, num sabe?

- Também não.

- As vovós? Vovó Tucha é professora, ela sabe. O vovô Cláudio...

- Acho que não.

- Quem sabe, então, vovô?


Hoje já não preciso escrever diálogos hipotéticos. 

Até breve.

Obs. Todos os diálogos estão no icone de assuntos com o título LIZ.

sábado, 6 de maio de 2017

CLASSES



Postei no FB:

Penso que vamos seguir sobre tempos cada vez mais sombrios com vácuos extensos e profundos entre territórios inacessíveis entre si: o Estado, a Sociedade e o Povo.

O Estado com seus poderes e suas milícias; a Sociedade com suas idiossincrasias e delírios de liberdade democrática e o Povo, essa massa de mortos vivos que perambulam pelas vias públicas de lá para cá a procura de algo que os sustente.

Dramático o nosso momento.

A cada dia aprofunda-se e alarga-se uma crise moral, cívica e de sanidade que me assusta pela ausência de movimentos renovadores à altura.

Ocorreu-me, então, de trazer à post o que coloco como ESTADO, SOCIEDADE e POVO.

O ESTADO tem como função precípua o estabelecimento dos marcos de referência em que, além de seus próprios membros, SOCIEDADE e POVO podem, devem e são obrigados a operar. É, por extensão, o guardião para que todos não saiam destes marcos utilizando para isto os meios que ele próprio institui para coibir, sancionar, punir, taxar, ou privar de liberdade àquele que transgredir o estabelecido.

O ESTADO constitui-se de:

· Os profissionais da política institucional que ocupam cadeiras nos poderes Legislativo e Executivo, assim como os membros da diretiva dos partidos, com ou sem mandato popular.

· Os profissionais da área jurídica que ocupam cadeiras nos poderes Judiciário, incluídos aqueles do Ministério Público, em todos os tribunais de todas as instâncias e esferas (municipal, estadual e federal).

·  Os burocratas que ocupam posições de gestão operacional, bem como atendentes ao público em geral, de todas as unidades dos poderes instituídos.

·  Os profissionais da segurança em todas as suas estruturas, forças armadas, polícia militar e civil, bem como aqueles que operam em instâncias de inteligência.

Assim, portanto, o Presidente da República, o guarda municipal da esquina (Cosme ou Damião), o vereador de Quixadá das Abobrinhas, a Dona Clélia atendente do INSS, o seu Bartolomeu Gerente de distribuição de Guias de Internação do SUS, o General comandante do II Exército, o fiscal da Delegacia da Receita Federal, o ministro do STF, do TSE, o juiz da comarca de Nossa Senhora dos Perdizes, enfim todos aqueles que trabalham para dizer em quais trilhos os cidadãos podem seguir. Devo ter esquecido vários, especialmente aqueles que se revestem da prerrogativa de.

A SOCIEDADE é constituída por:

· Proprietários de empresas de comércio, bancos, indústrias, fazendas, casas de entretenimento, meios midiáticos, bem como de todas as demais empresas com as mais diversas razões sociais.

·  Os empregados regulares destes proprietários, pejotas, celetistas ou terceirizados, diaristas, mensalistas, horistas ou de bicos vários.

·  Estudantes em geral de todos os estágios.

·  Intelectuais, artistas, professores.

·  Familiares das categorias acima.

Assim, portanto, Setubals, Safras, Seu Zezinho dono da Birosca da Wanda, Coronel Alencar da Fazenda Boi Sonso, Alfredo estudante de direito na PUC e Jurandira da UFBA, aquele menino ali passando de uniforme escolar, Caetanos, Chicos e Gils, Olavos de Carvalhos e Karnais, Joices e Dinardis, Fernandas Montenegros e outros Montes, o Gerente da Sadia e da Enfuradora de Buracos Limitada, o auxiliar de compras, o engenheiro de refratários, a secretária, enfim todos aqueles que supostamente têm um vida, uma casa, comida, roupa, wifi, e sabem qualé.

O POVO é constituído por:

·  O resto.

SOCIEDADE e ESTADO se locupletam em esquemas de harmonia duvidosa recíproca sempre orientando-se na perspectiva de garantirem-se e, no discurso (especialmente nas redes sociais), criarem melhores condições para o RESTO, ou melhor, para o POVO.


Até breve.