segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

VENTOS




“Eu vou me acumulando, me acumulando, me acumulando
– até que não caibo em mim e estouro em palavras”.
Clarice, em Um Sopro de Vida.


Toda vez que chega final de ano me lembro de Drummond, quando ele nos lança à pergunta de para quê contamos o tempo.

Afinal para que nos serve dia, semana, mês, ano, segundos, minutos? Ora, senão para nos fazermos diferentes. Fosse a ausência do tempo presente, adeus passado e adiante seria de um vazio.

Além de um desfazimento da natura bruta, em simultâneo, sobra um fazer sei lá se de alma e compreendimentos fundos. A gente sempre terá dessas ilusões marítimas ou firmamentos.

Não é mesmo de possível sejamos apenas esta bisnaga de carne que evolui à carniça. Gosto deste verbo quando usado por médicos em seus veredictos fatais: o paciente evoluiu para óbito.

Não! Adiante para que seja, haverá de ter.

E, em tendo, o que farei de mim?

Afora os haveres, deveres, teres, o quê seres?

{Agora que existem computadores para quase todo tipo de procura de soluções intelectuais – volto-me então para o meu rico nada interior. E grito: eu sinto, eu sofro, eu me alegro, eu me comovo. Só o meu enigma me interessa.

Mais que tudo, me busco no meu grande vazio.} É, de novo, de Clarice.

Maior do que dessas ilusões fortuitas trazidas do suposto insuportável real que nos acomete. Tudo está sabido, inventado, corruptado, defenestrado, Tem gente ai ainda se ocupando de direitas e esquerdas, de povo, de puslítica, dessas quimeras nutridoras de ódios e alucinúrias.

Tem gente com tempo para estas coisas. Ainda.

Claro! É do jeito que vida parece. Melhor ficar crendo que sim, só há.

Eu não. Por mim, abro lagunas, lacunas, fossos, enxurrantes tempestades de dentro. Caçantes embocaduras, vales estreitos de mim, quando suponho. Ninguém me entenderá completamente. E ninguém aqui sou eu próprio com todos os meus nem guéns.

Fora isso sobra o Amor. Intenso e por todos os poros. Frequente de alucínio. Loucura das puras e fora das convenções mais do que doidas. Pobres, endêmicas, cagantes.

Eu vou sei que sei. O Nada é de um tudo bastante. E o Rosa perfuma: “o real não se encontra na saída e muito menos na chegada, senão na travessia”.

Ali onde a Vida alcança.

Profundo Nada a todos!


Até breve.

sábado, 29 de dezembro de 2018

DESCORPORAR




Claudinho, ontem pela manhã, trouxe das compras duas ou três caixas de cervejas. A intenção é de consumi-las todas ao longo de até o 02.

Perguntou ao Vlad sobre a marca, se o cunhado, conhecedor de cervejas artesanais, gostava de Petra.
Vlad disse que não conhecia, se eu ouvi bem.

Já à noite perguntei ao meu genro, Claudinho, se Petra é Latim. Era mais para zoar com o sujeito que levou minha filha para Lages com meus netos. Claro que eu sabia, se bem que não com convicção, Petra é Grego.

- É, Agulhô, é em latinha, mas eu acho que tem em garrafa também.

Pouco mais tarde Pretinha, minha filha que o sujeito levou para Lages com meus netos, irmã de Vlad e Bernardo, meus outros dois filhos, foi quem me perguntou por que eu não escrevo mais.

Acho que é por isto.

Escrevo em Grego e o consumidor quer em latinha.

Bem já quase meia-noite, tomei um banho e debrucei sobre o Um Sopro de Vida, de Clarice, a Lispector.

Numa hora qualquer do texto ela inscreve: “Vou escrever um livro tão fechado que não dará passagem senão para alguns. Ou talvez eu não escreva nunca mais”.

Tipo do livro Grego. Vou precisar de uns seis meses para sorvê-lo todo em cada linha.

Minha vida me quer escritor e então escrevo. Não é por escolha: é íntima ordem de comando.

Não fui eu que escrevi a frase de cima. É “dita” pelo personagem Autor do livro de Clarice, a quem ela deu sopro de vida. E, como autor, ele se pergunta: “Eu inventei Ângela porque eu preciso me inventar?” Ângela, eu acho, é personagem de Autor.

Escrever pode tornar a pessoa louca. Não se queira.

A primeira frase de cima é do livro de Clarice.É de Clarice, do Autor (personagem de Clarice(?) ou de Ângela (personagem de Autor)?

O pior plágio é o que se faz de si mesmo.

Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma liberdade, mas estou presa dentro de mim. Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta.

Acessei o caderno Cultura do Estadão e lá li um poema:

BARGANHA

O quê? Dar pelo meu ouro
O teu saco de farinha?
Te pergunto, meu tesouro:
Na bundada não vai ninha?

Deixei Pretinha sem resposta, mas parece que é por isto. Ser imaterial, para ser livre.

Pedra.


Até breve.