quinta-feira, 25 de maio de 2023

BUGS

 


Um ilustre diretor de redação de um jornal de circulação nacional, hoje blogueiro visitadíssmo, me disse certa vez que após o fechamento da edição do jornal ele reunia a turma da redação e:

“Vamos ao horóscopo...”

Cada um dos jornalistas presentes e exaustos escrevia uma frase ou outra de cada signo. “Era nossa catarse”. Disse-me, ele. Não havia ainda internet e fechar a manchete às oito/nove horas da noite era pedreira.

Eu lia horóscopo, sempre de manhã, bem cedo. Teve um dia que não li e na hora do almoço quase me envolvo em um acidente dirigindo o meu carro. Quando cheguei em casa, corri para o computador acessei a página e estava lá: “Cuidado, pisciano, possibilidade de ocorrência de acidentes involuntários ao longo do dia.”

Hoje, leio horóscopo no dia anterior da previsão. Sabe-se lá a hora da ameaça ou da oportunidade.

É que eu acordei sobressaltado esta madrugada.

Eu tentei acessar via computador minhas contas bancárias, pessoa física e jurídica, no final da noite de ontem e não consegui. Atribuí à manutenção de rotina e como não era algo urgente decidi deixar para hoje as operações que pretendia fazer.

Às quatro da matina o relógio ansiológico acionou o cérebro e eu me vi desperto.

Tentei novamente e como diz Liz, minha netinha, “bugô”, ou seja, encrenca.

Liguei para o suporte técnico da instituição bancária e entrei numa peregrinação tecnológica. Nas primeiras ligações a informação foi que não havia registro das minhas contas, belisquei nos dois braços e fui ao espelho. Tendo sentido o belisco e me deparado comigo mesmo no espelho, concluí ainda estar vivo e desperto.

O pesadelo durou até às sete da manhã, quando o atendente disse que a questão estava sendo remetida para outro nível de complexidade e que a instituição faria contato nas próximas 72 horas.

Desliguei o aparelho agradecendo ao atendente e resolvi reiniciar o computador.

Num é que minhas contas se apresentaram vivas?

Fiz as operações que precisava, saí do site do banco e abri a página do horóscopo que consulto todas as manhãs:

“Enquanto continuar fazendo a sua parte com a maior boa vontade possível, não importa o quanto seja perturbador ter de lidar com bancos, empresas e instituições, pelas trapalhadas que cometem, ainda assim você vencerá.”.

Pois é.







quarta-feira, 17 de maio de 2023

ÃN?

“Por trás do legalismo como ideologia, se escondem interesses pessoais e uma aristocratização que a burocracia estatal reforça e mantém, o que nos faz pensar que a dominação burocrática, como diria Weber, não englobou a dominação carismática nem a patrimonialista, ou seja, o personalismo continua sendo mais legal no Brasil do que a lei que vale para todos da democracia.

(Roberto DaMatta, em Tá Tudo legal, crônica de hoje no Estadão).


- E aí?

- Aí o quê?

- Tudo bem?

- Não sei.

- Como não sabe?

- Não sabendo.

- Você é de esquerda ou de direita?

- Como assim?

- Você é de esquerda ou de direita, ora?

- Eu chuto bola com a esquerda e como com a direita...

- Estou perguntando politicamente...

- Adoro política.

- Mas de esquerda ou de direita?

- Não sei.

- Como você se define?

- Não sei.

- Sabe que todo mundo tem que se posicionar?

- É?

- A omissão atrapalha a democracia...

- Tendi.

- Então?

- Então o quê?

- Você é de esquerda ou de direita, pombas?

- Pombas?

- Nojento!

- Eu?


quinta-feira, 11 de maio de 2023

SISTEMA


A atriz e ativista Jane Fonda teria dito: “Se você quer mudar o sistema vá para dentro dele.”

Rita foi da passagem ao ato.

À face da dita dura e dos grilhões familiares católico-protestante, ela opôs-se com seus olhos imensos azuis, sua meiguice, seus cabelos loiros, vermelhos, ruivos, e sua imensa e privilegiada inteligência.

E não o fez sem imolar-se. Enquanto compunha trocentos versos roquirrolantes e sons incandescentes, que nos balançaram todos os esqueletos e excitaram nossos melhores músculos do cérebro e do coração, ela submundou nos pós, de todos os líquidos e químicas.

Desceu aos infernos. Despirocou-se geral.

Até que o nascimento da primeira neta teria a feito pensar que tudo aquilo era uma “puta caretice” e se limpou.

Rita é dessas figuras históricas que fizeram com que perdurassem em nós alguns restos humanos. E sou daqueles gratos pelo privilégio de ter vivido ao seu tempo.

Sua face final estampa o que restou de sua luta. Perguntada sobre o que será o mundo sem Rita, a irmã teria respondido: “O mundo não existe mais sem ela.”.

Lembro de um outro ícone que se evadiu do sistema por acreditar impossível de transformá-lo.

“Na parede da memória este é o quadro que dói mais.” 


 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

DOZE

 

Em artigo publicado no Estadão Tish Harrison Warren, pastora da Igreja Anglicana na América do Norte, comentando a série Ted Lasso, premiada com o Emmy, escreveu:

“O tolo sagrado é um personagem bem conhecido, embora controverso, na espiritualidade ortodoxa russa. O termo designa “uma pessoa que finge insanidade, finge ser tola ou que provoca choque ou indignação por sua deliberada indisciplina.” Em outras palavras, o tolo sagrado é uma pessoa que despreza as convenções sociais para demonstrar fidelidade a Deus.

Os tolos sagrados vivem a vida secular comum, mas a abordam com valores completamente diferentes. Rejeitando a respeitabilidade e abraçando a humildade e o amor, os tolos sagrados estão tão profundamente fora de sintonia com o mundo mais amplo que parecem ridículos ou mesmo loucos e muitas vezes convidam ao ridículo. E, no entanto, eles ensinam o resto de nós como viver.

De uma perspectiva religiosa, a rejeição das armadilhas do sucesso, de tudo o que a cultura dominante valoriza mais profundamente, pode ser um ato profético. A chamada tolice dos tolos sagrados está ligada à sua percepção espiritual. Eles oferecem uma mudança de perspectiva. O que parece “normal” e “bem-sucedido” no mundo é revelado pelo tolo como vazio, vão e sem sentido. No entanto, o que parece tolo é o verdadeiro caminho do florescimento. Acima de tudo, um tolo sagrado é um ícone da humildade radical.

Depois de 1345 posts, perto de atingir 400 mil acessos, estou completando hoje doze anos de blog.

No fundo, eu busquei minha tolice sagrada.

Entre os posts aqui publicados há um que talvez melhor represente esta intenção. Clique em CAPITALÍSSIMOS

Meu muito obrigado a todos aqueles que deram parte de seu tempo para sabê-la.





quinta-feira, 4 de maio de 2023

NEGAR

 

NEGAR

verbo

  1. 1.

transitivo direto, bitransitivo e intransitivo

formular negativa sobre; afirmar que não.

"negava peremptoriamente sua culpa"

  1. 2.

transitivo direto e bitransitivo

recusar-se a admitir, a reconhecer, a aceitar; contestar, repudiar, rejeitar.

"n. a existência de Deus"

 

Não, quando Jânio, não havia “forças ocultas”.

Ninguém tramou contra Jango.

Não houve ditadura militar no Brasil.

Não, a inflação em uma década não atingiu zilhões porcento.

Collor não era dono de nenhuma Elba e nem conhecia muito bem P.C. Farias.

Itamar não olhou a garota sem calcinha em nenhum carnaval.

FHC não sabia de nada e, portanto, não teve nada a ver com a compra de votos para a extensão de seu mandato.

Por dois mandatos, Lula nunca soube de nada em relação à metástase que corroeu os cofres públicos.

Dilma não entendeu tudo que aconteceu no seu mandado e meio.

Temer nunca visitou portos.

Bolsonaro não quis colocar fogo no circo e nem agiu para que milhares de pessoas perdessem a vida.

Carlinhos Cachoeira, Paulo Maluf, Sérgio Cabral, Cunha, Eike Batista, Estevão, e zilhares de outros não fizeram o que fizeram e por isto estão todos soltos.

Não, não gastamos bilhões em processos de toda natureza para atestar a veracidade de todos estes descalabros.

Não, não foi Nelson Rodrigues quem escreveu: “O óbvio é que escandaliza.”.

Sim, eu estou ficando caduco.