domingo, 19 de julho de 2020

COLATERAIS



Somos alicerçados em dois pilares: tempo e espaço.

Fui, sou agora e serei: tempo. Aqui, lá, acolá: espaço.

Todo o viver sustenta-se nestas duas perspectivas. Nos estruturamos a partir daí. Qualquer alteração em uma ou noutra pode nos afetar de forma significativa.

Todo e qualquer deslocamento no tempo e/ou no espaço implica.

O domínio de ambos nos apazigua, o descontrole nos angustia. A vida inteira viver é ter um certo controle: do tempo e do espaço.

Provavelmente nenhum de nós experimentamos um impacto tão expressivo como aquele trazido pela atual pandemia. Ela nos desestruturou a todos, uns mais outros menos, mas todos fomos impactados.

A ponto de entendermos que, passada, voltaremos ao “normal”. Ou seja, teremos o nosso “tempo” e o nosso “espaço” de volta.

A pandemia obrigou que nos distanciássemos, tirando o hábito de nosso trânsito comum e cotidiano. Ela nos circunscreveu, a muitos de nós, exclusivamente a nós mesmos: em nossa solidão, quase que nos vimos restritos ao nosso interior. Espaço físico em nós, o mais reduzido e, paradoxalmente, o mais amplo.

Fomos lançados, de uma hora para a outra (tempo), para a restrição de nós mesmos (espaço).

Muito de nós redescobriram cômodos, cores, odores, defeitos e tudo o mais que, até então, haviam se incorporados a paisagem do nosso dia-a-dia em nossa morada. Olhamos para nossa morada como outra. Nos descobrimos em “outro espaço”.

- “Meu Deus, eu nunca tinha reparado isto...”

Da mesma forma que fomos impactos na dimensão de espaço também o fomos na do tempo e, por força disto, a tudo o que ele nos remete no que tange as nossas operações, até então, de rotina.

Estamos expostos a mais tempo com nossos mais próximos o que, se para alguns é uma tremenda oportunidade e desejo, para outros pode ser desgastante e angustiante.

Companheiros de vida, filhos, netos, parentes outros, resvalam-se em nós nos quartos, nos corredores, disputam a hora do banheiro, o canal da TV, o pedaço do frango. O silêncio, a música, a janela aberta ou fechada. A voz alta, o pano, o rodo, o sabonete. A toalha. Tudo afeta.

O distanciamento nos impôs a ilusão de presença objetiva em telas tecnológicas. Nossos conflitos corporais foram minimizados e perdemos o perfume dos outros. O toque, o beijo, o afago e até a agressão foram suprimidos.

Todo o amor e todo o ódio vacilam.

Não somos feitos para a ausência e nem para a distância de outros. Sem um outro perco a minha referência, o espelho por si só não me revela. Eu sou com o outro.

A morte é a perda absoluta. Antes dela, não há angústia maior do que a perda da liberdade.

Eu queria HOJE pegar um avião, ir a LAGES-SC e buscar Liz e Valentin para verem o galinheiro que, nas últimas duas semanas, estou construindo. Eles não terão que NUNCA MAIS, quando estiverem aqui, irem com Totô e Lelê visitarem o sítio do meu vizinho.


Até breve.