quarta-feira, 31 de outubro de 2012

PLEITO



Matéria de hoje publicada no Jornal Estado de Minas informa sobre pesquisa científica dando conta de que as AVÓS contribuíram de forma decisiva para a preservação e desenvolvimento do HOMO SAPIENS desde os seus primórdios.

Na atualidade, em especial, na medida em que boa parte das pessoas com mais de sessenta anos do sexo feminino são consideradas, ainda, sustentáculo da casa, inclusive no que tange ao campo financeiro.

O fato de estar em desvantagem não me preocupa. Continuarei entendendo que o meu lugar de avô ainda tem e muita importância. Amanhã mesmo, por exemplo: quem vai acompanhar Pretinha à clínica para aplicar a terceira dose de vacinas na Liz? E quem vai, também amanhã, levar a netinha para consulta de praxe à pediatra?

E tem mais: quem comprou a importantíssima saboneteira em formato de gatinha? Quem comprou o primeiro enxoval de roupas de banho e berço para a casa de Santa Luzia, sem esquecer do cobertorzinho?

Quem cercou com tela de arame o laguinho do sítio para proteger os ovinhos da patinha para que hoje tivéssemos a notícia de que nasceram cinco patinhos que vão ser a alegria de Liz?

Quem fixou as estantes no quarto do sítio para distribuir e alojar os bichinhos de pelúcia?

Quem divide a atenção, com frequência, entre imagens e sons dos jornais televisivos e a imagem da babá eletrônica?

Quem inúmeras vezes até aqui preparou baldes, banheira e toalhas para banhos da netinha?

Quem?

Quem tem contado os dias a partir da data da chegada de Liz e, até mesmo antes da chegada dela, tecido ilusões a partir de diálogos prováveis?

Então?

Os cientistas do futuro haverão de corrigir ou atenuar suas análises. De minha parte em gostarei de saber, mesmo já estando do outro lado da existência, se é que ela existe, que os estudos constataram que determinados avôs foram indispensáveis na formação e desenvolvimento do HOMO LUDICUS.

Tá bom?

Aqui do meu lado, alguém, representante do grupo foco da pesquisa, depois de ler o meu post disse:

- “É, mas na hora de limpar o cocô você sai correndo...”



Até breve.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

RESPONSABILIDADE



Assistimos ontem, na TV, ao belíssimo filme: “A criança da meia noite”(*).

Romain é um adolescente de quatorze anos como qualquer outro. Ele gosta de sair à rua, gosta de surfar, jogar rúgbi, tem os mesmos desejos de jovens de sua idade. O que o difere dos outros é que ele troca o dia pela noite para poder fazer o que gosta, porque Romain tem uma doença que não o permite ser exposto a raios ultravioletas.

Ele sai normalmente à noite e, quando sai durante o dia, é obrigado a usar uma roupa especial, luvas e uma máscara desenvolvida pela NASA. Até para entrar em lugares com claridade artificial, ele usa um medidor para aferir se a luminosidade está em níveis suportáveis.

O pai fugiu com medo do futuro, quando descobriu que a doença traria ao filho graves complicações e até implicar em um câncer. Por força disto, o garoto projetou a ausência da figura paterna em seu médico, o doutor David.

David, que trata Romain desde criança, desenvolve um laço recíproco com o garoto além da relação médico-paciente. Mas o doutor recebe uma proposta de trabalho no setor de doenças raras na OMS e não sabe como contar para seu paciente preferido que ele será obrigado a deixar o hospital.

Ao longo do filme experimentei diferentes reflexões e sentimentos, todos relacionados a quão é difícil ser pai, especialmente quando as coisas não saem segundo foram desejadas e para as quais, supostamente, se trabalhou.

Lembrei-me agora da reportagem recente de um pai, aqui em Belo Horizonte, que projetou e fez botas especiais para seu filho que sofre de paralisia cerebral e não conseguia jogar futebol com os colegas. O artefato ligando os dois permite ao filho, agora ancorado pelo pai, a prática ainda que precária, do esporte.

Ontem, também e por acaso, estando com Pretinha ela leu uma citação de uma fala de Freud à uma jovem mãe: “Eduque-o como quiser, de qualquer maneira há de educá-lo mal.”

Disso tudo, a questão que me acomete é: quando faltam elementos ao pai para “salvar” o filho de si mesmo, envolto em questões pessoais e históricas que ele próprio é quem teria que investigar, como agir?

Especialmente quando ele já não tem mais quatorze anos.

Até breve.
(*) A CRIANÇA DA MEIA-NOITE
Diretor: Delphine Gleize
Elenco: Vincent Lindon, Emmanuelle Devos, Quentin Challal, Caroline Proust, Nathalie Boutefeu, Laurent Capelluto, Solène Rigot, Maxime Renard, Alexandre Boucher, Noémie Dujardin
Roteiro: Delphine Gleize
Ano: 2011
País: França



domingo, 28 de outubro de 2012

SEMENTE



Era uma vez um desejo, portanto, passível.

Governado pelos fenômenos como a chuva, o trovão, o raio, a fruta, o mel, o dia, o doce e outros tantos e inúmeros. Naturais como milagre.

Fiquei imensamente feliz em ouvir de um dos desejantes que, o objeto do desejo deles, advém de um milagre.

E como tal deve ser reconhecido.

Frustrado o desejo o que paira é uma dor e com ela uma pergunta: o que aconteceu? Tudo o que se disser é preciso que seja vão: não se compreenderá jamais o que é milagre.

Agora é preciso mais aconchego, compreensão e cuidados para que nova busca torne-se possível e natural.

É breve o tempo para que se estabeleça, e não haverá de que o acontecido sirva paralelo ao que está por vir. Novos milagres não pedem parâmetros, apenas advêm.

Pode ser que contribua para reflexão, para revisões oportunas, para ajustes. Os milagres também nos servem a isto.

Importante, talvez, seja já entender quão é delicada e sensível a tarefa. Desde a concepção, a gestação, as primeiras vacinas e até para todo o sempre.

Filhos são milagres e não produto de nossa insignificância, por mais desejantes que possamos ser.

Não somos nós que decidimos: nem quando, nem como, nem quem.

Talvez, resida aqui, a nossa maior lição de limites e de consequente humildade.


Até breve.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

FEL



Feita a denúncia fundada em mais de cinquenta mil páginas de provas, depoimentos, sustentações e todos os demais ingredientes que constituem os chamados autos, que se julgue a ocorrência ou não de delitos e quais são os responsáveis.

Expostos publicamente todos os debates garante-se a lisura e correção do processo além de alargar a compreensão nacional do espaço do judiciário no mundo democrático e de estado de direito.

Fizemos a lição completa.

Estamos na penúltima etapa: confirmados os crimes e os seus respectivos autores, agora se lhes imputará a pena segundo a participação de cada um e em cada delito, a chamada dosimetria. Há ainda a pena pecuniária cujos valores, uma vez confiscados, serão restituídos aos cofres públicos.

Fizemos a lição completa.

A última etapa consiste na sentença: somente para aqueles cujas penas ultrapassarem a oito anos e alguns meses é que ocorrerá a reclusão em regime fechado. Ao cumprirem 1/6 da pena os delituosos poderão ser colocados novamente em liberdade ou em regime semiaberto, situação em que o apenado somente pernoita no cárcere.

Ainda haverá muito a aprender e a fazer.

Digam aí, os mais aficionados, quem foi o campeão brasileiro de futebol de 2004? Pois é, a grande maioria não sabe ou já se esqueceu. Quem matou Max, talvez leve menos anos para se esquecer.  E Odete Rothman, alguns nem se lembram de quem seja.

Alguém sabe aí por onde andam os bárbaros da chacina da Candelária, dos agricultores fuzilados no Pará, apenas para citar alguns crimes hediondos que mancharam nossa história recente.

Meu receio é de que nós brasileiros continuemos de tal sorte alheios ao que se passa que comemoremos a proclamação da sentença final e do destino dos apenados pelo Presidente do STF como uma final de campeonato ou de novela das nove.

E continuemos sendo capazes de cometer chacinas e crimes hediondos, diária e impunemente, como o de hoje: o bárbaro assassinato de uma criança de onze anos que acompanhava sua mãe vítima de um assalto. De qual caso que estou falando? Que importância tem qual?

Amanhã, ao abrir os jornais, você se deparará com outro muito semelhante.

Punir, por se só, não depura.

Pobres de nós.

Até breve.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

a



Ontem fiquei aborrecido. Não consegui visitar Liz e nem publicar post. Desde cedo até as vinte e três horas fiquei confinado em reunião de trabalho. Às vezes, acontece.

Por outro lado, não consegui dormir esta noite atormentado por uma dúvida retrós, ou será, atroz? A expressão, que usei no último post, correta é ponta-a-cabeça ou ponta cabeça? A resposta já havia sido me dada pelo meu lap, sublinhando em vermelho a incorreta.

Fiquei me perguntando se as pessoas que leram o post entenderam o que se passou com Liz. Espero que sim.

Hoje cedo assisti vídeo, gravado por Pretinha, da Liz pegando uma bonequinha de pano. Ninguém suporta mais este avô desocupado dando conta do extraordinário desenvolvimento psicomotor de sua neta.

Mas, insisto. Há aqui algo de aproveitável sim. E não se trata só de afeto não, beiraria ao piegas. Penso que é mais do que isto.

A questão trazida remete à priorização e aplicação do tempo vivido. Meus três filhos nasceram quando eu tinha entre 25 e 28 anos e, à época, eu trabalhava a quilômetros de distância e não conseguia almoçar em casa. Saía às seis e voltava às dezenove. Portanto, não vivi momentos ímpares e significativos do desenvolvimento dos meus guris, especialmente nesta fase em que se encontra Liz.

Não se trata de desejar o ócio permanente para aplicá-lo naquilo que, exclusivamente, nos gere prazer. Claro que não. Seria ótimo demais! Afinal, não viemos ao mundo para sermos felizes. Temos que pagar as contas, portanto, sejamos realistas: há que ralar.

Já que ficou combinado assim: ganharás o pão com o suor do teu rosto, das tuas mãos e de outras partes menos nobres de teu corpo, vais ter que seguir viagem.

Sei não, há que se fazer um balanço. O que verdadeiramente tem importância em se viver? E agora.

Eu, de mim, tô procurando.


Até breve.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

ÂNIMA




Viajei hoje, bem cedo, à Campinas para uma reunião de trabalho. Logo que desembarquei liguei meu celular e vi que havia uma mensagem enviada por Pretinha. Minha filha dava conta e prova (através de foto anexada à mensagem) que Liz havia, na última noite, virado de cabeça para baixo. Explico melhor: minha netinha foi dormir com a cabeça voltada para a cabeceira e amanheceu com cabeça voltada para os pés do berço.
Que importância tem o fato? Nenhuma ou inexpressiva para alguns. Para mim, no entanto, imensa e simbólica. Digo por quê.
Liz empreendeu seu primeiro ato de vontade aos oitenta e quatro dias de vida. Espero que, doravante, seja sempre assim. Vai incomodar muita gente, especialmente os mais próximos. “Onde já se viu?”, será pergunta constante.
E ela virará de ponta-a-cabeça.
Quero que minha neta escolha e atue em prol. Leonina como é, não medirá meios e modos, ainda que correndo riscos.
Virará de ponta-a-cabeça.
Perturbará papai e mamãe, vovôs e vovós, mas irá ao encontro de seu espaço, acho até que com alguma ternura, se for possível. Se não, também.
Virará de ponta-a-cabeça.
Será menina e depois mulher com todas as maquiagens e cuidados outros de fêmea. E, de repente, olhará em alguém e, meu Deus, se apaixonará. Escolherá um caminho e o trilhará determinada, digna e brilhantemente.
Disseram-me, recentemente, que eu falo de Liz de uma forma muito exagerada, como se ter uma neta fosse a coisa mais extraordinária do mundo. O pior que prá mim é mesmo. Liz é fruto e como tal deve ser tratada. De fato quero que ela transborde.
Virando de ponta-a-cabeça.



Até breve.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

FIO



A varanda de nossa casa não foi palco para acontecimentos que nos trouxeram somente alegrias. Experimentamos ali, também, dores singelas e agudas.

Portas de blindex que separam a varanda da sala refletem a exuberante mata que desponta defronte. Inúmeros pássaros já se acidentaram ou morreram ao se chocarem com os vidros, confundindo a imagem com a mata real. Essas são as dores singelas.

Uma dor aguda e recente, constrangedora, diz respeito à explicitação na nossa presença e de outro casal, da provável e profunda crise conjugal que está passando outro casal de amigos.

Quem vive junto há mais de quatro décadas sabe que o cotidiano a dois demanda muito zelo e que inúmeras crises fazem parte de uma vida construída em aliança. Talvez por força dessa experiência saibamos avaliar a gravidade e a intensidade quando crises se instalam em outros casais.

Em briga de marido e mulher não se mete a colher, é um dito cruel. Como amigo, sinto-me na obrigação de intervir, mas como? E quem disse que todo relacionamento deve ser único e eterno? Claro é que ninguém deve se sentir obrigado a seguir uma aliança onde falta.

Sabemos todos que ninguém veio ao mundo para satisfazer plenamente a ninguém. Mas sabemos também que, especialmente na idade madura, é que descobrimos verdadeiramente quem escolhemos para viver os nossos derradeiros dias.

Construímos patrimônio juntos, criamos filhos, começam a frutificar netos, desaceleramos nossos afazeres profissionais em busca de um gozo vivencial merecido. Agora é hora de celebrarmos nossos feitos quase sempre permeados até por algum sacrifício.

É hora de legarmos à posteridade que nossa união valeu.

Uma razão qualquer não deve ser suficiente para colocar tudo a perder. Por mais simples, usual e aceito que seja um desenlace é, pelo menos para mim, um fracasso. E, talvez, o único verdadeiro fracasso que deveria ter expressão.

Assim, há que ponderar não que se submeter. Considerar inúmeros fatores que possam vir a determinar o desenlace. Circunstâncias temporais podem até incendiarem motivos ou oportunidades para justificar ou até permitirem o propósito.

Parece mais simples ficar livre dos cordões que supostamente nos amarram do que usar deles para nos compreendermos melhor e ao outro e tecer ainda mais sólida a mesma aliança.

Sei muito bem que não é tarefa fácil. Mas é a que vale.

Faço isto porque sinto profundamente o momento e estou certo que não estou sozinho. Este casal sempre foi referência para alguns de nós. E nos devem colocar na balança quando forem aferir consequências de uma eventual decisão.

Perdoem-me por isto, também.


Até breve.

domingo, 21 de outubro de 2012

HORAS




Essa cambada acordou às dez da noite. Tinham desabado cada um em camas dos quartos, sofá da sala, redes e sofás das varandas, às sete. Eu, anfitrião, perdi os sentidos às seis, mas por volta das sete e qualquer coisa tava de pé.

Pois bem.

Eles chegaram a partir do meio-dia trazendo sacolas, embrulhos com ingredientes culinários de toda monta, isto aquilo e aquilo outro, até hóstia para fazer base ao caviar.

Duas majestosas lagostas decoradas com três fiotes, um trem de arrepiar. Canelone feita em casa, assim como seu molho de tomates. Camarão de mares de deuses.

Tomamos de um tudo: tinto, branco, sevada e branquinha que só um sorveu meia garrafa. Assim, na veia, liberando os conformes.

Viver, no bastante, perdeu controles.  A gente foi fundo nas prosas, regadas a música que surgia do IPod, aleatoriamente em ritmos e intérpretes. Ajudava à química forjada em anos de cumplicidade, admiração e respeito recíprocos.

Foi de muito e encerrou às seis, quando todos capitulamos aos alcoóis e às lagostas com seus fiotes, às prosas e aos sons de bons acordes e até fados.

Quando acordei estavam Ela e duas outras conversando na cozinha. Juntei-me a elas até as dez, quando a récua começou a aparecer de novo.

- Vamos fazer só o canelone?

Não. O camarão também saiu salteado, exalando da frigideira um perfume que deixou até a Zuca incrédula.
Eram duas da madruga, quando servimos.

- “Eu posso morrer hoje.” Disse alguém, para enunciar o que verdadeiramente basta.

Passava das três e tantas, quando subimos para recolher corpos e espíritos. Sentamos todos à mesa e abrimos a décima-quarta garrafa de um tinto cujo rótulo dava sinal de como estávamos: DOMADOS.

Ao longo do dia alguns disseram: cuidado com o que falam e fazem porque o Agulhô põe na rede.

Resolvi que não. No fundo não cabe denunciar os protagonistas, pois seguramente eles correriam o risco de serem assediados em busca de receita.

Viver não admite roteiros. Demanda outras engenharias mais simples e fundas.


Até breve.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Oi Oi Oi



O ébrio, O rei dos ciganos, A sombra de Rebeca, Anastácia a mulher sem destino, Sangue e areia, Passo dos Ventos, Rosa rebelde, Véu de noiva.

Irmãos coragem, O homem que deve morrer, Selva de pedra, Cavalo de aço, O semideus, Fogo sobre a terra, Escalada, Pecado capital, O casarão, Duas vidas, Espelho mágico, O Astro, Dancing days, Pai herói, Os gigantes.

Água viva, Coração alado, Baila comigo, Brilhante, Sétimo sentido, Sol de verão, Louco amor, Champagne, Partido alto, Corpo a corpo, Roque Santeiro, Selva de pedra, Roda de fogo, O outro, Mandala, Vale tudo, O salvador da pátria, Tieta.

Rainha da sucata, Meu bem meu mal, O dono do mundo, Pedra sobre pedra, De corpo e alma, Renascer, Fera ferida, Pátria minha, A próxima vítima, Explode coração, O fim do mundo, O rei do gado, A indomada, Por amor, Torre de Babel, Suave veneno, Terra Nostra.

Laços de família, Porto dos milagres, O clone, Esperança, Mulheres apaixonadas, Celebridade, Senhora do destino, América, Belíssima, Páginas da vida, Paraíso tropical, Duas caras, A favorita, Caminho das Índias, Viver a vida.

Passione, Insensato coração, Fina Estampa, Avenida Brasil.

Cinquenta anos, setenta e sete novelas no horário das vinte ou vinte e uma horas. O catálogo promocional da Rede Globo para venda de espaços nos intervalos comerciais e merchandising informa que a audiência média atual é de trinta e oito milhões de espectadores por dia. Fenômeno da mídia eletrônica internacional e referência para a instalação de hábitos, falas, trejeitos, usos e costumes da nação brasileira. Ainda que efêmeros.

Pierre Cardin disse, certa vez, que o que move o mundo é a moda e a fome.

A próxima novela dá conta da entrada da comunidade para dentro da sociedade. A trama central rola entre protagonistas: ela, batalhadora honesta da Comunidade do Alemão e ele da Sociedade Estado, capitão do exército, comandante da ocupação.

A sacada é da inclusão no consumo. Antes puta, pobre e preta, agora periguete.

Não duvido que, às tardes, reprisem: VALE TUDO.


SALVE JORGE !!!!!!!!!


Até breve.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ALMA I




“A beleza é tudo aquilo que você não dá conta de ver sozinho. Quando você encontra uma coisa muito bonita, você fala assim: o fulano devia ver isso. Você vê um por de sol muito bonito, você fala: fulana podia estar aqui comigo para ver isso. Você assiste a um filme e sai dizendo que fulano que deveria ver isso. A beleza não cabe em nós. A beleza é profundamente triste quando estamos sozinhos. A gente não dá conta dela. Ela pesa muito. Então você tem que passá-la para alguém.”

Estas são palavras extraídas de Bartolomeu e traduzem o meu encanto pela descoberta.

“Devemos todo o desenvolvimento do mundo à fantasia. A educação não pode se prender somente ao que já foi feito. A educação deve abrir também uma porta para que o sujeito possa fantasiar o futuro e dar corpo a esta fantasia. A literatura deve assumir o lugar da transformação e não só da informação.”

“A gente só suporta o dia de hoje porque temos uma perspectiva do amanhã. O futuro está no campo da fantasia. Não há como viver sem fantasia. Quando você lê você dialoga com a fantasia do escritor. O fenômeno literário, então, é a fantasia do escritor dialogando com a fantasia do leitor e construindo uma terceira obra que jamais será escrita.”

“A literatura concorre para uma sociedade mais harmoniosa, porque pelo texto literário você percebe que o mundo vai além de você. Você aprende com o texto literário a democratizar a razão.”

“Democratizar a razão é saber que o outro também tem razão, a razão não é sua. A minha razão depende da razão do outro. Na medida em que a literatura me traz um outro olhar sobre o mesmo mundo em que eu estou ela me faz mais atencioso, mais cuidadoso, eu escuto melhor porque ler é escutar.”

“Meu avô me ensinou que com as 26 letras do alfabeto eu podia escrever tudo que eu quisesse. Eu achava muito pouca letra para escrever tudo. Então eu estava sempre pensando em escrever uma palavra que eu não desse conta de escrever. A palavra nunca escreve tudo que a emoção sente.”

Este avô teria sido elemento impulsionador para a veia literária do menino Bartolomeu. O velho ganhou a sorte grande na loteria e resolveu nunca mais fazer nada na vida. Comprou uma casa enorme e resolveu escrever pelas paredes da casa. Escrevia sobre tudo: visitas, acontecimentos, lembretes e até coisas impróprias para crianças. Estas eram escritas nas partes mais altas das paredes, dificultando o acesso para que as crianças pudessem ler. Bartolomeu usava todo tipo de móvel para conseguir alcançar os escritos “cabeludos” do avô.

Da mesma forma Bartolomeu foi nutrido por uma de suas avós. Ela usava saias longas e rodadas. À noite, ele conta em entrevista, ela colocava o penico encima da cama, sentava sobre o mesmo, rodava sua saia cobrindo toda a cena e chamava os netos para contar-lhes histórias. Duplo prazer e necessidade.

“Minha mãe morreu muito cedo, morreu de câncer. Ela tinha uma voz muito bonita e quando a dor do câncer era muito grande e ela não estava suportando, ela se sentava na cama e cantava maravilhosamente bem, então a gente sabia que a dor era muita. A voz atravessava a casa inteira, atravessava o quintal e a gente sabia que estava doendo muito. Então eu acho que a minha mãe está presente na minha literatura, porque quando a dor é muita, eu escrevo.”

Não deu prá ler ou ouvir sozinho e ficar só prá mim.


Até breve.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

ALMA




Topei no de repente com Bartolomeu que me torna a mim desnecessitado de palavrares. Ele deu conta da solidão na escrita e foi muito para além do que é possível no de simples.

Achei que era de Manoel de Barros ou Guimarães Rosa, mas é de mineiro de Papagaio, ali próximo de Patos de Minas. Foi embora de nós agora no janeiro de 2012. E eu que só descobri dele agora, me redimi: fui a uma livraria e dei cabo de todos os títulos que tinham esculpidos pelas suas mãos. Treze ao todo. A jovem balconista me perguntou se eu era escritor. Eu respondi que não e ela, depois de um sorrisinho maroto e feliz pela comissão pela venda do pacote, disse: “Eu duvido”.

Mandei mensagem prá Pretinha dizendo que onze vou dar prá Liz de presente, agora dia primeiro, quando ela fará noventa dias de idade: Flora, Somos todos igualzinhos, A filha da preguiça, De não em não, Pedro, Isso não é um elefante, Menino inteiro, O livro de Ana, Os cinco sentidos, Cavaleiros das sete luas e Rosa dos ventos.

Por favor, aí, não contem prá Liz. Será surpresa. Quando ela estiver de entendimentos quero lê-los todos para que ela os saboreie.

Deixei dois comigo: O fio da palavra e Vermelho amargo.

De Vermelho amargo, sorvei para compartilhar com quem interessar possa:

“Há que experimentar o prazer para, só depois, bem suportar a dor. Vim ao mundo molhado pelo desenlace. A dor do parto é também de quem nasce. Todo parto decreta um pesaroso abandono. Nascer é afastar-se – em lágrimas – do paraíso, é condenar-se à liberdade. Houve, e só depois, o tempo da alegria ao enxergar o mundo como o mais absoluto e sucessivo milagre: fogo, água, terra e ar e o impiedoso tempo”. (pag.8)

“A cidade sustentava-se por seus ares de domingo. Aparentemente lerda, se alicerçava sobre secretos sussurros. As casas dormiam no colo de um mentiroso silêncio. Havia, contudo, as frestas das janelas por onde se perscrutava o vizinho. Atrás das portas se escutavam assombros que se supunham segredos. E todas as vidas se viam apregoadas em tom de confidências. As intimidades eram sopradas de ouvido em ouvido e alteradas de boca em boca. Mentiras sobre mentiras. O orvalho, ao cair manso, não refrescava as invejas. Uma cidade afetuosamente cruel.” (pag.15)

“O mundo só nos permite uma baldeação definitiva.” (pag. 38)

“Sempre pensei o ‘sempre’ como um tempo muito longe. O sempre começava no nascimento e acabava, para cada um, numa hora que fugiu do relógio. Viajar para o sempre não demanda bilhete de partida.” (pag.56)

“Desanuviou em mim a idéia de que as coisas existiam alheias a meu desejo. Viver exigia legendar o mundo. Cabia-me o trabalho exaustivo de atribuir sentidos a tudo. Dar sentido é tomar posse dos predicados. Trabalho incessante, este de nomear as coisas. Chamar pelo nome o visível e o invisível é respirar consciência. Dar nome ao real que mora escondido na fantasia é clarear o obscuro.” (pag.62)

Na contra-capa do livro Gabriel Vilela escreveu: “Bartolomeu comanda sua escrita com mãos apolíneas e cérebro dionisíaco, produzindo uma fábula delicada... como arame farpado. Grande alma literária com coração santo.”

Que bom Liz. Vai chegar uma hora de podermos compartilhar histórias de Bartolomeu.

Supostamente infantis.


Até breve.

Queirós, Bartolomeu Campos de (1944 – 2012) – Vermelho amargo: Bartolomeu Campos de Queirós, São Paulo: Cosac Naify, 2011, 77pp

terça-feira, 16 de outubro de 2012

AR

“Hoje completam, exatamente, cinquenta anos do dia, em que um avião de reconhecimento norte-americano descobriu em Cuba lançadores de mísseis nucleares soviéticos, dando início à chamada crise dos mísseis de Cuba.

Na sequência, Moscou e Washington se viram à beira de uma guerra nuclear.

Depois de duas semanas, a crise foi resolvida: a União Soviética prometeu retirar os mísseis de Cuba, e o governo dos EUA, em troca, prometeu não invadir a Ilha da Liberdade.

O site oficial Cubadebate e a edição digital do diário "Granma" divulgam nesta terça-feira a atualização da política migratória vigente para "ajustá-la às condições do presente e do previsível futuro".

"O governo cubano, no exercício de sua soberania, decidiu eliminar o procedimento de solicitação de permissão de saída para viagens ao exterior e deixar sem efeito o requisito da carta de convite", assinala a nota publicada.

Deste modo, a partir de 14 de janeiro de 2013 "só se exigirá a apresentação do passaporte corrente atualizado e o visto do país de destino, quando necessário".

"Serão credores do dito passaporte os cidadãos cubanos que cumpram os requisitos estabelecidos na Lei de Migração".

A reforma migratória cubana também eleva a 24 meses o período máximo de permanência no exterior dos cubanos que viajarem por motivos particulares.

Com esta decisão, o Governo de Raúl Castro se aprofunda em seu plano de reformas e de eliminação de proibições que estiveram vigentes durante décadas.

A reforma migratória era uma das mais aguardadas pelos cubanos, que durante anos foram limitados por um conjunto de regulações restritivas e longos e custosos processos para poder viajar ao exterior.”

Eu estava na porta do hotel onde nos hospedamos em Cayo Largo em nossa viagem à Cuba no final de 2010 e resolvi conversar com um senhor responsável pelo controle de bagagens.

- Então o que é viver em Cuba?

- Uma maravilha!

- Mas o senhor não tem vontade de visitar outros lugares?

- Prá quê?

- O Brasil, por exemplo?

- Já ouvi dizer que é muito bonito também... Mas aqui eu tenho tudo... Aqui é o paraíso, tem até uma praia perto daqui que tem esse nome, o senhor foi conhecê-la?

- Sim.

- Então?

- O senhor tem casa própria?

- É do governo?

- Seus filhos vão à escola?

- Claro e tem médico de graça... Nós temos o que para nós é importante...

- Liberdade?

- Eu tenho um trabalho, minha família está bem cuidada, temos uma natureza maravilhosa, do que eu preciso mais?

- Liberdade?

- O senhor vai às ruas de Havana Vieja e vê nosso povo se não vive feliz...

Toda interpretação se faz possível, inclusive as mais abalizadas. Tenho acompanhado diversas entrevistas de intelectuais e artistas cubanos no programa Sangue Latino do Canal Brasil. A experiência dos cubanos está aí para nos ajudar refletir sobre nossas ações passadas e nossa perspectiva futura.

À parte os posicionamentos exacerbados Cuba ainda é uma oportunidade para reflexão. Os cubanos, mesmos os mais simples como o responsável pelas bagagens daquele hotel citado, têm pensado e fundo se é em direção ao nosso mundo que eles querem seguir viagem.

Eu teria dúvidas.


Até breve.




segunda-feira, 15 de outubro de 2012

TERRA


Ontem fomos almoçar no Taberna Baltazar, na Oriente com Caraça, na Serra, à convite de Fá e Lé. Somente algo de muito especial nos tira de Santa Luzia nos finais de semana.

Funcionava antes na Estevão Pinto e está, há mais de trinta anos, no novo endereço. Baltazar faleceu deixando sua esposa, Dona Teresa, com seu fiel escudeiro Dilson tocando a taberna. Duas filhas, na juventude, foram estudar e agora dividem com a mãe a lida de segunda a domingo, almoço e jantar, exceto jantar aos domingos.

De início a conversa rolou por atualizações, alegrias recentes, Liz e, também, angústias como quem é próximo de sabe. Planos de viagem, compras, negócios e até futebol que tirou Lé algumas vezes da mesa para espreitar como ia o Galo com o Sport.

Escolha do prato, óbvia, bacalhau em sedutoras alternativas de quem traz no sangue o cerne do preparo. Bolinhos de partida e vinho de origem para nós e limonada suíça prá Fá, pois é o que, agora, convém.

Mais tarde o pedido ao Joel, garçom há mais de vinte anos no lugar. Pausa: eu queria muito entender como alguém consegue servir durante tanto tempo. Minha admiração foi de tal sorte que me interessei por ir mais fundo. Perguntei a ele de quem era o lugar. Ele respondeu que a dona estava lá. Eu perguntei-lhe de que região ela era, se era do d’Ouro. Ele disse que não sabia, mas que ir pedir à patroa que viesse a nossa mesa.

Saca a dona? Assim mesmo: linda. Sessenta e cinco anos, daquele tamanho tanto por dentro quanto por fora. Luta brava para se instalar no Brasil, onde está há mais de cinqüenta anos. Com o Baltazar começaram com mercearia, secos e molhados, depois foram para o óleo.

A frente de nossa mesa, ela trouxe suas histórias e por algumas vezes usou do avental para enxugar suas lágrimas, que insistentemente voltavam, quando ela se lembrava que não pode ver suas duas filhas crescerem como acompanha hoje sua netinha com quase um ano de idade.

Hoje, ela tem olhos e lábios que se abrem graves e contagiantes para falar do seu orgulho. Baltazar agonizava, antes de falecer, quando disse a ela: “Continuem o negócio, mas sempre com honestidade”.

Não me perguntem do bacalhau, sequer do bolinho ou do vinho. Está ali algo muito mais nutriente do que especiarias. O sabor está no astral da casa e tudo o que ela envolve.

Dona Teresa é de Peso da Régua, lugarejo que fica na região do D’Ouro, claro, em Portugal. Estivemos exatamente ali em 2010 e soubemos de Dona Teresa o porquê do nome da cidade. É que lá, há muitos anos atrás, era o centro de chegada das uvas colhidas na região em caixotes e containeres padronizados. A paga era feita em função da passada de réguas de madeira na parte superior do container ou caixote, daí Peso da Régua.

Na saída fui me encontrar com Dona Teresa lá dentro da cozinha. Dei-lhe um forte abraço e um beijo e olhei bem no fundo de seus olhos. Todo dia é possível extrair prazer em estar vivo.

O lugar oferece, em um dia de cada mês, uma sardinha assada. Na última vez foram consumidos cento e vinte quilos. A próxima é dia vinte e sete, agora, de outubro. Meu nome é o primeiro da lista com a reserva de doze lugares em mesa escolhida a dedo.

Dia vinte e sete é um sábado.


Até breve.

sábado, 13 de outubro de 2012

ÁGUA



Já disse aqui que deve ser terrível, para quem escreve, a falta de assunto. Neste blog isto é minimizado na medida em que quatro ou cinco autores contribuem com seus posts sempre sob o mesmo pseudônimo. Eu, como editor, é que controlo as publicações que deveriam ser diárias, mas nem sempre as produções ficam a altura da proposta.

Vocês não imaginam como isto se torna, quase sempre, uma árdua tarefa. Esses cinco autores, de quem Narciso teria distância, sempre acham que devem ser privilegiados na publicação.

O família e amigos sempre considera que seus assuntos têm prioridade, já que o que tem valor essencial são os vínculos fraternos. O político, afetado e angustiado, que em Atenas aprendeu que veio de lá a palavra “idiota”: é todo aquele sujeito que não se ocupa da política. Tem o cronista que, sob o enquadre de OLHAR, se mete a opinar sobre fatos e dados do cotidiano e sempre acha que é isto que os leitores procuram. O crítico de arte é o que mais me dá trabalho, já que suas abordagens são nada intelectuais, mas viscerais, e ele também sempre acha que a arte é que transforma e que, portanto, deve ter prioridade.  O corporativo, que tem participado pouco, acha que seu assunto poderia até ser objeto de atenção dos leitores, mas ele prefere dar espaço aos seus colegas de redação.

A resultante do conflito de prioridades me parece que fica explicitado no post mais acessado do blog, aquele em que todos eles não tinham nada a dizer.

Muito bem. Qual autor deve ocupar o espaço de hoje?

Isto me fez lembrar de Pirandello, dramaturgo que escreveu: “Seis personagens a procura de um autor”, um  texto primoroso.

Ontem o post publicado, de manhã, recebeu o título de FOGO. Até agora estou sem entender porque, lido o conteúdo. Ocorre que, no início da tarde, me deparei com uma nuvem densa de fumaça vinda da mata, acionei a vigilância do condomínio que me retornou dizendo que focos de incêndio tinham iniciado na segunda-feira e que eles estavam atentos.

No início da noite o fogo alastrou-se e tomou proporções perigosas. Oito pessoas que prestam serviços ao condomínio embrenharam-se na mata e, na medida do possível, tentaram controlar a expansão da queimada.

Fui para próximo e confesso que fiquei angustiado. Um sentido primitivo tomou conta de mim e eu me pus a olhar para o céu e pedi repetidas vezes que chovesse, sem muita esperança uma vez que estrelas insistiam em brilhar.

Por volta das dez horas da noite ela veio majestosa, lenta, fina, fria e suficiente. No início da madrugada tornou-se mais densa, forte e intensa, lavando o dia insalubre, a poeira, o gosto áspero da garganta. E, sobretudo, apagou todos os focos de incêndio.

Hoje cedo, os autores deste blog me disseram que eu me tranquilizasse: todos de acordo com a idéia para o post de hoje. Escrever é um incêndio de mata interior e só se debela quando fica cristalino.


Até breve.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

FOGO


Hoje, dia reservado às crianças, eu tenho motivos de sobra. Mas não. Liz e os outros netos vindouros ainda não me dão repertório para ocupar-me. Volto, então, a um assunto que entendo estar relacionado exatamente a elas: o futuro.

Em 1972 em cumpri o serviço militar obrigatório. Meus pais viviam com os nervos à flor da pele, receosos de que pudesse se repetir a história ocorrida com meu irmão dois anos antes. Getúlio, que recebeu este nome por força de Vargas, havia sido expulso da Polícia Especial do Exército, em Brasília, por ter sido confundido com um militante da ALN - Aliança Libertadora Nacional organização clandestina que lutava contra a ditadura.

Fiz tudo como a caserna determinava e poupei meus velhos do dissabor. Minha dor de época era destilada nas incontáveis e inesquecíveis madrugadas adentro nos debates com alguns de meus amigos que, como eu, padeciam de sonhos juvenis. A palavra de ordem era Liberdade.

Os bancos da Praça Duque de Caxias, em Santa Teresa, devem ainda ter as marcas dos nossos pés e os espíritos que ali perambulam devem ouvir sons de nossas conversas permeadas de Marx, Engels, Trotsky, Bacunin, Malatesta, Marcuse, Maritain, Paulo Freire, para citar apenas alguns que nos faziam o sangue ferver acreditando estar vivendo um momento histórico e relevante.

Quis a vida orientar-me por outras estradas, mas não ficarei jamais livre da química que forjou meu sangue por aquelas leituras e pelo meu incorrigível desejo de manifestar-me. Mas o personagem deste post não sou eu é outro: o revolucionário, esse sujeito histórico e trágico que avança na direção de suas convicções apaixonadas e desmedidas.

Estávamos sob a égide do Ato Institucional n.o 5, promulgado em dezembro de 1968, que dilacerou tantas histórias pessoais e familiares. E ele deu sustentáculo a inúmeras barbáries que assim como o Holocausto, não podem jamais serem esquecidas.  

Tomo de exemplo de sujeito revolucionário, para compor meu singelo personagem, um nome histórico: José Dirceu. Suponho que sei o que corre nas suas veias e desejo, com a mais pura intenção, que seja verdade: esse sujeito, parece, dedicou-se ao longo de toda vida a uma causa nobre, as melhores condições de vida para o povo de seu país.

Foi assim na época do regime de exceção. Pegou em armas, assaltou bancos para financiar os aparelhos, tudo em nome da causa, quando foi banido, trocado por embaixador americano, ficou exilado durante anos, voltou ao Brasil, viveu clandestinamente e retornou a esfera política face aos novos ventos.

Trinta anos depois, a história lhe reserva o poder. Ele o assume de forma absoluta com todos e amplos poderes e vê, diante de si, a oportunidade da práxis transformadora.

O personagem nos permite refletir sobre ética. A ética não reside nos fins, mas nos meios. Nada me parece mais nobre do que desejar e lutar por um país melhor. Não me parece, contudo, sadio que se passe pelo concurso de armas e nem de outros métodos ainda que extraídos de práticas delituosas utilizadas pelos inimigos. Não.

Nosso personagem é julgado agora por razões objetivas e restritas aquilo que consta nos autos da denúncia feita pelo Ministério Público e endereçada à Suprema Corte. Os métodos utilizados, criminosos, não podem ser compensados e nem considerados olhados pela trajetória dos propósitos.

Esta é a maior lição, supostamente óbvia, que retiro ao refletir sobre essas quatro décadas. A LIBERDADE, esse dom mais profundo, assim como a dignidade, jamais podem se afastar dos princípios do estado de direito, base sólida para que eu e o outro vivamos em comunidade.

Os eminentes e extraordinários Ministros do STF, que me enchem de orgulho, criaram no episódio, jurisprudência: lute, lute, lute sempre, mas jamais perca de vista os meios e, sobretudo, os métodos que os sustentam.

Ao incendiar Roma, para extirpar a luxúria, Nero incendiou Roma.


Até breve.