sexta-feira, 12 de outubro de 2012

FOGO


Hoje, dia reservado às crianças, eu tenho motivos de sobra. Mas não. Liz e os outros netos vindouros ainda não me dão repertório para ocupar-me. Volto, então, a um assunto que entendo estar relacionado exatamente a elas: o futuro.

Em 1972 em cumpri o serviço militar obrigatório. Meus pais viviam com os nervos à flor da pele, receosos de que pudesse se repetir a história ocorrida com meu irmão dois anos antes. Getúlio, que recebeu este nome por força de Vargas, havia sido expulso da Polícia Especial do Exército, em Brasília, por ter sido confundido com um militante da ALN - Aliança Libertadora Nacional organização clandestina que lutava contra a ditadura.

Fiz tudo como a caserna determinava e poupei meus velhos do dissabor. Minha dor de época era destilada nas incontáveis e inesquecíveis madrugadas adentro nos debates com alguns de meus amigos que, como eu, padeciam de sonhos juvenis. A palavra de ordem era Liberdade.

Os bancos da Praça Duque de Caxias, em Santa Teresa, devem ainda ter as marcas dos nossos pés e os espíritos que ali perambulam devem ouvir sons de nossas conversas permeadas de Marx, Engels, Trotsky, Bacunin, Malatesta, Marcuse, Maritain, Paulo Freire, para citar apenas alguns que nos faziam o sangue ferver acreditando estar vivendo um momento histórico e relevante.

Quis a vida orientar-me por outras estradas, mas não ficarei jamais livre da química que forjou meu sangue por aquelas leituras e pelo meu incorrigível desejo de manifestar-me. Mas o personagem deste post não sou eu é outro: o revolucionário, esse sujeito histórico e trágico que avança na direção de suas convicções apaixonadas e desmedidas.

Estávamos sob a égide do Ato Institucional n.o 5, promulgado em dezembro de 1968, que dilacerou tantas histórias pessoais e familiares. E ele deu sustentáculo a inúmeras barbáries que assim como o Holocausto, não podem jamais serem esquecidas.  

Tomo de exemplo de sujeito revolucionário, para compor meu singelo personagem, um nome histórico: José Dirceu. Suponho que sei o que corre nas suas veias e desejo, com a mais pura intenção, que seja verdade: esse sujeito, parece, dedicou-se ao longo de toda vida a uma causa nobre, as melhores condições de vida para o povo de seu país.

Foi assim na época do regime de exceção. Pegou em armas, assaltou bancos para financiar os aparelhos, tudo em nome da causa, quando foi banido, trocado por embaixador americano, ficou exilado durante anos, voltou ao Brasil, viveu clandestinamente e retornou a esfera política face aos novos ventos.

Trinta anos depois, a história lhe reserva o poder. Ele o assume de forma absoluta com todos e amplos poderes e vê, diante de si, a oportunidade da práxis transformadora.

O personagem nos permite refletir sobre ética. A ética não reside nos fins, mas nos meios. Nada me parece mais nobre do que desejar e lutar por um país melhor. Não me parece, contudo, sadio que se passe pelo concurso de armas e nem de outros métodos ainda que extraídos de práticas delituosas utilizadas pelos inimigos. Não.

Nosso personagem é julgado agora por razões objetivas e restritas aquilo que consta nos autos da denúncia feita pelo Ministério Público e endereçada à Suprema Corte. Os métodos utilizados, criminosos, não podem ser compensados e nem considerados olhados pela trajetória dos propósitos.

Esta é a maior lição, supostamente óbvia, que retiro ao refletir sobre essas quatro décadas. A LIBERDADE, esse dom mais profundo, assim como a dignidade, jamais podem se afastar dos princípios do estado de direito, base sólida para que eu e o outro vivamos em comunidade.

Os eminentes e extraordinários Ministros do STF, que me enchem de orgulho, criaram no episódio, jurisprudência: lute, lute, lute sempre, mas jamais perca de vista os meios e, sobretudo, os métodos que os sustentam.

Ao incendiar Roma, para extirpar a luxúria, Nero incendiou Roma.


Até breve.

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