segunda-feira, 22 de outubro de 2012

FIO



A varanda de nossa casa não foi palco para acontecimentos que nos trouxeram somente alegrias. Experimentamos ali, também, dores singelas e agudas.

Portas de blindex que separam a varanda da sala refletem a exuberante mata que desponta defronte. Inúmeros pássaros já se acidentaram ou morreram ao se chocarem com os vidros, confundindo a imagem com a mata real. Essas são as dores singelas.

Uma dor aguda e recente, constrangedora, diz respeito à explicitação na nossa presença e de outro casal, da provável e profunda crise conjugal que está passando outro casal de amigos.

Quem vive junto há mais de quatro décadas sabe que o cotidiano a dois demanda muito zelo e que inúmeras crises fazem parte de uma vida construída em aliança. Talvez por força dessa experiência saibamos avaliar a gravidade e a intensidade quando crises se instalam em outros casais.

Em briga de marido e mulher não se mete a colher, é um dito cruel. Como amigo, sinto-me na obrigação de intervir, mas como? E quem disse que todo relacionamento deve ser único e eterno? Claro é que ninguém deve se sentir obrigado a seguir uma aliança onde falta.

Sabemos todos que ninguém veio ao mundo para satisfazer plenamente a ninguém. Mas sabemos também que, especialmente na idade madura, é que descobrimos verdadeiramente quem escolhemos para viver os nossos derradeiros dias.

Construímos patrimônio juntos, criamos filhos, começam a frutificar netos, desaceleramos nossos afazeres profissionais em busca de um gozo vivencial merecido. Agora é hora de celebrarmos nossos feitos quase sempre permeados até por algum sacrifício.

É hora de legarmos à posteridade que nossa união valeu.

Uma razão qualquer não deve ser suficiente para colocar tudo a perder. Por mais simples, usual e aceito que seja um desenlace é, pelo menos para mim, um fracasso. E, talvez, o único verdadeiro fracasso que deveria ter expressão.

Assim, há que ponderar não que se submeter. Considerar inúmeros fatores que possam vir a determinar o desenlace. Circunstâncias temporais podem até incendiarem motivos ou oportunidades para justificar ou até permitirem o propósito.

Parece mais simples ficar livre dos cordões que supostamente nos amarram do que usar deles para nos compreendermos melhor e ao outro e tecer ainda mais sólida a mesma aliança.

Sei muito bem que não é tarefa fácil. Mas é a que vale.

Faço isto porque sinto profundamente o momento e estou certo que não estou sozinho. Este casal sempre foi referência para alguns de nós. E nos devem colocar na balança quando forem aferir consequências de uma eventual decisão.

Perdoem-me por isto, também.


Até breve.

Um comentário:

  1. No fundo, no fundo,
    bem lá no fundo,
    a gente gostaria
    de ver nossos problemas
    resolvidos por decreto

    a partir desta data,
    aquela mágoa sem remédio
    é considerada nula
    e sobre ela -- silêncio perpétuo

    extinto por lei todo o remorso,
    maldito seja quem olhar pra trás,
    lá pra trás nã há nada,
    e nada mais

    mas problemas não se resolvem,
    problemas têm família grande,
    e aos domingos saem todos passear
    o problema, sua senhora
    e outros pequenos probleminhas.

    Paulo leminski
    (é assim que eu sinto...bjos , liz)

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