sexta-feira, 30 de agosto de 2019

VERSO




Anne With An E renovada para 3ª temporada pela Netflix e CBC


“A vida sem imaginação seria uma agonia.”
Anne

De novo por pressão especial externa, assisti a todos os capítulos das duas temporadas da série da Netflix, ANNE with “E”. O lançamento da terceira temporada está previsto para o próximo mês.

Baseada no livro “Anne of Green Gables” (L.M. Montgomery), de 1908, a série levanta vários temas e tabus da época - feminismo, adoção, bullying, preconceito e o conceito de “família” são alguns dos assuntos que nos conectam ao mundo de Anne de forma muito leve e cativante.

Anne retrata o amadurecimento de uma garota que enfrenta adversidades e desafios para encontrar seu lugar no mundo e ser amada. Ambientada na ilha de Príncipe Eduardo no final do século XIX, a série acompanha a vida de Anne Shirley, uma jovem órfã que, após uma infância de abusos entre orfanatos e casas de estranhos, é enviada para viver com um casal de irmãos em idade avançada que, na verdade, queria um garoto para ajudar nas atividades da fazenda. Sem coragem de desfazer a troca, os dois acabam recebendo uma garota cheia de imaginação e completamente desajustada para a sociedade do final do século XIX. Com o passar do tempo, a pequena garota de treze anos transforma a vida de seus “pais” e de toda a cidade com seu jeito extrovertido, sua inteligência e imaginação brilhante.

Matéria publicada no Estadão de hoje, da qual tomo a liberdade de retirar alguns fragmentos:
“A cultura está, hoje, sob grande ameaça. Cada vez mais, ela é desprezada, perseguida e, mais ainda, satanizada. Este horror à cultura se torna ainda mais radical no caso da poesia. Ela não é, de fato, uma profissão produtiva – não está, por exemplo, no campo dos espetáculos. Na verdade, não é, sequer, uma profissão. Em um tempo no qual se privilegiam a velocidade, os objetivos claros e os resultados, a poesia – a mais estranha e singular atividade humana – se torna suspeita. Mais do que suspeita: perigosa. 
Neste tempo que não aceita a lentidão, a indefinição e o efêmero, não só a poesia, mas também os poetas vivem sob grande risco. Eles ameaçam os princípios dominantes da produção rápida e dos resultados a todo custo. Eles se tornam, em resumo, um perigo que abala a chamada “nova ordem” que hoje se estabelece no poder. Por isso, talvez nunca tenha sido tão importante refletir a respeito da utilidade da poesia.
A poesia é insubmissa e por isso ameaça tanto.
A poesia resiste e insiste. Quanto mais a destratam e a amaldiçoam, mais ela se fortalece. De onde viria essa incrível resistência? De onde a poesia, em tempos tão inóspitos e mesmo tão antipoéticos, retira tanta força? Apesar da aparente inutilidade, deve haver alguma relação profunda entre a “realidade poética” e a “outra realidade” – isto é, a realidade comum. Algum papel crucial ela representa, ou já teria sido varrida do caminho, enxotada, proibida. Alguma força ameaçadora ela detém, ou já teria sido vencida pelo pragmatismo e pelo utilitarismo.
Para ver através da poesia é preciso, primeiro, abandonar nossos conhecimentos passados e já organizados. Que nos dispamos de nossos preconceitos, de nossos vícios intelectuais, de nossas certezas, pois o poema nos obriga a começar tudo de novo, a retomar o ponto zero. Diante do olhar dos poetas, todos os objetos são novos, o mundo está sempre a renascer. 
Só o olhar poético é capaz de apreender a novidade que se esconde detrás dos objetos conhecidos. Uma onda predatória – do conhecimento, da sensibilidade, do fazer – agita, porém, o mundo de hoje, que parece a cada dia mais guiado pela ideia de destruição. Ao abrir novas maneiras de ver, a poesia descerra caminhos alternativos, alarga o horizonte e ajuda a nos salvar da barbárie. 
Platão dizia que a poesia é inútil, porque o poeta não produz nada. O poeta, para o filósofo, seria um peso morto. Esta ideia se perpetuou e, nos últimos tempos, se agravou. A globalização e o ultraliberalismo nos lançaram no domínio do efêmero. Não temos escolha, parece. Ao descerrar novos olhares e novas posições, a poesia nos abre, ainda assim, a possibilidade de outros destinos. Embora infelizmente a maioria de nós continue a acreditar que a poesia não serve para nada, nunca dela precisamos tanto”.
Ontem escrevi sobre sabiar, verbo meu que construí a partir do pássaro (sabiá) que em tupi quer dizer “aquele que reza muito” e com a intenção de passar a ideia de ação para o encontro de uma sabedoria.
Cada dia em que passo, adoro mais minha velhice.

Até breve. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

SABIAR




Envelhecer tem lá suas vantagens.

Uma delas é que tornar-se velho é inexorável e você não precisa entrar em crise se quer ou não quer ficar velho. Querendo ou não você fica.

Outra vantagem é que você já viveu tanta esperança que, de repente, conclui que no fundo são quimeras e como tal servem como um “barato” que passa. Enquanto você está sobre o efeito delas é nirvânico, tântrico, trifânico, birmânico, budânico. Enfim, fumaça.

Ficar velho potencializa a procura de lamentos, especialmente agora, com a lacuna BUSCA em quaisquer merdinhas dessas de tela. Nelas você pode até fazer seu check up quantas vezes e doenças você estiver supondo estar sendo acometido ou queira inventar. Não há plano de saúde gratuito e tão amplo como o GoogleMed e nenhum é portátil, de livre acesso e resposta instantânea sem réplica quanto esta maravilha do GoogleCare.

E a seleção da escuta? Essa não tem preço, Mastercard perde feio. Adoro quando dizem: ele está ficando surdo. O gerúndio aqui é um lenitivo gradual de decibéis.

E o observar o gosto refinado das coisas, tanto as ingeridas, quanto as expelidas? O olhar velho (tanto com os olhos superiores quanto com o olho inferior) com suas retinas/pregas fatigadas de tanto imaginar ver com o filtro da experiência que se quer viver.

A escrita, quando se tem o dom de bulinar as palavras, subvertendo-as, dominando-as por ter sido tão maltratado por elas ao longo de anos. Cândida vingança.

Ficar velho tem suas vantagens.

Em tempos, como o nosso, em que superfície é conteúdo, envelhecer é um bálsamo. A gente passa a olhar para tudo dando a exata medida de valor a cada átimo.

A pressa é inimiga da perfeição. O velho sabe que a perfeição é um cadáver. Para lá nós vamos. Ele anda manso com a cabeça nas nuvens. O dia em que a senhora de negro e foice de lâmina longa vier, ele estará descansado.

Aos velhos, quase sempre, é reservada a melhor vantagem: tornar-se avô, para ser amado, verdadeiramente. Ninguém experimentará o amor verdadeiro se não viver a experiência da avosidade.

O velho pereniza sua ilusão de importância no neto. Acredita que enquanto durar a infância do neto ele será útil.

Por último, aqui (naturalmente), o velho tem a vantagem de apaixonar-se deliberadamente, nem que seja pela sua própria vida. O velho tem uma estória pregressa a ser contada, não um vazio adiante. Ele tem um patrimônio vivencial, não um porvir, sabe-se lá em que direções.

O velho, não importa em que idade que comece a velhice, pode ser mesmo aos trinta e poucos anos, sabe-se.

E esta é a vantagem soberana.


Até breve.


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

ESTÓRIAS




De quebra, fui assistir ontem ao filme Era uma Vez... em Hollywood.

Se Bob Dylan ganhou o Nobel de Literatura, voto em Tarantino para o mesmo prêmio. A obra do cineasta o credencia para a distinção.

No seu filme anterior, Os Oito Odiados, ele trabalha durante aproximadamente uma hora a apresentação dos personagens, sua origem e suas motivações, à medida que se deslocavam pela neve. Esta apresentação, espécie de antessala ao conflito que desencadearia a ação principal, tem ocupado um espaço cada vez maior na filmografia do diretor. Ele prefere deixar em segundo plano as reviravoltas espetaculares para privilegiar a criação de personagens, brincando com estas figuras como quem brinca de bonecos dispostos em situações desconexas, pelo simples prazer do jogo.

A abordagem lúdica resulta na estrutura surpreendente de Era uma Vez... em Hollywood, projeto de três horas de duração que passa mais de duas horas introduzindo personagens e deslocando-os livremente pelo mundo do cinema.

O foco do projeto se encontra no aspecto patético de um ator tentando ser amado e reconhecido, de um dublê que se limita à função de capacho e da esposa-troféu que passa os dias caminhando pela cidade, bela e superficialmente, enquanto a câmera filma sua bunda e seus pés nus.

Tarantino se diverte com o cotidiano destes anti-heróis, os diálogos banais nos bastidores, o momento de dar comida ao cão, os ensaios sozinhos dentro de casa. Seria exagero dizer que Era uma Vez... em Hollywood subverte o glamour do cinema: ele apenas não se interessa por este aspecto, deixando-o em segundo plano ao privilegiar a metalinguagem dos personagens-que-interpretam-personagens.

DiCaprio aparenta se divertir muito no personagem do sujeito infantil, enquanto Pitt encarna o monstro gentil, o tipo cujos sorrisos dóceis escondem uma ferocidade implacável quando necessário.

O filme se arrasta, não apresenta conflitos (leia-se: reviravoltas que mudem os rumos da narrativa) durante aproximadamente 140 minutos, e gira em círculos ao pular de personagem em personagem, os três separados em subtramas paralelas durante a quase integralidade da história.

Talvez esta estratégia seja inteligentíssima, por romper com a estrutura clássica narrativa e evitar o fetiche da violência que se esperaria do cineasta. Talvez ela seja apenas autoindulgente, como se o diretor dissesse filme após filme que não precisa provar nada a ninguém, agradar quem quer que seja.

Tarantino constrói uma introdução de duas horas de duração porque pode fazê-lo, e esta liberdade autoral constitui tanto uma arrogância quanto uma possibilidade real de subversão. É uma pena que, neste caso, a subversão ocorra pelo recurso à frustração. Antes, apenas a violência de Tarantino parecia inconsequente, agora, toda a narrativa se comporta como se acontecesse apesar do espectador.

O diretor recompensa o espectador paciente, que testemunhou mais de duas horas de uma monotonia impecavelmente produzida, através do gozo da violência. A cena, muito bem orquestrada, desperta curiosidade sobre como seria o filme caso houvesse mais cenas deste tipo, e se aparecessem mais cedo na história.

Tarantino é senhor da linguagem e, portanto, um literata. Adoraria vê-lo em Oslo.


Até breve.

domingo, 25 de agosto de 2019

VÍTIMAS




A cada ano sou convidado para comemorar o aniversário de uma amiga junto a um grupo histórico de amigos em Arraial da Ajuda.
Não fui este ano. Ontem falei, por telefone, com a aniversariante que reclamou a minha ausência e disse da falta que faço no encontro, especialmente no que tange a uma leitura do clima.
Mais tarde resolvi enviar a ela mensagem no WhatsApp:
“Querida, não vou mais sujar meus neurônios e nem minhas parcas palavras com nomes e atos destes canalhas históricos.
Reduzo à minha insignificância espelhando-me em Chaplin, quando um dia abandonou tudo e optou pelo ostracismo.
Faço isto para poder rir ainda, nem que seja de mim mesmo.
Perdoe-me por não estar contigo aí.
Grande beijo.”
Embreei-me noite adentro assistindo aos oito capítulos da série espanhola (ou será basca?), A OITAVA VÍTIMA.
Eletrizante, como todo bom enredo comercial, fui ficando e de repente me dei conta que tinha esvaziado uma madrugada.
Atentado terrorista vitima oito pessoas. Sete morrem no local e a oitava, dias depois em um hospital. Filho de um megaempresário.
A delegada responsável pelo caso está grávida de oito meses. O suspeito responsável pelo atentado é um jovem árabe, Omar, que em cena preliminar declara que faltava uma trepada para completar cem com a namorada.
A frenética caçada dá ritmo à trama em que se desvelam os vínculos imbricados dos envolvidos. Não se trata de um atentado, mas de um plano sórdido do irmão da oitava vitima que, preterido pelo pai para assumir a presidência dos negócios, constrói com o chefe geral da polícia (integrante da folha de pagamentos da empresa) a simulação de uma ação terrorista.
Omar é sequestrado por agentes cumplices do chefe para “pagar o pato”.
O filho esperado pela delegada é fruto de relação com a oitava vitima, casado com uma fulana que é cobiçada pelo irmão do infeliz desde que ela surgiu na família em que tudo que acontece deve ser superado.
Personagem rico, jornalista investigativo, tece os contornos das motivações dos protagonistas, com cenas hilariantes, como é de praxe em roteiros desse quilate, tendo como informante e suporte principal a namorada de Omar.
Mistericos depois com direito a centésima trepada inclusa, a madrugada chegou com o oitavo capítulo da série oitava vítima, empresário amante de uma delegada de quem esperava um filho há oito meses.
Ah, desculpe. A oitava vitima não era filho do empresário, mas fruto de uma escapada da matrona. Filho mesmo era o arquiteto da jogada toda. Morrem: a esposa da oitava vítima, o chefe da polícia articulador e um de seus agentes, um amigo de Omar e a cachorra do jornalista, além das sete vítimas do atentado que não têm a menor importância, naturalmente.
Desfecho: o pai articula com a alta cúpula do judiciário e dos órgãos de segurança pública, a versão final dos fatos. Omar pega trinta anos e a namorada doze.
Fui dormir pensando como deve ser difícil viver na Europa cuja realidade permite iluminar ficções tão estapafúrdias.
Alguém aí vai me excomungar por ter dado a ficha toda do filme. E não terá sido assim em todos os meus posts em que li o clima?

Até breve.

domingo, 11 de agosto de 2019

QUERERES

Impressionista
Adélia Prado

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.




Voltei com gosto ao meu gosto. É bom escrever.

Lembram de que teve época em que eu inventei de publicar livros com perspectivas de disputar o Nobel de Literatura de 2042 e ir busca-lo em Oslo vestido como uma libélula?

Sou inseguro, frágil, carente e ávido por palcos. Desde pequeno, culpa de minha mãe que me levou para concorrer em um concurso de beleza. Deu nisso, não é por outra razão que durante décadas fiz palestras Brasil a fora, contando meus causos e achando que isto pudesse servir a alguém.

Hoje não correria o risco em concursos de beleza e palestras não faço mais.

Quanto à Oslo, estou achando mais fácil tornar-me libélula do que editar livros e, por eles, ao completar meus noventa anos, ser reconhecido internacionalmente pelo gigantismo de minha obra.

Alguém me lendo disse que eu não deveria tentar romances, contos, poesia, minha pegada está em argumento para cinema. Que há poucas ideias originais para a telona e eu tenho muita sacada para personagens e “cenas” cinematográficas. Acho que é uma forma delicada de dizer para eu abandonar o projeto de vez ou então, mais provável, que sou um delirante.

Um dos males que a tecnologia disponibiliza e de grátis é a possibilidade de infelizes debruçarem seus meleguelens em redes sociais e blogs como este. O que você tem a ver com minhas idiossincrasias?

Gosto de escrever. Escrevo exclusivamente para mim próprio e reside aqui a minha impertinência: tornar-me universal por isto. De quando em vez releio alguns de meus posts publicados aqui e me pergunto: como eu posso ser tantos e de tantas diferentes formas?

O que pode ser mais universal do que a procura de ser?

Nesta altura os anos têm me apontado direções diversas. Respondendo a um comentário de uma amiga a um de meus posts recente, disse a ela que eu estou mais próximo de estar abaixo do solo do que de Oslo. Mero posicionamento de duas letrinhas.

Juro que não sei onde vai dar este texto se é que tem que dar em alguma coisa. Tenho lido tanto ultimamente, por uma especial pressão externa, que conteúdo é que não me falta para abordar algo de relevância.

Ah, sim! Achei um assunto. Ontem passeava com Totô e Lelê nas cercanias da nossa casa de Santa Luzia. De repente avistei uma gatinha branca, bem pequena, saindo arisca e desesperada de dentro da mata.

O desespero do animalzinho aumentou quando minhas duas cachorras, que nos acompanhavam, ferveu pra cima da infeliz. Gritei e não sei quem ficou mais paralisado: as cachorras, meus netos ou a gatinha. Mas foi o suficiente para a felina embrenhar-se novamente na mata e se salvar das garras de Laka e Barbie.

Acalmado os ânimos, sugeri à Lelê e ao Totô que tentássemos pegar a gatinha e leva-la para casa. No princípio não houve consenso e prevaleceu a vontade do melhor preparado para a decisão.

Alguns cortes nas mãos e braço depois, e tendo não acatado a primeira sugestão de Totô para que acionássemos o Corpo de Bombeiros para fazer o resgate, tendo optado pela segunda que foi voltar em casa e pegar a peneira da piscina com seu cabo longo, a façanha foi coroada de êxito.

Virou o assunto do final de semana. Foi batizada por Lelê de Fofinha. Algo que me vêm de longe me sugere outro nome: Arara.

Face a tantas fake news, que assolam a rede, abaixo video e foto que comprovam a empreita. 



Até breve.









quinta-feira, 8 de agosto de 2019

SENSO




Para aliviar as tensões ou para lança-las em outro campo das paixões o post de hoje dribla meu foco permanente de atenção e se volta para o Cruzeiro, herança paterna, como na maioria dos casos.

"Gostaria de comunicar que a gente interrompe o trabalho à frente do Cruzeiro. A decisão partiu de uma consciência que as coisas podem piorar e elas não podem piorar. A série de jogos sem vitória, a maneira que a gente está perdendo, são sinais de que algo precisa ser mudado".

"O futebol que dá é o mesmo que tira. E agora ele resolveu tirar. O balanço é bom. Três anos com quatro títulos é um bom desempenho. Mas o Cruzeiro precisa reagir, hoje precisa vir outro profissional, com outra cabeça, para propor uma reação que não pode mais demorar para acontecer. As causas são mais complexas, mas sou responsável pelos maus resultados. A saída é justa."

Declarações do Mano Menezes, que me agradaram de ouvir ontem à noite, após a derrota dentro de casa para o Internacional.

À margem o futebol, que gosto de ver é dentro das quatro linhas, Mano ainda que breve, nos ajuda a pensar no campo da liderança, território em que manobro há décadas.

“As coisas podem piorar e elas não podem piorar”, sinaliza uma visão muito madura e senso de urgência indispensáveis àquele que ocupa uma posição como a do treinador.

“...hoje precisa vir outro profissional, com outra cabeça, para propor uma reação que não pode mais demorar para acontecer”, denota uma lição de humildade e compromisso com aquilo a que se propôs dentro do contrato celebrado com a instituição.

A atitude de Mano sugere um controle muito adequado de suas potencialidades (“A decisão partiu de uma consciência”) sem perda de sua autoestima (O balanço é bom) e “A saída é justa”, ainda que não fuja de sua responsabilidade: “sou responsável pelos maus resultados”.

Não são atitudes comuns e com o nível de serenidade e assertividade que o episódio nos contempla, quando olhamos no âmbito do mundo corporativo ou em outros diferentes campos do cotidiano.

Penso que deveríamos prestar atenção a estes episódios e louvar a atitude de seus protagonistas. Foi o que procurei fazer aqui.

Brigado, Mano! Valeu!



Até breve. (Aqui endereçado, como de praxe, aos leitores, naturalmente)

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

MISERIZAÇÃO




“Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?
(T.S. Eliot)

“Apresse-se devagar.” 
(Ítalo Calvino)


No último fim de semana enviei a inúmeros caros amigos, via WhatsApp, a indicação para que lessem o livro O cérebro no Mundo Digital, escrito pela neurocientista americana Maryanne Wolf. (*)

A autora de mais de 160 publicações científicas desenvolveu uma tese que, na mensagem enviada, considerei imprescindível conhecer.

“Quando há uma sobrecarga excessiva de informação, a construção do conhecimento de fundo se torna mais difícil. Por recebermos tanto input, já não gastamos o tempo necessário para por à prova, fazer analogias e armazenar a informação recém-chegada, com consequências para o que sabemos e como estabelecemos inferências.” (Pag.141).

“Esses não são de maneira alguma pensamentos novos para mim ou para outros. Tanto as mensagens icônicas de Marshall McLuhan a respeito da influência que as mídias exercem sobre nós, quanto as exortações de vários filósofos remetem, mais uma vez, à preocupação original de Sócrates de que a leitura mudaria o pensamento de modo permanente. ‘Se os homens aprenderem isso, o esquecimento será implantado em suas almas, eles deixarão de exercitar a memória por confiar naquilo que está escrito, evocando as coisas para a recordação não mais do interior de si mesmos, mas por meio de sinais externos’.”.(Pag.112)

Marianne descreve trecho de uma entrevista ao Washington Post dada por uma dos mestres do gênero fake News: “Honestamente, as pessoas estão definitivamente mais burras. Elas só ficam passando coisas adiante. Ninguém checa mais nada. Separar a verdade da ficção leva tempo, letramento informacional e uma mente aberta, coisas que parecem estar em falta numa cultura desatenta e polarizada. Gostamos de compartilhar instantaneamente – e isso nos torna facilmente manipuláveis”.

“Preocupada com a leitura, a questão com a qual me defronto é se as plataformas internas cuidadosamente construídas estarão formadas em nossos jovens antes que se voltem automaticamente para a sua inteligência usual quando se defrontam com um nome ou conceito desconhecido. Não é que eu prefira as plataformas de conhecimento internas às externas, quero as duas, mas a interna tem que estar suficientemente formada antes que a confiança automática nas externas assuma o controle. Somente com essa sequência no desenvolvimento confio que eles saberão quando não sabem”. (Pag.106/107).

Qual será o destino dos livros e poemas recheados de metáforas e analogias, cujos referentes já não são do senso comum? O que acontecerá se o repertório compartilhado de alusões de uma cultura – metáforas da Bíblia; mitos e fábulas; versos de poemas que ficaram na memória; personagens de narrativas – começar a encolher e for desaparecendo gradualmente?

O que acontecerá se a língua dos livros deixar de ser adequada ao estilo cognitivo da cultura – que é rápido, pesadamente visual e artificialmente truncado? Mudará com a escrita e, com ela, o leitor, o escritor, o editor e a própria linguagem? Estaríamos testemunhando em nossas diferentes profissões, o começo de um recuo de formas intelectualmente mais exigentes da linguagem até que – como a mal fadada cama de Procusto – ela se torne adequada às normas imperceptivelmente redutoras de uma leitura feita em telas cada vez menores?

Para quem não sabe, ainda: a mitologia grega descreve Procusto como um bandido que tinha uma cama com o tamanho exato de seu corpo. Quando hospedava algum viajante maior do que a cama, costumava decapitá-lo ou amputar-lhe os pés. Acabou punido com o suplício que ele tinha inventado, quando o herói Teseu o deitou transversalmente nessa mesma cama e cortou sua cabeça e seus pés.

Se comparem este post à grande maioria dos outros tantos editados aqui verão a densidade da escrita. Provavelmente, alguns dos meus parcos leitores, ao abrirem esta página deixarão de lê-lo. “Textão”, dirão.

Ganhei de meu filho há algum tempo o clássico de Emile Zola, Germinal. Vladimir sempre soube quanto este livro me marcou e por esta razão quis me presentear.

O livro está bem a minha frente na estante e, zilhões de vezes, penso em relê-lo. São densas, intensas, profundas e contundentes 556 páginas escritas em fonte pequena.

Eu não tenho mais saco. Está fora de questão. Por conseguinte meu texto clama pelas entrelinhas, pede folego, até meu título reduz a uma única palavra.


Até breve.
(*) O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era/ Maryanne Wolf; tradução Rodolfo Ilari, Mayumi Ilari. – São Paulo: Contexto, 2019.


sábado, 3 de agosto de 2019

ZIQUIZIRA




“O único jeito de falar a minha verdade e deixar a sala tensa é mostrar minha raiva. Eu sinto raiva e tenho todo o direito de sentir. Não tenho direito é de espalhá-la.”
(Hannah Gadsby)

Lembra-se de minha fixação por horóscopo? Pois é. Leia o de hoje:

“Hoje é um dia tão cheio de potencialidades que tu precisas tomar cuidado para que não chegue ao fim e tu ainda estejas com a alma tomada de questionamentos sobre que escolha fazer. Melhor fazer uma escolha errada e o reconhecer na prática do que passar o tempo sem fazer nada, com medo de escolher errado. A vida é generosa e graciosa, se tu não acertas hoje, mas continuas persistindo na busca criativa de construir uma experiência satisfatória, que imprima influência no mundo, não haverá nada nem ninguém que possa deter teu progresso. A única atitude que não deves tomar, porque iria contra tuas aspirações, é a de ficar pensando e sentindo mundos maravilhosos sem nunca te atrever a colocar em prática sequer uma fração da riqueza de tua vida interior. Melhor errar e fazer do que cometer o equívoco de nada fazer.” (Quiroga, no Estadão de hoje).

Na verdade eu nunca consigo ficar sem fazer nada. Na maioria das vezes me sinto vivo e isso já me dá um trabalho danado. Quanto à influência no mundo, um ou outro de meus netos tem sido vitimado pelas minhas idiossincrasias. Coitados!

Minha riqueza interior, isto me dá calafrios. Ninguém que vive em minhas entranhas sabe, exatamente, que ouro ou lata de refugos purula em minhas veias. Eu, às vezes, tenho verdadeiro pavor do que sinto. Que penso então, nem se me fale.

Uma amiga-irmã insiste que padeço, como ela, de pensamentos sórdidos. Amizades muito longas e profundas dão nisso. O direito de o outro lançar suas projeções sobre nós.

Sórdido, eu? Sempre que ela diz isso, me pergunto se já não deveria ter excluído a infeliz do meu rol, mais do que restrito de amizades, ou desaguado sobre ela todo o melhor da minha sordidez.

Caramba, mas não era sobre isto que eu queria falar. E agora já nem me lembro muito bem do que era. Ah, sim, de terminar o dia com a sensação de não ter feito nada.

E da raiva e do direito de destilá-la.

Raiva? De jeito nenhum. Eu não sinto raiva de nada, sou um sujeito mais do que brando, pacífico, contemporizador, uma dama.

Mas, TAQUIPARIU, para tudo o que está aí.

Onde? Que cada um procure sua raiva, motivos não faltam. Só não a destilem sobre mim. Ninguém suporta tantas.



Até breve. 

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

PROTEÍNA





Ontem estive em um jantar oferecido por queridos amigos para acolher a visita da filha, bailarina na Europa que, para fazer seus meios de sobrevivência, baila também como garçonete em restaurantes.

A maravilhosa menina oferece ainda suas curvas, sua beleza atípica, sua simpatia e leveza como modelo físico em escolas de belas artes.

E faz turnês com diferentes academias, realizando um sonho (deste sempre) em ser, essencialmente, o que é: bailarina.

Lá pelas tantas, inevitável e infelizmente, pinta à mesa um assunto desnutriente: puslítica.

E para reduzir a uma síntese fico com a fala de um amigo, que sempre fala pouco, mas quando fala, diz. Para fazer um contraponto ao que estava rolando no cardápio do desbate (assim mesmo como está escrito) ele jogou: “O que está aí é menos pior”.

Não processei de imediato, vim fazê-lo somente hoje cedo. Há quanto tempo estamos expostos a escolher o PIOR, ainda que menos?

De quebra, recebo de um querido amigo, via WhatsApp, um post do Stephen Kanitz publicado na sua página do Facebook: Por que não temos empresários de esquerda?

Nada me escandaliza mais do que a redução do que se passa à simplória compreensão de que há um embate entre esquerda e direita. Pobre destas direções que de tanto se colocarem estéreis, para não dizer histéricas, se ensandecem em suas convicções e fazem com que a força resultante nos empurre para trás.

Além da vilania, do câncer em metástase que pustula há décadas em todos os entes públicos de todas as instâncias dos poderes institucionais, some a incompetência, a omissão e o conluio de empresários que se locupletam para fazerem suas organizações magnânimas. Nada mais torpe!

E isso não tem cor, nem ideologia, nem direção, nem esquerda, nem direita nem em nenhuma palavra que tenha como sufixo ISMO, tipo: capitalismo, socialismo, comunismo, bases arcaicas, velhas, que deveriam estar sendo enterradas inclusive em academias as mais brilhosas.

O que há são interesses espúrios e isto parece constituir a natureza humana. O nome que se dá às “coisas” vêm depois dos atos.

Minha paixão se veste em outro lugar. O que me encanta é ver, no pequeno, o empresariamento de um desejo.

O que me encanta é essa singela bailarina que nos disse ontem, cheia de orgulho e verdade genuína, que quer independer-se sem afastar-se jamais de seu sonho de infância.

O que mais interessa?

Do jantar servido ontem, além de pratos e vinhos deliciosos, fui nutrido por algo que falta e, como falta: VALOR.



Até breve.