segunda-feira, 26 de agosto de 2019

ESTÓRIAS




De quebra, fui assistir ontem ao filme Era uma Vez... em Hollywood.

Se Bob Dylan ganhou o Nobel de Literatura, voto em Tarantino para o mesmo prêmio. A obra do cineasta o credencia para a distinção.

No seu filme anterior, Os Oito Odiados, ele trabalha durante aproximadamente uma hora a apresentação dos personagens, sua origem e suas motivações, à medida que se deslocavam pela neve. Esta apresentação, espécie de antessala ao conflito que desencadearia a ação principal, tem ocupado um espaço cada vez maior na filmografia do diretor. Ele prefere deixar em segundo plano as reviravoltas espetaculares para privilegiar a criação de personagens, brincando com estas figuras como quem brinca de bonecos dispostos em situações desconexas, pelo simples prazer do jogo.

A abordagem lúdica resulta na estrutura surpreendente de Era uma Vez... em Hollywood, projeto de três horas de duração que passa mais de duas horas introduzindo personagens e deslocando-os livremente pelo mundo do cinema.

O foco do projeto se encontra no aspecto patético de um ator tentando ser amado e reconhecido, de um dublê que se limita à função de capacho e da esposa-troféu que passa os dias caminhando pela cidade, bela e superficialmente, enquanto a câmera filma sua bunda e seus pés nus.

Tarantino se diverte com o cotidiano destes anti-heróis, os diálogos banais nos bastidores, o momento de dar comida ao cão, os ensaios sozinhos dentro de casa. Seria exagero dizer que Era uma Vez... em Hollywood subverte o glamour do cinema: ele apenas não se interessa por este aspecto, deixando-o em segundo plano ao privilegiar a metalinguagem dos personagens-que-interpretam-personagens.

DiCaprio aparenta se divertir muito no personagem do sujeito infantil, enquanto Pitt encarna o monstro gentil, o tipo cujos sorrisos dóceis escondem uma ferocidade implacável quando necessário.

O filme se arrasta, não apresenta conflitos (leia-se: reviravoltas que mudem os rumos da narrativa) durante aproximadamente 140 minutos, e gira em círculos ao pular de personagem em personagem, os três separados em subtramas paralelas durante a quase integralidade da história.

Talvez esta estratégia seja inteligentíssima, por romper com a estrutura clássica narrativa e evitar o fetiche da violência que se esperaria do cineasta. Talvez ela seja apenas autoindulgente, como se o diretor dissesse filme após filme que não precisa provar nada a ninguém, agradar quem quer que seja.

Tarantino constrói uma introdução de duas horas de duração porque pode fazê-lo, e esta liberdade autoral constitui tanto uma arrogância quanto uma possibilidade real de subversão. É uma pena que, neste caso, a subversão ocorra pelo recurso à frustração. Antes, apenas a violência de Tarantino parecia inconsequente, agora, toda a narrativa se comporta como se acontecesse apesar do espectador.

O diretor recompensa o espectador paciente, que testemunhou mais de duas horas de uma monotonia impecavelmente produzida, através do gozo da violência. A cena, muito bem orquestrada, desperta curiosidade sobre como seria o filme caso houvesse mais cenas deste tipo, e se aparecessem mais cedo na história.

Tarantino é senhor da linguagem e, portanto, um literata. Adoraria vê-lo em Oslo.


Até breve.

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