quinta-feira, 28 de julho de 2016

TORMENTA




Estou convidado a falar em encontro de empresários que se propõem a debater sobre perspectivas para o futuro. Pediram que eu discorresse sobre a questão da cidadania. Enviei à coordenação do evento o título para a minha palestra: Cidadania, base para a Sustentabilidade.

Pois é, provocação pura. Não há nada mais óbvio do que a assertiva contempla. E tenho as más intenções de ir à corrente de que é exatamente o óbvio que nos escandaliza.

Ora, desde sempre optamos pelo equívoco. Na origem, contrariando, caímos com todos os dentes sobre a maçã. Antônio Fagundes, ontem no programa de Tony Ramos no Canal Brasil, lembrou Borges: “O homem é um projeto que não deu certo”.

Longe de ser patológico é da natureza, da essência humana, desde os primórdios a opção pelo equívoco. Mesmo que eu saiba, que eu tenha mais do que certeza, ainda assim eu ajo, rigorosamente, contrariando.

“O Ministério da Saúde adverte: fumar dá câncer”.

Um náufrago em uma ilha é um ser humano. Dois seres humanos náufragos em uma ilha constituem-se como cidadãos. E por quê? Porque, provavelmente, optarão por dividirem o espaço, os meios de sobrevivência, segurança, projetos, enfim, convivência.

Estabelecerão papeis, responsabilidades, limites e, sobretudo, contratos que, fatalmente, serão descumpridos. A cidadela nada mais é do que os limites para a transgressão dos membros que a constituem.

Claro que esta condição agrava-se na medida em que mais náufragos habitam a ilha. Em 1830 d.C. somavam dispersos 1 bilhão, hoje a ilha contém 7,5 bilhões de náufragos.

Outra agravante é que, engenhosos que são, os seres humanos náufragos na ilha desenvolveram meios e modos de operar a sobrevivência, claro que não extensivos a todos.

Há aí 1,5 bilhão que não devem ser considerados para nada. Habitam a ilha, mas sequer receberam um nome, portanto, não podem ser considerados cidadãos. Náufragos, talvez, mas excluídos miseráveis. Os 65 milhões de náufragos mortos vivos que perambulam europas daqui para ali refugiados de suas cidadelas, buscam desesperadamente uma pousada. Estes são cidadãos de outra categoria.

Na outra ponta, pouco mais de mil e poucos seres humanos náufragos, aqueles que têm em seu patrimônio pessoal um ou mais bilhões de dólares, gozam de privilégios de sobrevivência inimagináveis aos demais.

Objetivando estruturar direitos e deveres os seres humanos náufragos desenvolveram a Política Institucional que é o espaço da partilha de interesses, logo e obviamente, matriz e sede de toda corrupção.

E para completar tudo isto, de umas décadas para cá os seres humanos náufragos desenvolveram tecnologia que dá acesso, portabilidade e instantaneidade a tudo sobre o que se sabe e que se passa na ilha. Conclusão: em que pese às diferenças fundadas na história de cada cidadela, não há nada hoje que não as afete mutuamente.

Somos náufragos, todos, em uma única ilha.

Daí? Só participando da palestra.



Até breve.

domingo, 24 de julho de 2016

VOLTAS



Despencou o número de acessos ao dasLetra. Presumo que por duas razões: tenho postado menos e porque boa parte dos meus leitores encontram-se de férias, período em que as pessoas não perdem tempo com desinteressâncias.

Se bem que não. Zincrando por outras redes sociais vejo amigos, que escrevem, com dezenas ou centenas de curtidas e inúmeros comentários, a maioria exaltando a extraordinária competência dos mesmos.

Ontem, por isto, pelei-me todo de inveja e quando me expiei no espelho senti náuseas. Nada a ver com as de já há muito convalescências. Pura sensação de desconforto trazida pelo maquiavélico e mórbido desvio.

Por outra, fomos na tarde de ontem ao aniversário de cinco anos do filho da namorada do BÊ.  Bacaninha, mas de quando eu vez em sentia falta de uns gritinhos a mim familiares. Paciência, boralá.

À noite fomos pajear Antônio e Helena. Vlad e Fá foram ao casamento de uma prima dela. Por questões de restrições etílicas Vlad resolveu ir de taxi. Fiquei chocado quando propus que ele fosse de UBER. 

- “Não uso, pai, esses caras não pagam impostos.”

- “Não Lé, eles agora estão pagando uma taxa à prefeitura, se bem que só em São Paulo, eu acho...”

- “Não uso.” 

Alguns fazem discurso social, até em blogs, outros praticam.

Pajem tranquila. Antônio tem um dispositivo eletrônico atrás da orelha esquerda ON/OFF que ao acioná-lo o figura entra em alfa e não dá notícia de mais nada. Helena, amamentada pela mamãe antes de sair, vai querer mais o quê? 

Assistimos um filme bósnio na TV Futura. Ótimo, mas não me peçam para comentar. Não aumentará em nada o número de acessos aqui, além de eu não receber nenhum feedback, melhor, retorno.

Antes vi trechos do jornalismo. Terror de lobo solitário webiano nas Alemanhas e prisão dos nossos doze ou treze, na verdade quatorze, um ainda está foragido, psicopatas pseudoreligiosos. 

Olímpiadas preservadas pela magnitude da eficiência do Estado Tampão. Aliás o terror lá fora mata centenas ao ano, aqui já incorporado à paisagem, passam de cinquenta e cinco mil inocentes que sobem mais cedo.

Ali pelas meia-noite e quinze tocamos para Santa Luzia. 

Aos poucos vou voltando à minha solidão real e me fartando da virtual.


Até breve.

OBS.: Para quem estiver chegando agora e não sabe: BÊ é meu filho mais novo, Vlad o mais velho, casado com Fá, pais de Antônio e Helena. Os gritinhos ausentes são de Liz e Valentin, filhos de Pretinha minha filha e Claúdio, que foram para Lages-SC na quinta..


sábado, 23 de julho de 2016

VÁCUO



Pois é, o Tempo.

Na equação, a variável determinante. É ela que leva ao resultado.  

Diante da única certeza, que é a morte, cabe a Vida pelo imponderável das infinitas escolhas lançadas ao Tempo.

Eu, até por isto, agradeço cotidianamente à Vida. Poucas escolhas que fiz, tivesse o Tempo novamente, alteraria. 

E na medida em que passa, sofisticam. Mesmo que com uma angústia maior, sempre presente em qualquer escolha, agora e adiante mais pura, no sentido de mais elaborada.

Do prosaico, como a escolha de trabalhos profissionais, ao profundo, como com quem escolho me relacionar e com viver.

No prosaico há ainda pagar as contas, trocar os morões da cerca da nossa casa em Santa Luzia. Modificar lay out de móveis, reparar quadros nas paredes, martelinho-de-ouro nos dois carros em seus pequenos arranhões. Tudo que enche Tempo.

No profundo, guardar a consciência para tratar do que verdadeiramente importa e que implique em significado. Olhar o que se passa, pensar, refletir, escrever. Tudo que nutre Tempo. 

Na imensidão do porvir, que pode ser a qualquer instante ou de um depois largo, mergulhar na esperança ativa de ainda contribuir, mesmo que pouco. Sem alarde e deslumbramentos.

Alguém me perguntou o que aconteceu com o Mundo. Taí algo que vale Tempo. São tantos e diversos os acontecimentos, que escolha de olhar fazer? 

Política? Social? Econômica? Cultural? Artística? 

Haja Tempo para investigar sobre qualquer prisma. O que aconteceu? E se quiser ampliar Tempo, o que acontecerá?

Pois é. Falando nisso...


Até breve.



quinta-feira, 21 de julho de 2016

CONFESSO QUE VIVI





Pai,

Estamiro...

Você deu a mim, digo, aos seus netos, Liz e Valentin, o maior e mais raro presente que alguém podia ganhar...

Você dedicou o seu tempo.

Tempo para niná-los, tempo para trocá-los, tempo para brincar com eles, tempo para alimentá-los, tempo para criar estórias mirabolantes, tempo para ensiná-los... Tempo.. Tempo... Tempo... Tempo para amá-los...

Tempo... Tempo...

Não tem como te agradecer por tudo que já fez por mim, fez e faz por eles. E não precisa de eu falar nada, eles dizem, demonstram.

Sei que tumultuo um pouco, mas por que será que sou sempre chamada de “Agulhozinha”? Num sei... Sei que tenho orgulho disso...

E como você me ensinou a caminhar, sempre em frente, mesmo que apareçam calos algumas vezes, esse presente é para você também não deixar de caminhar para nos visitar, mesmo que seja na neve...

Amo você!

Beijos, sua filha


Pretinha.


ABRINDO PORTAS A OUTRAS EXPERIÊNCIAS

terça-feira, 12 de julho de 2016

PILAR



Afetuosa amiga do facebook inquiriu-me, por que eu não tenho escrito no blog. Confesso que me surpreendi. Depois de tantos anos, mais de cinco, quase sempre postando a cada dois dias, nos últimos meses tenho me dedicado menos a este prazer solitário.

Minha amiga ainda me consulta se estou bem.

Se disser que não me importo com o retorno aos meus posts, que escrevo exclusivamente para mim, afastar meus dissabores, destilar meus horrores, iluminar minhas crenças, seilá mais porquês, estarei mentindo, mesmo que parcialmente.

Escrevo para inscrever. Botar uma colher no meio. Significar. Posicionar. Refletir.

De uns tempos prá cá, física e intelectualmente confesso que venho sentindo-me mais débil. Psicologicamente, nem tanto, mas duas intervenções cirúrgicas em seis meses, delicadas e dolorosas tiram reboleio de qualquer esqueleto.

Intelectualmente meu destesão parece-me mais forte, não gosto do que venho acompanhando em diferentes esferas, especialmente no debate sócio-político. Não sem razão minhas últimas incursões no tema, INSTÂNCIA onde “entrego prá Deus” a saída da crise institucional e TUMOR para denunciar que não existem lideranças isentas ao processo de lavagem.

Fui prá ficção no último post e, como de outras vezes, se me pedirem para interpretá-lo eu direi que estou “de altas”. Ficou pouco para legado, mas foi o que pintou, então fica.

Há um assunto que, em outra época, teria sido objeto de muitas linhas. E eu acho que falo dele agora só porque fui agulhado pela querida amiga feicebucana, que também, parece-me, tem um profundo zelo com família.

Claudio transferiu-se para Lajes – SC. Implica na ida de Pretinha, Noninha e Tin juntos, naturalmente. Meu genro está lá desde abril e minha filha e meus netinhos vão agora dia 21.

Eles estão conosco em nosso apartamento desde a última sexta-feira e a casa virou Saigon. Não vejo hora de eles pegarem o avião e irem para a terra frozeana. Noninha deverá adorar.

Tumultuada estadia tendo em vista o fato de que Pretinha, pior do que eu, azucrina o ambiente além de a turba ser amplificada por seus dois coadjuvantes mais do que pilhados.

Some-se que há em preparo a festinha de quatro anos de Noninha que será no próximo domingo, pela manhã, na área de churrasqueiras do edifício onde moramos.

Tudo isto para dizer que estou adorando a nova realidade que se abateu. Pretinha e meus netinhos distantes. Vai ser um alívio imenso de tantas demandas rotineiras, de tantas idas e vindas a pracinhas, aqui e acolá, visitas de rotinas a médicos, internações aeronebulizantes, vacinas... Esses trens.

Vou ficar enfim livre destes transtornos todos, ainda que esporadicamente eles retornem para gozarem dos meus préstimos. Só de pensar que não vou ter que ouvir os gritos pavarottianos de Tin: vovô!!! Vovô!!! Ou de ter que fazer Noninha dormir ao som de histórias mais absurdas que alguém pode formular.

Só por isto, sinto um alívio enorme.

Ou então é a maneira que encontro de suportar.

Viu querida amiga, estou bem. Fique tranquila, isso passa.



Até breve.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

LEGADO



O interfone tocou e o porteiro do meu prédio pediu para que eu fosse lá embaixo para retirar uma encomenda que acabara de chegar e que precisava ser me entregue imediatamente.

Um pacote comum envolvido em papel barato e quando abri fiquei com um misto de espanto e de curiosidade. Eram pequenos três ramos com algumas folhas e, em cada um deles, uma flor de vermelho intenso e fosco. Nenhum cuidado especial de embalagem, nenhum aparato de proteção.

Apenas três flores vermelhas. E um bilhete.

“Estas flores foram colhidas pela manhã em Calistelterat, na região de Gnosnjuisf, ao sul de Vermistalen. Durarão até que você as entregue a alguém. Depois, dependerá.”

Qual foi o sacana que aprontou esta? Pensei.

Não sou grilado para estas coisas, mas sei lá se jogo incontinenti tudo fora. Ou se entrego para alguém dizendo a procedência. Vai que eu minta: que a indicação de quem me remeteu exige que eu entregue para pessoas especiais. Ou que não, diga apenas que elas acabaram de ser colhidas pela manhã em Calistelterat...

Fiquei com aquilo amoitado em casa por alguns dias. À noite acessava o pacote para ver como estavam sempre supondo que, sem cuidados, o conteúdo estava murcho. Nada, estavam lá como chegaram, flores de um vermelho intenso e fosco.

Um dia resolvi retirar uma e, zaz, ela murchou. A flor foi empalidecendo até acinzentar-se, enegrecer-se e secar em farelos. Será porque eu não havia pensado em ninguém para entregar? Ou eu deveria ter entregado as três e dentro do mesmo pacote? Ou eu não poderia ter pegado, como o fiz, sem cuidados? Ou...?

E agora?

Voltei com elas para a moita e deixei que o tempo passasse por dias, não sem deixar de pensar um instante sequer em o que fazer com as duas flores de vermelho intenso e fosco que restaram.

Resolvi então entregar a uma pessoa próxima relatando todo o acontecido sem fazer nenhum reparo nem para mais e nem para menos. Exatamente como o ocorrido. Fui à moita e, qual foi a minha mais cruel surpresa quando abri o pacote?

Havia uma única flor de vermelho intenso e fosco. Nem vestígio da outra, nem farelos. Alguém teria descoberto o pacote? Impossível. Então quem a tirou dali? Porque murchar ela não murchou.

Meses se passaram. De quando em vez abria o pacote. Ela estava lá no mesmo estado de sempre. Pensei então em reunir a família e contar tudo. Foi o que fiz. Só que quando fui com todos à moita, cadê o pacote?

Vasculhei por todos os lugares e nada. O pacote com a derradeira flor de um vermelho intenso e fosco havia desaparecido.

A partir deste dia comecei a sentir que a família exalava uma preocupação quanto ao meu estado já que eu reiterava os fatos tal como ocorreram.



Até breve.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

TUMOR



Por outras razões subjacentes fiz um intervalo mais longo entre uma opinião e outra. Afora aquelas decorrentes da convalescênça ardente, há ainda certo enfado. Ou muito.

O Brasil é um antro. Habitação lôbrega, casa ou lugar de perdição e vícios. Para agravar, olhado em perspectiva, o Império é hillayriante e trumpesco. Aqui quanto lá, horrores. Como se não bastasse ainda britânias eclodem e sírias - tantas - permanecem. Sessenta e cinco milhões, walking dead, perambulam sem pátria.

O terror não é mero islã, estado deformado.

Em Desertland, uma mera ficção analógica e igualmente lúgubre, há meses – quase ano – o processo reveste-se de episódio simbólico de um sanatório geral a moda de marilenas que chauiem.

Nenhuma teoria ou ciência dá conta de tamanha bandalha. Mesmo guardando as estratégias mais do que perversas entre os grupos que se articulam não é possível crer em qualquer expediente moderador.

Não há entre os contendores nenhum puro. Todos, indiscriminadamente todos, pustulam. O organismo institucional é uma metástase que cotidianamente vaza. E, a cada vez, com maior carnicão.

Seguramente nunca estivemos tão distantes de um desfecho que possa sugerir superação. Qualquer resultado das pendências jurídicas em curso é aterrorizante. Ninguém será condenado sem condenar a tantos outros. Inclusive aos próprios juízes.

Não há nenhum puro. Musas históricas se atiram a murros em hotel da big aple para locupletar-se. Verbo de segunda sílaba mais do que inoportuna. As feminolóides vão me execrar, por isto.

Lilás está aqui outro estupor. Bandeiras desfraldadas em teses de direito em defesa de minorias banalizantes. Mera evidência da pústula social.

Pirei?

Não de hoje, sem dúvida. Só que com mais hermetismo pascoal, sonoridade linguística e profundidade que para poucos, mergulham. Longe de rapidezas leituras dos amigos feicebucanos.

Não é um post.

Quer ser um sumário de tratado, fosse acadêmico, de tese. Mas não é dali que eclodirão saídas. O escolar não fundamenta, antes pelo contrário. Compactua, com seus intestinais transtornos.

Ora, de novo, o que me resta então, madrugada adentro? Refluxo estomacal que fere a garganta de não ter o quê e porque dizer, uma angústia paralisante de desacordar para fazer registro temporal.

Hoje como hoje minha tensão é de não concluir, de não fechar, para não se configurar como mera denúncia vazia. Denúncia vazia é a retomada do imóvel pelo locador, sem necessidade de justificativa, após o término do prazo de locação inicialmente fixado em contrato.

Devolvam-me o meu mundo. O que farei sem a minha morada?



Até breve.