segunda-feira, 30 de setembro de 2013

LENTES



Eu poderia relatar o evento do qual participei sexta, sábado e domingo como moderador em três painéis temáticos para executivos das trezentas empresas (com operações no Brasil) de maior faturamento anual.

Os temas abordados foram Estratégia que devem ser adotadas e Performance exigida face aos dez riscos apontados por empresa especializada em pesquisa da qual participaram empresas nacionais e transnacionais com faturamento acima de R$5bi.

Eu poderia comentar a posição dos painelistas: ex-ministros de Estado, Embaixadores, Presidentes de grandes organizações, professores de escolas de negócios, analistas de conjuntura.

Manumvônão.

Primeiro porque não posso compartilhar informações de foro íntimo das empresas participantes; segundo porque é muito extensa a síntese dos debates; terceiro porque este blog não tem como escopo a abordagem desta faceta de minha vida.

Sobra falar do que verdadeiramente interessa.

Claudinho e Pretinha, com Noninha, estão desde ontem em Cabo Frio. Vão passar a semana. É a segunda vez que eles viajam para a praia e levam Noninha. No final do ano passado eles estiveram na Bahia. Eu não fui porque tinha supitado.

Vladimir chega hoje com Fá e os sogros da Itália.

Bê continua na cava.

Ela no consultório.

Pois é. Não há nada de muito novo sob a perspectiva do meu olhar. Atentados, calotes, desvios, conchavos, assaltos, roubos, crimes.

De Cabo Frio recebo foto no WhatsApp e a avó envia como resposta:

-“Vendo o mundo com outros óculos”.




Até breve.

sábado, 28 de setembro de 2013

VIRADA




Voei hoje pela manhã para Sampa e me encontrei no avião com um figuraço. Conhecido antigo, amigo de Pretinha, empresário do milênio.

Bicho fora da curva, eu acho mesmo até fora do gráfico.

Ele teve uma empresa em BH de produção de software para telecom, vendeu, veio para São Paulo para instalar o negócio e agora tá entrando noutra.

Foi sobre isto que conversamos da saída do avião até nossa despedida no saguão de desembarque.

Ele está ultimando a formatação de Plano de Negócio em conjunto com dois outros sócios para lançar nos states um "trem-de-doido". Ele passa agora seis meses em BH com a família e depois vai de mala e cuia esbarrar em San Diego, Califórnia.

Vejo com atenção e muita inveja esses caras. Não só pela capacidade que têm de começar e descomeçar aquilo que nega o ócio, mas, em alguns casos, fazer com sensibilidade para com a base familiar.

O pouco tempo que nos falamos a família apareceu como propósito essencial, não só ou principalmente no que tange aos aspectos ligados à sobrevivência econômico-financeira, mas sobretudo pela oportunidade de curtir com os três filhos (13, 11 e 8 anos) a aventura de viver.

O cara tá bem de vida, eu acho, deve ter entrado numa grana preta, e disse  que em BH vai morar em um apartamento da sogra, de dois quartos, ele, a esposa, e os filhos. 

Hoje morando em São Paulo tem construído com os meninos o desenlace dos bens: a meninada é que está etiquetando todos os bens da família que serão vendidos. Disse inclusive que  eles que têm definido o valor da venda.  

O cara é suficientemente louco para isto corresponder a verdade.

Em BH ele é co-proprietário de alguns barzinhos tipo alternativos com levadas de jazz e outros melequelefes que acontece especialmente às terças-feiras.

Nos abraçamos na despedida e já marcamos a continuidade dos papos numa destas terça-feiras quaisquer. Vou ver se meus filhos vão comigo, especialmente Pretinha, que conhece a fera.


Até breve.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

RALO



Um Senador da República acaba de encaminhar Projeto de Lei que obrigaria a todos os ocupantes de cargos políticos de todos os poderes a colocarem, compulsoriamente, os seus filhos em escolas públicas.

Ouvi ontem de um cientista político, bastante incomodado com o projeto, que o Senador deveria preocupar-se com questões mais relevantes, além de ser uma medida fascista e com ares ditatoriais.

Imaginem se de forma espontânea e maciça os nossos representantes ousassem e, mais do que por força da lei (que eles aprovariam por unanimidade), num ato político extremo matriculassem seus filhos em escolas públicas.

Imaginem que, investidos pelo poder lhes entregue pelos cidadãos, eles fossem os principais fiscais das verbas, da qualidade do ensino, das instalações, da disciplina e do desempenho de alunos e professores.

Imaginem se a qualquer desvio de verbas o pai-político ou os pais-políticos acionassem imediatamente os criminosos e os obrigassem a devolver centavo por centavo em dobro o que vilipendiaram dos cofres do estabelecimento vítima.

Imaginem que, com o passar dos anos, frutificassem dessas escolas (disputadíssimas por todos os cidadãos e primeiro-lugar em todos os testes pedagógicos inclusive internacionais), lideres que pudessem transformar a nossa realidade e nos fazer, aí sim, ter orgulho nacional.

O mesmo cientista político considerou que o Senador fez uma proposta meramente eleitoreira, que ele "está jogando prá torcida", e outros comentários na mesma linha.

Provavelmente ele tenha razão. Este Senador é um canalha. Imaginem querer fazer por força de decreto legislativo algo que não tem o menor cabimento.

Tirar das elites o direito à sua distinção, do mercado um dos mais promissores segmentos de negócio (especialmente os cursos profissionalizantes e universitários de periferia), e dos políticos o direito de continuarem sendo inócuos.

O projeto já nasceu com destino definido.

Eu prefiro continuar puto.



Até breve.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

COSMOOMSOC



Moro em dois mundos. Ao longo da semana estou urbano e, quase sempre, nos finais de semana estou rural. Isto me dá uma certa alternância de frequências: auditiva, pulmonar, visual, reflexiva, muscular, dérmica, sensitiva, cultural, social, ecológica, e provavelmente outras que não me ocorrem agora.

O som urbano traduz o caos com suas sirenes, bate-estacas, roncar de motores, alaridos das ruas, gritos de ambulantes, campainhas de colégios... São tantos os sons que não consigo ouvir o zumbido que habita o meu ouvido esquerdo.

O ar urbano me deixa seco, bebo água a cada quinze minutos e minha garganta assemelha-se a uma quadra de saibro, ainda. Puxo ar e sinto um pouco de algo petrolífero descendo pelas ventas.

A estética urbana me inquieta e me horroriza, mesmo eu pagando um IPTU mais alto por ter uma vista mais ampla das janelas do meu apartamento. Não gosto do que vejo de minhas janelas urbanas. Não sei, sinceramente, porque optamos por verticalidades.

Meus caminhares íntimos na cidade são quase sempre políticos, a cidade me convida à indignação, à crítica contumaz, ao inconformismo.

Meu corpo urbano move. Faço, agora, pilates e ginástica funcional, as segundas, quartas e sextas. Ando muito pelas ruas onde encontro de tudo e muito próximo: bancos, casa e coisas, shoppings, cinemas, teatros.

Nestas andanças na urbe, alterno sóis e sombras e volto prá casa com a pele acinzentada e granulosa, às vezes.

Sinto as pessoas nos seus ires e vindos das manhãs, tardes e noites e as fito querendo sabê-las: o que farão e o que fizeram no dia de hoje? Quantas alegrias ou tristezas experimentaram? Sobre o que falam? Seus semblantes, seus cumprimentares, seus diálogos, hoje mais raros. Sinto a densidade humana borbulhando nas ruas e avenidas, casas de comércio, coletivos, automóveis.

A urbe promove eventos, possibilita arejamento e convívio de conhecimentos. Há arte na Liberdade, na Estação, Museus...

Todas as minhas principais relações estão urbanas, inclusive as profissionais, naturalmente.

O espaço urbano é um campo de concentração ao verde, aos pássaros, aos cães, aos gatos, aos seres.

Com tudo isto a cidade ainda é o lugar do agito, que compensa.

Agora, vida mesmo é de cheiro de mata, lua saindo da montanha, pernilongo, abelhas no sótão, latidos, uivares, água tocando pedras e limos, peixes, tartarugas, pulgas, carrapatos, pão de queijo, comida de Kátia.

Pássaros... Pássaros... Pássaros...

Zuca, Laka, Ossun que ladram.

Barba por fazer, camiseta surrada e com furos e descosturados, bermuda, sandálias de dedo. Martelo, alicate, chave-de-fenda, máquina de furar, porcas, parafusos, tinta, barro, lama. Coco anão, mexerica, romã, banana, lichia, laranja, lima, manga, pitanga, pitomba, jabuticaba, até pêssego. Couve, alface, tomate, cebolinha, quiabo.

Chorões, palmeiras, hibiscos, tulhas, azaleias e outras de todas as cores.

Prosa de amigos, raros, mas boa de com força.

O campo é o lugar do Silêncio, que alimenta.



Até breve.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

GITA



“Mas se eu quero e você quer
Tomar banho de chapéu
Ou discutir Carlos Gardel
Ou esperar Papai Noel
Então vá!
Faz o que tu queres
Pois é tudo
Da Lei! Da Lei”!

Bruce Springsteen, na noite de sábado no Rock in Rio, arrebatou a galera de milhares de alucinados que fizeram uma coreografia ímpar, ao cantar em português a canção de Raul Seixas: Sociedade Alternativa.

O que consta é que um pequeno grupo começou a embalar alguns movimentos coordenados e, quando perceberam, a multidão estava toda repetindo. Um dos jovens, que estava no pequeno grupo mobilizador, foi entrevistado depois e disse:

- “Não importa se é cultura, não importa se é manifestação, não importa se é rock... O que importa é que o Brasil precisa ir junto prá frente”.

Em crônica no Estadão, de algumas semanas atrás, Roberto Da Mata escreveu:

...“ninguém entra nesse teatro de horrores escolhendo livremente todos os seus papéis. Do mesmo modo, é impossível gozar da liberdade absoluta a qual, como advertia a antropóloga Margaret Mead, torna inviável um mundo sem rotinas. De fato, um sistema no qual todas as decisões seriam tomadas em assembleias e manifestações, seria imobilizado pelas próprias regras. Uma consciência absoluta leva à paralisia”.

Ontem à noite no Metrópolis da TV Cultura de São Paulo, uma das apresentadoras do Programa, Marina Peterson, sugeriu aos telespectadores que assistissem “Noah” um curta canadense de dezessete minutos.

O filme, que está disponível no YouTube, se passa em uma tela de computador onde um jovem “conversa” com sua namorada e percorre todos os acessos possíveis na infovia até que “descobre” uma possível traição da menina e resolve terminar o namoro. Tudo via web.

Para Cecília Meireles, Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.

Vejam vocês a previsão dos astros para o meu dia de hoje:

HORÓSCOPO I

“Você tem um blog, um site, escreveu um livro? Que tal se arriscar na poesia? A vida não é só consumir conhecimento, chegou sua vez de traduzir seu sentimento do mundo”. 


HORÓSCOPO II

“O silêncio será sua melhor companhia no dia de hoje, o conselheiro que desempenhará o milagre da invisibilidade quando a coisa apertar. O silêncio é a virtude de quem é capaz de manter a cabeça no lugar”.

Assim fica difícil seguir a qualquer coreografia. Nem os astros se entendem.

Por sua vez, Noninha hoje pela manhã, visitou uma banca de revistas:

           
            “O sol nas bancas de revistas
          Me enche de alegria e preguiça”



Até breve.


Nota: Lembro ao leitor que GITA é uma outra composição de Raul Seixas e a citação para Noninha é ALEGRIA, ALEGRIA de Caetano Veloso.

domingo, 22 de setembro de 2013

LOOPING



Sempre achei errada a crítica que todos fazemos aos políticos. Não fomos nós mesmos que os colocamos lá? Ou os colocamos lá porque não temos coragem de nos olhar no espelho e nos autocriticarmos?

O outro nos é sempre útil, também por isto.

No fundo todos nós somos de caráter duvidoso, levianos, desonestos, aéticos. Sempre buscamos direitos, vantagens, privilégios e abominamos deveres.

Somos escória.

Então, quando escolhemos alguém que nos represente não pode ser surpresa que nos escolhemos nele.

Só que, embora eu ache que estejamos sendo levianos, hipócritas e vis, estamos também sendo muito burros, na medida em que, aqueles que elegemos estão nos fazendo de tolos ou idiotas, como queiram.

Sendo assim, proponho que para as próximas eleições nós procuremos, entre nós, um figura que seja minimamente honesto, sério, de conduta ilibada e competente.

Tá, eu sei que não deve existir com todas estas características, mas procurando com cuidado quem sabe a gente ache?

Se bem que, não sei se vale a pena um correto no poder. Vai que ele comece a por as manguinhas prá fora, arrume uma corriola de outros honestildos e comece a fazer a esbórnia de afastar tudo quanto é bandalha.

Já pensaram? Vai que o correto comece a desenvolver a prática de responsabilidade com a coisa pública, colocando na cadeia réus julgados pelos tribunais.

Vai que ele crie e aplique uma administração transparente, que fiscalize as origens e os destinos das arrecadações.

Vai que o figura cumpra e faça cumprir as leis.

Não, melhor não, ninguém suportaria. Nas próximas eleições vamos continuar com nossos embargos infringentes.

É melhor.



Até breve.


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

GPS



Então num deu. Korea aposta em 80% de chances em seu prognóstico. Claudinho acha também a mesma coisa. Pretinha é só desejo. Vovó já saiu falando com gente próxima.

Eu, nos meus botões, estou até me estranhando. Outra hora eu já estaria aqui dando com a língua nos dentes, mas nunvou. Pensando bem é melhor de esperar mais uns dias. Outubro taí, Pretinha volta no Korea ele passa o Ultrasson e nós sabemos se neném ou nenenha.

Afoitos, de qualquer forma, fomos comemorar já que, seja neném ou nenenha, está tudo bem. Desenvolvimento super normal. Crânio, coração a mil, fêmur, barriguinha. Tudo beleza.

Jantamos em um restaurante italiano. À frente da mesa há uma pintura que retrata paisagem de Montepulciano D'Abruzzo, Toscana, Itália. Coincidência ou não recebi de Lé, WhatsApp dando conta que eles estavam passando por lá no dia anterior.

É que Fá, essa menina brava e linda, mais os intrometidos sogros levaram nosso Lé para passear na berluscônia. Se bem que eu não posso reclamar porque se não fosse o Lé até hoje nós estaríamos perdidos em Praga em uma viagem que fizemos juntos, também com a Fá, para a República Tcheca. Lé deu show como co-piloto usando o IPhone para entender o emaranhado de vias na entrada da cidade.

Eu posso entender porque os sogros nos levam os nossos filhos homens. Embora, no meu caso, eu me considere menos obsessivo. Eu num sou assim de jeito nenhum com Pretinha. Ela mesmo diz que entre nós não há nem diálogo.

Tudo isto para dizer que a Vida vai compensando a vinda. Filhos e netos são toda a razão. Mesmo que fiquemos a mercê de suas escolhas, algumas delas que embora não nos agradem ou até nos faça sofrer, acabam por nos dar alento.

Quer vê uma coisa: Noninha, no alto de seus quase quatorze meses de vida já nos esnobava ontem no jantar, sentadinha na cabeceira da mesa, fazendo poses como se falasse ao celular.



Ah, só para não perder minha papudice: acho que vai ser da Itália.



Até breve.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

PROMESSA




Quinta-feira para mim é sempre um dia especial como todos os outros. Não sei bem porque e é de todo provável que não tenha nenhuma razão diferenciada para que eu considere as quintas-feiras como dia especial, assim como todos os outros.

Tenho uma brincadeira com Pretinha, há muito anos. Sempre que ela me pergunta desde quando algo qualquer que eu não saiba, não queira saber ou queira fazer galhofa eu respondo:

- Desde quinta-feira.

Só que hoje é quinta-feira, dia especial, mas poderá não ser como todos os outros. Pretinha vai ao Korea às 18:00 horas. Vai fazer Ultrassom e corre risco de a gente saber qual neném chegará para nós em março do ano que vem.

Papudo que sou, não digo os nomes já escolhidos. Amanhã, se soubermos e se Pretinha deixar, vira junto com Noninha protagonista permanente de meus posts.

A partir de hoje, à noite, pode ser, ele(a) nasça para os meus devaneios, para minhas idiossincrasias, meus adoidamentos.  

- Vovô, é verdade que você levou Liz de balão na lua?
- Pergunte à ela.
- Ela que me falou.
- Intão foi.
- Você me leva também?
- Claro.
- Que dia?
- Quinta-feira.
- Que dia que é?
- Quinta-feira, ora...
- Tá... eu posso levar meus amiguinhos?
- Tem que ver com os pais deles.
- Eles já deixaram...
- Você já falou que vai à lua?
- Foi no dia que a Liz falou que foi com você... os meninos estava perto e ai eu falei que ia também ai eles me pediram prá ir junto e eu falei que levava.
- Os pais deles já sabem?
- Vai ser segredo...
- Melhor mesmo.
- Zuca vai?
- Você que escolhe.
- Laka e Ossum...
- Você quem sabe.
- São 25 meninos, vovô...
- O quê?
- Meus coleguinhas...
- Você não acha muito?
- Eu já combinei com a Liz. Primeiro eu vou com minha turma e depois você vai com a Liz e a turma dela, num é jóia?
- Super!
- Que dia que nós vamos?
- Quinta-feira.

Em São Lourenço fiquei sabendo que fazem passeios de balão. A lua está ficando mais perto, e ainda que as estradas sejam muito mal sinalizadas chegaremos lá.

Numa quinta-feira especial.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

ALIENS



Ao lado do prédio de apartamentos onde moramos há um colégio com dois grandes pátios internos, área de quadras de esportes e, inclusive, um grande ginásio poliesportivo. De quando em vez há festas da meninada aluna ou não do colégio.

No domingo vi movimentação em um dos pátios com a instalação de um grande tobogã de plástico, barraquinhas e outros belequebeques. À tarde chegaram os participantes da festa. Vários fantasiados, portando grandes lanças cinza, espadas, escudos.

Taí, pensei, boa diversão para com a Noninha (Pretinha havia deixado minha netinha conosco para ir ao aniversário de uma amiga).

Desci e fui até a portaria de entrada do colégio e perguntei a uma jovem o que estava rolando ali.

- “É o IV Encontro de Nerds”.

Noninha virou seu rosto e fitou-me grave nos olhos.

- “Vovô você acha que já está na hora”? Li a pergunta nos seus olhos.

- “Eu posso dar uma voltinha com minha neta lá dentro... Só dá prá dar uma olhada”?

- “Dez real a entrada”...

Eu desci sem lenço, sem documento e sem grana. Fui em casa, peguei o dinheiro e voltei ao colégio. Na entrada um jovem me perguntou a idade:

- “Da neném?”

- “Não, do senhor”.

- “Quase sessenta e dois, por que”?

- “Se o senhor tivesse sessenta e cinco não precisaria pagar”.

Paguei os dez reais e entrei. Ali estavam em torno de 300 a 350 jovens entre 14 e 18 anos organizados em diferentes gincanas, atividades lúdicas, brincadeiras. Perguntei a uma menina o que era aquele evento e ela, muito objetiva, respondeu:

- “É um encontro de pessoas que gostam das mesmas coisas”.

- “Que coisas”?

- “Atividades culturais, brincadeiras como a batalha de (*%^$##@^^) e outros divertimentos”...

- “Por que nerds”?

- “O senhor olhou bem prá nós”?

- “Como assim: bem”?

- “Se o senhor reparar nós somos muito feios, estranhos e temos muita dificuldade de pertencermos a outro grupo se não ao nosso próprio”.

- “E como faz para participar”?

- “Como o senhor entrou aqui”?

- “Paguei dez reais”...

- “É assim”.

- “Só?”

- “É”.

- “Então eu sou feio e pago dez reais e posso participar?”

- “Alguém discriminou o senhor aqui”?

- “Até agora não”.

- “E nem vai... A discriminação aqui só vem de fora. Fique tranquilo”.

Noninha se esbaldou. Correu para todos os lados, passou de colo a colo com a meninada adorando a nova adepta, tirou fotos com super-heróis. Quando disse a ela que estava ficando frio e que precisávamos ir embora ela começou a choramingar. Ela não queria sair dali.

Nem eu.




Até breve.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

ECO



Estivemos sábado à noite no Palácio das Artes para assistir ao show de Erasmo Carlos. Ele não conseguiu lotar o teatro, ficou vago um bom número de lugares.

Erasmo não é um exímio cantor ou intérprete, todos sabemos. Não cabe pedir muito neste particular a um dos co-compositores das canções que nos embalaram e de maior expressão da nossa juventude e, ainda, de nossa maturidade. Jota Quest, Pato Fu e Skank beberam nesta fonte.

Foi confortante vê-lo passado dos mais de setenta anos de idade, cinquenta anos de carreira, trajando calças jeans apertadas e casaco de couro. Longe do ridículo, os seus cabelos brancos e sua proeminente careca superior não nos permitem fazer juízo de suas escolhas.

Erasmo nos trouxe a um outro tempo. Às décadas de 60 e 70, especialmente. Num script singelo, quase ingênuo, nos intervalos de um para outro estilo de composição, o artista nos fez mais do que recordar das letras e músicas de seu repertório.

Ele nos fez lembrar quão distinto era o mundo em que vivíamos há quarenta, cinquenta anos atrás. Tanto que, para mim, o ponto marcante do espetáculo foi o momento em que Erasmo relatou um episódio, nos idos de 1970, envolvendo um alto executivo da gravadora.

Ele e Roberto Carlos teriam sido questionados pelas composições relacionadas à preocupação com o meio ambiente:

- “Baleias não compram discos, Erasmo”! Teria o artista ouvido do executivo.

No show, emocionado, ele disse que se lamenta até hoje por não terem sido ouvidos ou não entendidos à época e disse ainda que somente agora concluiu o porquê:

- “Eu e o Roberto fomos burros por não termos compreendido porque não fomos considerados, hoje sabemos: porque nosso apelo era em Português”.


PANORAMA ECOLÓGICO

Lá vem a temporada de flores
Trazendo begônias aflitas
Petúnias cansadas
Rosas malditas
Prímulas despetaladas
Margaridas sem miolo
Sempre-vivas quase mortas
E cravinas tortas
Odoratas com defeitos
E homens perfeitos

Lá vem a temporada de pássaros
Trazendo águias rasteiras
Graúnas malvadas
Pombas guerreiras
Canários pelados
Andorinhas de rapina
Sanhaços morgados
E pardais viciados
Curiós desafinados
E homens imaculados

Lá vem a temporada de peixes
Trazendo garoupas suadas
Piranhas dormentes
Sardinhas inchadas
Trutas desiludidas
Tainhas abrutalhadas
Baleias entupidas
E lagostas afogadas
Barracudas deprimentes
E homens inteligentes

Em dado momento em que cantava a canção, Erasmo afastou-se do microfone e veio em direção à plateia. Aos gritos ele tentava nos dizer algo, mas penso que ninguém conseguiu ouvi-lo face ao som da banda.

Pois é.



Até breve.

domingo, 15 de setembro de 2013

DISTINTO



O professor desenvolveu a engenhoca, tipo instrumento jamesbondiano da década de 60. Parece mais um daqueles lápis de Itu ou com um foguete de brinquedo. O líquido, fórmula elaborada tupiniquim pelo professor é introduzido por uma pipeta de resina dentro da coisa e bombeada manualmente pela esteticista.

Na parte interna do dispositivo há um cilindro no qual é introduzido um gás (hidrogênio) e na ponta do aplicador há algo que implica no fechamento dos poros da pele onde incidem as manchas senis.

Não me peçam descrição melhor sobre a engenhoca, porque o segredo da coisa está guardado a sete chaves pelo professor e, naturalmente, eu saí de lá sem sabê-lo.

Fomos parar lá amaldiçoados pelos sogros do Lé. Sempre achei que eles não nutrem muita simpatia por nós. Como já haviam sofrido da mesma vai idade empurraram essa para o nosso lado.

Além da fórmula cleneante milagreira que atinge outros vai idosos, inclusive internacionalmente, o professor desenvolveu outras particulâncias entre elas uma forte amizade com Salvador Dali.

Ele mesmo, o pintor, aquele do bigode. A relação começou depois que o professor fez a milagrência na pele da esposa (Gala) do demoníaco artista. Depois disto foi presenteado por algumas telas o que fez com que o professor montasse nas instalações de sua Fundação em São Lourenço, um pequeno museu com exposição permanente de algumas obras de Dali.

O museu, em si, diga-se de passagem, é surreal.

Há também outras excentricidades na Fundação do tipo: como o mundo acabará em 25 de março (viu Pretinha) de 2127 pela precipitação de um meteoro sobre a Terra, em 1996 o professor idealizou e construiu uma Caixa do Tempo, que deverá ser aberta um ano antes do fim de tudos.

Trata-se de uma instalação subterrânea onde o professor depositou escritos familiares de várias pessoas relatando como a vida era à época. Depositou ainda alimentos não perecíveis e outros telecotecos mais.

Sobre o solo onde está a Caixa do Tempo, mandou construir com chapas de granito um monumento de dois metros de altura por sessenta centímetros de profundidade e um metro e meio de largura. No centro há uma área vazada de um lado ao outro, fechada por um vidro de 10 milímetros. Lá dentro um imenso cristal trazido pelo professor de uma viagem expedicionária que ele fez à Amazônia.

Quando chegamos à Fundação a recepcionista nos entregou uma sequência entrelaçada de oito clips e pediu que nós a aproximássemos de uma das laterais do monumento onde está exposto o cristal. Quando o último clips da sequência agarrasse sobre o granito teríamos os nossos maus espíritos expelidos. Energia pura. Uma vez por ano, no dia 25 de março, o cristal muda de cor transparente para rosada.

Pois é. E eu que fui lá só para expelir as manchas senis, ganhei de quebra a clenância da alma.

Há ainda, na entrada do prédio principal da Fundação, uma escultura de figura masculina mitológica, cabelos espessos e encaracolados com uma grande boca e aberta para a parte interna. A Boca da Verdade. Se colocada uma das mãos e feito um pedido com muita fé, o desejo realizar-se-á.

Dizem que a Boca da Verdade serve, também, à confirmação de fatos. Caso a pessoa com a mão posta dentro da Boca da Verdade relatar algo que não corresponda aos fatos esta pessoa será vitimada por algum mal.

Ficamos sabendo que após o carnaval a Boca é muito procurada por casais de namorados que passaram separados as festas de Momo. Ali, meninos e meninos, tremem.

Pena que nossa viagem tenha sido tão breve. É de todo provável que a gente volte, mesmo que não seja para extirpar maus espíritos e nem nossas manchas senis e da alma.

Quando saíamos da Fundação ouvimos que o professor lamenta-se profundamente de que hoje há poucas pessoas dedicando-se às pesquisas, as coisas têm chegado muito prontas e, principalmente os jovens não se esforçam para criar algo inusitado e verdadeiramente sui generis.

Dali, trouxemos uma vivência surreal.

Trouxemos ainda de São Lourenço, o que nos fará lembrar do professor, quatro caixas com doze garrafinhas cada de água. Da Fonte de Pouso Alto: ESTILO.



Brigado Antônio. Brigado Beth.


Até breve.