sexta-feira, 30 de março de 2012

BIG


Quarta-feira fomos assistir ao filme PINA do diretor alemão Win Wenders.

Ontem, fomos jantar com um casal de amigos no Restaurante OroBoro um risoto negro com lulas, regado por um Cave Rivas, tinto chileno. Em SALADA, post anterior, sexta-feira cachaça, sábado uísque, alguém poderá achar que eu sou movido a álcool, ou serei flex?

Esse blog está virando um diário. Quem poderá interessar-se por estas rotinas? Melhor ter acompanhando Fael. Para quem não sabe Fael foi o vencedor do BBB, que vem a ser o Big Brother Brasil, programa da Globo (rede nacional de TV) que acabou ontem. BBB é um show de realidades em que um grupo de pessoas, algumas incélebres e outras descérebres, entra para um ambiente confinado, fica lá por volta de sessenta dias (eu acho), disputam a permanência até ficar o último que se torna o vencedor e milionário.

Big brother para quem não sabe é personagem do livro de George Orwell 1984. Inspirado na opressão dos regimes totalitários das décadas de 30 e 40, o livro não se resume a apenas criticar o stalinismo e o nazismo, mas toda a nivelação da sociedade, a redução do indivíduo em peça para servir ao estado ou ao mercado através do controle total, incluindo o pensamento e a redução do idioma.

PINA, falecida em 2009, foi uma das mais importantes coreógrafas do século XX e seu encontro com Win Wenders produziu um filme ímpar, misto de documentário, tributo e Cult. No filme, em depoimento, uma das bailarinas da companhia declara que PINA com quem trabalhara mais de vinte anos jamais lhe dissera como dançar. Para PINA cada um deve buscar sua performance e originalidade. Ela manteve em sua companhia bailarinos de todo o mundo, inclusive do Brasil.

Outra bailarina declara que para PINA as palavras não dão conta de expressar o humano, somente isto é possível através da dança. São inúmeras as cenas em que Wenders aponta essa premissa. Duas, em especial: a coreografia do grupo para as estações do ano e uma outra em que cada bailarino se coloca solitário de frente para a platéia e, com as duas mãos, puxa os cabelos desnudando por completo a face. O filme é em 3D e esta cena coloca a platéia no filme misturada com a platéia do cinema. Arte e tecnologia puras a serviço da reflexão. Genialidade, sensibilidade e inteligência puras.

O jantar de ontem foi com um casal especial de amigos com quem convivemos há quase trinta anos. Sempre que nos encontramos falamos do mesmo assunto: a vida. Filhos, trabalho, dinheiro, política, viagens (eles estão indo para a China e Tailândia no mesmo período em que vamos para Espanha e Turquia) e outros assuntos, como falar mal dos amigos comuns, que é a parte que eu gosto mais.

Ontem nossa amiga falou sobre o membro avantajado de um de seus netos (de quatro anos de idade), filho de sua filha. Algo desproporcional, reivindicada a origem pelo pai e pelo avô. Nossa amiga disse que há problemas na família. É que o outro neto( de três anos de idade), filho do filho, tem digamos um membro normal. A comparação é inevitável, gerando grandes desconfortos. Entre as avós a coisa anda pegando.

Falando nisso, Dilma vem da reunião dos BRICs cheia de idéias. Diz que vai lançar um plano para melhorar as coisas.

- “Dancem!!!” , diria Pina.

Até breve.

terça-feira, 27 de março de 2012

SALADA


Eram onze e pouco da manhã de sexta-feira, estávamos eu e Ela fazendo compras em um supermercado, quando o meu celular tocou. Uma grande amiga nos convidava para tomar uma cachaça. Quando chegamos em casa ela já estava lá nos esperando. Ficamos juntos até por volta das duas horas da tarde.

Sábado, festa de trinta e três anos de Pretinha. Na faixa, amigas várias com suas barriguinhas proeminentes quando não com seus guris de colo e brinquedinhos. Treinei com alguns, inclusive com os brinquedinhos.

A fauna de amigos de Pretinha tem uma variedade extensa. Alguns, impossibilitados, não vieram, o que foi uma pena. A gente sente falta deles.
Há um desses amigos (que veio), por exemplo: Túlio, ave raríssima. Casado com Vivi com quem tem o Daniel (Dandan) e já espera outro para pouco antes da Pretinha. Túlio é um figuraço e Dandan um figurinha com todas as nuances.

A atração da meninada foi os sete filhotes de Laka. Ouviram Dandan, que tem três anos de idade, dizer quando se aproximava da ninhada:

- “Eu adoro cachorrinhos, mas detesto quando pessoas pegam o que eu gosto de brincar.”, reclamando de Lulu uma menininha linda de cinco anos.

Mais tarde ouvi Túlio perguntar à Dandam se ele tinha escolhido um dos cachorrinhos para levar para casa. Ele assertivo:

- “Eu quero o preto e branco.”
- “Mas você já tem um preto e branco.” ponderou o pai.
- “Eu quero um preto e branco.”
- “Pega um diferente... o marronzinho...” sugeriu o pai.
- “Não. Eu quero os dois iguais.”

Eles já estavam se despedindo e a atração foi o Túlio. Ele tem uma propriedade rural de 27 hectares e relatou sua luta com os caseiros. Recebeu, certa vez, um telefonema de gente da fazenda dizendo que o caseiro ia acabar com uma infestação de maribondos.

- “Como?!!!” teria perguntado Túlio.
- “Ele vai atear fogo...”
- “Não, não pode! Segura esse infeliz!”
- “Ele já foi...”

No dia seguinte ao telefonema Túlio foi para a fazenda e depois de três horas de intervenção sobre o canavial em chamas, que dragou cercas, plantações vizinhas os cambau, Túlio desistiu.

- “Seu merda, você não sabe que não pode mexer com fogo perto de canavial!”
- “Mas era só pros marimbondo...”

Túlio faz, há muitos anos, toda a decoração de natal dos principais shoppings de BH. Um artista o figura.

À noite sentamos eu, Ela e aquela amiga (a mesma com quem havíamos nos encontrado na sexta para tomar uma cachaça) na varanda na presença de um Buchana’s 12 anos.

Ontem fiz a aula inaugural dos programas de MBAs do IBMEC. Alegria renovada e dupla. Na sequência da minha fala a orquestra de câmara Pianíssimo brindou a todos com Bach, Ravel, Morricone e outros. O ponto alto foi os arranjos para o mesmo tema (Parabéns prá você) em diferentes abordagens de estilos musicais: jazz, valsa, húngara. Uma maravilha.

Entre uma e outra apresentação o maestro fez analogias com o mundo organizacional. Nada de novo, mas renovado fica muito legal.

O óbvio é que nos escandaliza.

Já em casa assisti no Canal Brasil ao filme Elvis e Madona. Elvis batizada como Elvira e Madona como Adeilton encontram-se no submundo de Copacabana povoado por travestis cabeleireiras (como Madona) e motoboys entregadores de pizza (como Elvis) que sonham em mudar de vida. Apaixonam-se e Elvira (ou será Elvis?) fica grávida de Madona (ou será Adeilton?).

É preciso assistir ao filme. Lidar com o contemporâneo demanda imensa flexibilidade. Os corpos não são determinantes de identidade e nem sua união de família, célula mater da sociedade.

Hoje, internei-me em reunião de orçamento e estratégia com um grupo empresarial. De nove às vinte e uma horas. Ininterruptamente.

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Até breve.

sexta-feira, 23 de março de 2012

GRAU



Coloco-me diante da página em branco. Meus olhares anteriores foram de amargar. Perdi o meu senso de humor, o cotidiano perdeu mote inspirador, ou foi um lampejo da realidade?

Não importa muito, já que todos que batem a minha porta têm presente que este blog, que atingiu cento e cinqüenta postagens em onze meses, tem como compromisso a catarse de um sujeito de sessenta anos.

Continuo minha lida sem pressa, sobretudo agora, contribuindo com empresas para acharem seu rumo, com pessoas para se perguntarem, faço a aula inaugural na próxima segunda-feira para turmas de MBAs.

Fazeres.

Programo nossa viagem à Espanha e Turquia. Estou em contato com uma prima que mora nos arredores de Elche, filha de meu tio Carlos. Minha vida se ampliará muito com esse encontro.

Antepassados.

Barcelona, Valência, Elche, Istambul, Capadócia e arredores. Real Madrid x Barça, passeio de balão, hotel das cavernas, templos, mesquitas, bazares, bibliotecas, restaurantes, oriente.

Prazeres.

Amanhã Pretinha comemora seu aniversário, o último antes de Liz. Casa cheia de amigos. Presentes, agora todos não mais para ela, mas para a filhinha que vem em agosto. Quer apostar?

Alegrias.

Encontrei-me esta semana com um vizinho de prédio com quem sempre cruzo, mas que, até então, não havíamos esticado conversa. Ele deve estar beirando os setenta e poucos (poucos depois dos setenta contam). Disse que já foi engenheiro, professor universitário e hoje, aí que o bicho pegou: “Eu vivo de literatura.”

Descobertas.

Assisti na quarta-feira na Mostra Internacional do Cinema da TV Cultura ao delicado e profundo filme de Theo Angelopoulos A poeira do tempo. Capitaneado pelos excelentes atores Willem Dafoe, Bruno Ganz, Michel Piccolli e Irene Jacob, o filme é um tributo ao amor e à História dos últimos cinqüenta anos.

Bálsamos.

Viemos ontem para Santa Luzia. Posto agora enquanto lá fora chove miúdo, uma neblina tênue insiste em encobrir a exuberante mata. Ela lê, de Hannah Arendt, Homens em tempos sombrios.

Olhar, como viver, sempre será questão de perspectiva.

Até breve.

Nota: O filme A poeira do tempo será reprisado hoje pela TV Cultura, às 21:40 com uma restrição: versão dublada.

quarta-feira, 21 de março de 2012

OLHAR II




Alguém pode naturalmente ter se assustado com o que eu trouxe no post anterior. Afinal um avô responsável jamais poderá expor sua neta a um formigueiro, ainda que pequeno e em formação.

Hoje trago algo menos lúgubre.

Por exemplo: pinçar um trecho do livro Religião para ateus (*) que ganhei do Lé (meu filho Vladimir) onde o autor Alain de Botton propõe:

“Deveríamos dar ao caos um lugar de destaque pelo menos uma vez por ano, designando ocasiões em que podemos ficar brevemente isentos das maiores pressões da vida secular: ser racional e fiel. Deveríamos ter permissão para falar bobagens, amarrar pênis de lã em nossos casacos e cair na noite para festejar e copular aleatória e alegremente com estranhos e, então, retornar na manhã seguinte para nossos parceiros, que também teriam saído fazendo coisas semelhantes, ambos cientes de que não era nada pessoal, que foi a Festa dos Loucos que provocou as ações.”(pag.55)

Outro exemplo: considerar Toulouse um fato de rotina onde um insano, ou será cruel, fez vítimas um professor de vinte e nove anos e os seus dois filhos, de três e seis anos. Em seguida, o atirador entrou na escola e matou outra criança, de oito anos, e feriu gravemente um jovem de dezessete.

Outro mais: durante sete anos dois enfermeiros no Uruguai disputavam quem matava mais pacientes em UTIs. O número de vítimas passa de duzentas e as autoridades descartaram a possibilidade de os assassinos estarem vinculados ao tráfico de órgãos já que elas, as vítimas, estavam com idade avançada.

Ninguém merece um post destes.

Então mudo a direção da minha lente subjetiva.

Vou para o tutorial de maquiagem da July, a menininha de quatro anos cujo vídeo já foi assistido por mais de três milhões de pessoas e onde ela propõe que suas coleguinhas façam a maquiagem para que outras morram de inveja. Uma gracinha.

Liz chegará em agosto.

Não me parecerá possível contar histórias mais fantásticas e absurdas do que aquelas que ela cedo se deparará na TV ou na internet, mesmo que nós tentemos poupá-la, o que não será bom.

Imenso desafio esse nosso: cuidadosa e permanentemente convidá-la à infância, à adolescência, à juventude apoiados na religiosidade do mínimo de racionalidade, entendendo a razão como fundamento do bom espírito e a fidelidade aos seus mais caros propósitos.

Uma vez por ano daremos um lugar de destaque à harmonia: a esperança fará aniversário.

Até breve.
(*) De Botton, Alain – Religião para ateus, Rio de Janeiro: Intrínseca, 2011 

segunda-feira, 19 de março de 2012

OLHAR



Ampliam-se os sinais da minha entrada no terceiro ato. Sob a ótica da maturidade observo com atenção ao que se passa. Escuto clientes, amigos, membros da família.

Tenho para hoje um ponto a refletir.

Não é de todo recente, mas é renovada a queixa ou me é incômoda a sensação de quão determinante é o lado material da existência. Há algo de irracionalidade aqui: a maior parte de o tempo ser investida na operação do obter e, se possível, cada vez mais.
Nós não sabemos o que virá amanhã, então, é necessário que nos preparemos para a eventualidade da falta, o que justifica todo o nosso empenho agora.

Ando pela cidade, escuto pessoas e me pergunto: faz sentido?

A opção urbana com sua verticalidade predial alterando o curso dos ventos e a perspectiva dos olhares e as vias horizontais de rolamento incapazes de contemplar espaços para a parada ou para o transitar. 
Shoppings excludentes com suas grifes e praças de alimentação, onde o verde é de plástico. Grana ou vegetal ornamental, de plástico.

Os planos pessoais de clientes e amigos: quitar, em alguns anos, a dívida empresarial e, já perto dos oitenta anos de idade, não ter a quem legar o objeto pelo qual “lutou” toda a vida. Dar ao neto que acabou de nascer trinta e dois pares de sapatos e dezenas de mamadeiras. Construir uma casa de setecentos metros quadrados com anexos externos. Comprar um carro novo. Um conjunto de sofás, um lustre, um quadro para fixar estático na parede da sala de visitas vazia.

Viajar na segunda e voltar na sexta durante meses, talvez anos, com outras viagens nesse intervalo. Dormir em hotéis vários. Sobreviver ao medo, ao ciúme e/ou à inveja imperativos no mundo corporativo.
Produzir relatórios, estatísticas, pareceres, emails ao longo de madrugadas inclusive de sábados e domingos. Compor, negociar, tramar, aliar, contratar, distratar.

Comprar terrenos, apartamentos pequenos para alugar, bois, deixar um tanto em planos de investimentos, ações das big.
Participar de inúmeros eventos sociais, programas de desenvolvimento da astúcia e da sagacidade. Abrir-se ao mercado e jogar o jogo jogado. Ascender.

Ontem, em Santa Luzia, eu fazia minha inspeção domingueira dos jardins e me deparei com um pequeno formigueiro que se formava. Pensei em Liz.

- “Nó, vovô, elas tem que carregar todas essas pedras para fazer a sua casinha?”

Até breve.

quinta-feira, 15 de março de 2012

RECADO


Coloquei-me a pensar por que Claudinho deu-me de presente “A preguiça como método de trabalho” (*) de Mário Quintana e escreveu, nas páginas iniciais do livro, a dedicatória abaixo com caligrafia (abominável) de genro.

“Lozinho,
Várias vezes me perguntei... Como ele consegue? E em certo momento abismei-me no que é óbvio... Você é naturalmente como uma flor! Naturalmente consegue. Nesses anos quanto método e quanto trabalho e também quanta preguiça para evitar a preguiça alheia? Hoje por si só nos colocamos a trabalhar... E trabalhando muito, mas muito, quem sabe consigamos nos tornar flor???

A explicação me ocorreu em alguns trechos do livro presenteado. Na página 154 sob o título CARACTERÍSTICAS, encontrei:

“Produção contínua e absoluta falta de autocrítica, eis aí a característica dos gênios; mas, em compensação, o que sempre caracteriza os cretinos é a absoluta falta de autocrítica e a produção contínua”.

Ou na página 173 sob o título PALCO & PERSONAGENS:

“Deixo em meio uma novela policial e, com essa inocente coqueteria que têm os esquecidos em mostrar que não esquecem as pequeninas coisas, guardo de cabeça o número da página interrompida: 155.
Vinte e quatro horas depois abro o livro no lugar exato e vejo-me de cara com personagens desconhecidas, no centro de um complicado enredo, em que mais enredado sou eu, o que não tem importância alguma, porque descubro que o livro era outro...”

Ou, ainda, na página 321:

“Embora não acredite na observação direta, acontece que tenho tal poder de visualização que às vezes não sei se aquilo que evoco eu vi mesmo ou foi algo que me contaram, ou apenas imaginei. Mas há muito descobri que a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.”

Também na página 195, sob o título O ASSUNTO:

“E nunca me perguntes o assunto de um poema. Um poema sempre fala de outras coisas...”

E, por último, na página 238 sob o título OS PRETEXTOS E OS FINS:

“Aliás, tudo é outra coisa.”

Não é invencionice minha, perguntem prá ele ou para Ela. Eu já havia escrito, pela manhã, o post que publiquei no dia 27 de fevereiro e, à noite logo que voltávamos do ultrassom eu pedi ao Claudinho que me desse o título. O texto estava pronto. A palavra título para o post foi lavrada por ele.

            A LIZ já nascerá do pai como FLOR.


Até breve.

(*) Quintana, Mário, 1906-1994. Da preguiça como método de trabalho, São Paulo, Globo, 2007 

terça-feira, 13 de março de 2012

PLANOS


Nasceram de Laka nove filhotes. Dois não vingaram, isto é, não sobreviveram pós-parto. Dos sete restantes, cinco são machos (dois malhados preto e branco) e dois são, naturalmente, fêmeas.

Nós devemos ficar com um dos machos malhado de branco e preto. Em casa já são duas cadelas, logo vamos ficar com três cães. Dois patos australianos, oitenta tilápias, cinco carpas japonesas, um jabuti e uma tartaruga completam a fauna doméstica. Esquilos, tucanos, joãos-de-barro, andorinhas, sanhaços, e outros tantos andam e voam à solta.

Vamos construir um pequeno galinheiro onde, nas manhãs, quando estiver conosco (o que não será raro) Liz irá apanhar ovos frescos.

Depois dará de alimentar aos peixes, brincará com Matilde (a tartaruga) e sentará em cima do casco de Claudionor (o jabuti) fazendo-lhe de bibi.

Colherá nos pés goiabas, limão, acerola e pitanga e catará, no chão, mangas e pedirá ao vovô que lhe acompanha para fazer aquele suco com um pouquinho só de açúcar. Sem a vovó ver.

Colocará um biquininho, pedirá para o vovô passar protetor solar, colocará bóias nos bracinhos e sentará na lateral molhada da piscina com seus baldinhos e tais. Depois, dirá: “Pula, vovô...”, pedindo que eu entre na piscina. Se jogará no meu colo e faremos juntos as maiores traquinagens na piscina.

Pretinha dirá que já chega, que está na hora do almoço e Liz retrucará: “Vovô quer brincar mais, mamãe... Não é vovô?” Esgotada Liz deixará a piscina enrolada pela mãe em uma toalha felpuda bordada com figuras de bichinhos.

Tomará seu banho e vestirá aquele vestidinho de alcinha para dias de muito calor e pedirá ao papai que lhe dê colo. Que quer almoçar no colo do papai. Poderá, eventualmente, ser no meu. Mas Claudinho, ficando fora a semana inteira, será bom mesmo que Liz fique um tempo com o pai.

Depois irá dormir pelo menos uma hora. Acordará com um de seus bichinhos de pelúcia e andará descalça pelo corredor, esfregando com as mãozinhas os olhos e chamando: “Vovô... Vovô...”

Eu já estarei a postos. Ao cair da tarde a levarei, de mãos dadas, a passear pelas ruas do nosso condomínio. No retorno, cansada Liz pedirá colo. E eu a trarei contando histórias fabulosas ocorridas na mata que nos rodeia.

Quando chegarmos em casa, Liz perguntará ao papai, à mamãe e à vovó se tudo que o vovô contou foi verdade.

Eles nunca saberão exatamente o que eu estive contando para Liz nos passeios nas tardes de domingo.

Esse é o patrimônio que o vovô quer deixar: que Liz sonhe.


Até breve.

quinta-feira, 8 de março de 2012

MULHER


Ela, palavra que você encontra em alguns textos deste blog, sempre com a inicial maiúscula também fora do início de frases, refere-se à pessoa que me governa.

Há quarenta e dois anos e onze meses.

Domingo agora, quando eu comemorava meus sessenta anos (ninguém mais consegue me ouvir falar disso) Ela declamou os versos da canção imortalizada por Tetê Espíndola: “Escrito nas estrelas”. Ousou também cantar alguns versos.

Três características:

FIEL. Não a mim ou às convenções, mas a si própria. Jamais traiu às suas convicções mesmo que isto pudesse trazer-lhe conseqüências importantes.

EMPÁTICA. Desconheço alguém melhor que se ocupe verdadeiramente com o outro, mesmo que o outro não a compreenda ou a rechace.

DISCIPLINADA. O mínimo de normalidade que se aplica à minha esquizofrenia, Ela que regula. Meu eixo de rotação, sempre empenado, Ela que usina.

Fico pensando quão miseráveis somos. Sem elas. Miséria absurda em tudo. Afinal de quem falaríamos para explicitar a nossa diferença? Até porque toda e qualquer referência é a partir delas. Ou você é, ou você não é, ou você se castra para supostamente ser, ou você sendo deseja outra, ou você não sendo se coloca no lugar.

Pretinha olha prá mim tão funda que me assola. Beija-me tão doce que me humaniza. Cuida de mim. Diz que é Agulhôzinha. Confunde-se comigo na minha suposta loucura e me chama de Estamiro (alusão ao belíssimo documentário Estamira de Marco Prado sobre quem ele declarou: “Ela era quase que uma profetisa dos dias atuais, uma pessoa muito legítima. Jamais montamos suas frases na edição. Todos os discursos incluídos no filme são contínuos. Ela acreditava ter a missão de trazer os princípios éticos básicos para as pessoas que viviam fora do lixo onde ela viveu por 22 anos. Para ela, o verdadeiro lixo são os valores falidos em que vive a sociedade.”).  

Sem elas somos miseráveis. Dependência aguda porque viemos delas desde as entranhas e sorvemos suas tetas para nos alimentarmos nos primórdios, e na fase adulta inclusive de prazer. Miséria aguda porque não saberíamos lidar com o sangramento mensal durante anos e seus horríveis colaterais. E, sobretudo, porque reclamaríamos ao longo de cada segundo dos nove meses que carregássemos uma vida que está por vir.

E agora, Liz.
“...De cartas claras sobre a mesa
É assim
Signo do destino
Que surpresa ele nos preparou...”

Sempre disse que se fosse neto seria como nós. Tratado na esculhambação que somos, míseros coadjuvantes da extraordinária saga feminina. Se eu morrer, ou quando eu morrer, se reencarnar ou quando me reencarnar quero vir homem por toda a eternidade. Apenas para continuar adorando-As.

E compartilhando o melhor da vida.


Até breve.

quarta-feira, 7 de março de 2012

SUCESSO I


Um dia escrevi uma canção e um amigo musicou. Gravei numa fita cassete interpretada por um amigo. Pedi a outro amigo que encaminhasse para um de seus amigos que atuavam em uma gravadora. Essa pessoa interessou-se e acabou conseguindo a inserção da minha música no portfólio de lançamentos de um álbum de inéditos. Quando a música finalmente começou a tocar nas rádios, explodiu.

Um dia escrevi um livro e um amigo editou. Coloquei em um envelope e enviei para um concurso que um amigo me indicou. Fui selecionado por uma banca inicial de jurados, mas na disputa final o prêmio foi conferido a outro livro. Mesmo assim um amigo insistiu para que eu tentasse distribuir o livro. Outro amigo se dispôs a fazer uma divulgação e lançamento. Fiz nove noites de autógrafos. Virou best-seller.

Um dia escrevi o roteiro para um curta. Drama intenso. Um amigo ombrou comigo desde o primeiro momento em que lhe mostrei a idéia em um bar. Depois ele apresentou a um grupo de amigos dele da área e alguém viabilizou a produção. Uma patota de amigos veio prá cima para atuar como extra, carregar instrumento, estender fios, enfim, contribuir. O filme participou de festivais, um inclusive fora do país. Ganhou prêmios em todos.

Duas ou três vezes quebrei. De cartão de crédito, cheque especial, empréstimo desses de placas carregadas por jovens em avenidas, financeiras duvidosas a agiotas violentos. Um amigo vendeu de suas coisas, outro bancou parte e outro ainda me deu um sermão madrugada adentro que jamais esquecerei. Paguei a todos e hoje administro.

Um dia a máquina deu breque. Monte de isiquizira que me remeteu à hospital. Fiquei internado por trinta dias, alternando grave, moderado até a alta. Três amigos revezaram a vigília noturna. Dois outros levaram frutas e uma penca visitou para contar o que rolava na vida lá fora.

Um dia briguei com minha esposa e saí de casa. Fui prá o apartamento de um amigo e detei falação. Ele ouviu durante horas minhas queixas. Uma amiga comum intermediou nossa reconciliação. Vivo com minha esposa até hoje.

Domingo comemorei sessenta anos. Amigos fizeram discurso dizendo que me amam.

Um dia comecei a escrever para um blog. Algumas vezes um amigo pediu que eu lavrasse palavras. Agora deixou um comentário em um dos posts dizendo que permaneceria Anônimo, pois desta forma minhas lavras tornam-se plenamente minhas e puras.

Parte do texto é invencionice, mas o veio é a lavra.

Até breve.


PS> Muito obrigado, amigo, pela palavra. O título é porque já havia lavrado a mesma palavra, ou por outra, a mesma sequência ordenada de letras.

terça-feira, 6 de março de 2012

INDOLE




Assim como para palavras, para pessoas não há sinônimos. Isto é coisa para gramáticos ou especialistas em Ciências Humanas. Como não sou nem um nem outro, lavro.

Assim como fiz no post anterior RELEVÂNCIA. Sem usar a palavra, proposta por um leitor anônimo, no corpo do texto e sem dizer o que ela vem a ser, diretamente. No episódio da escoriação do meu dedo, considerei que CORPO tem relevância. Da trava de segurança para crianças que INFORMAÇÃO tem relevância. No desenlace de minha amizade com aquela pessoa quis sugerir que ÉTICA tem relevância. Na experiência na Fontana di Trevi apontei que HUMANIDADE tem relevância e que, por último, AFETO tem relevância quando o leitor anônimo me demandou e me tornou útil.

Mas disse, também, que o texto é inconcluso e singelo.

Não há sinônimo, portanto. Há semelhanças, quem sabe, ocasional e circunstancialmente. Assim como as palavras as pessoas têm um jeito muito particular de se constituírem e de se assemelharem. Madre Teresa de Calcutá e o Cristo, talvez, no viver em função e para o outro. Hitler e Stalin, talvez, no arbítrio. João Guimarães Rosa e Jorge Amado, talvez, nas entranhas da terra natal. E tantos outros, em paralelo, se assemelham.

Mas amor não é paixão e paixão não é afeto e afeto não é carinho e carinho não é dedicação e dedicação não é doação e doação não é entrega e entrega não é amor. Mas João não é Jorge e Jorge não é José e José não é Marcos e Marcos não é Antônio e Antônio não é Francisco e Francisco não é Pedro e Pedro não é João.

E Liz?

Essa palavra que em agosto e por gosto tornar-se-á pessoa. Quando fui tocado pela idéia de SEIVA achei que buscava ali o que virá a ser essa Liz, a partir de minhas ancestralidades. Não ultrapassei a uma rasteira história pessoal, sem jamais e por força dela conseguir determinar qualquer possibilidade do que me virá a ser e Liz.

Pelo que ela será tocada? De que ingrediente da seiva que lhe nutre se servirá se é que se servirá dessa seiva? Liz existem inúmeras, inclusive Liz pode ser por carinho para chamar Lizete ou Elizabeth, a amiga querida ou a atriz famosa.

Mas Liz será Liz.

A palavra proposta para hoje remete-me a ABSOLUTO que se assemelha à outra palavra de infinitos sinônimos: DEUS. E se essa palavra não der conta ficamos com uma questão: para onde levar a discussão ao concluirmos que Ele evidentemente não existe?

Até breve.

PS> Ao leitor anônimo, meu muito obrigado pela palavra.

segunda-feira, 5 de março de 2012

RELEVÂNCIA


Eu estive durante o carnaval fazendo reparos em nossa casa de Santa Luzia (vide ÓCIO) e, por não ter muita paciência com uso de protetores (tipo luvas) acabei machucando em diferentes partes da mão direita. Na semana passada, dando continuidade à manutenção doméstica estive fazendo rejunte em vários pequenos orifícios e fendas do piso da área de lazer, que se tornam desgastes comuns face ao tempo. Usei principalmente o dedo indicador, que, como subproduto da peleja, ficou com uma pequena escoriação.

Incrível como um minúsculo espaço do corpo impõe.

Para coçar o ouvido direito, abrir e fechar o zíper, digitar, enfim, a minúscula escoriação tirou as funções operacionais de todo o meu dedo indicador da mão direita. Além da questão estética que me levou, por inúmeras vezes, a ter que responder à pergunta:

- Onde você machucou o dedo, Agulhô?
Eu tenho um corpo inteiro para ser notado e inúmeras pessoas apontam a escoriação?


Meu carro é uma camionete cabine dupla. Ocasionalmente transporto pessoas que se acomodam no banco de trás. Há meses a porta traseira esquerda não abria se acionada pelo passageiro pelo lado de dentro. Eu descia da camionete e abria a porta por fora. Quando o passageiro descia, por algumas vezes eu repeti:

- Essa porta tá com defeito... Preciso mandar arrumar...

Domingo agora transportei meu sobrinho, o João Vitor, aquele mesmo nerd da poesia (vide POESIS e POESIS II). Ele sentou-se no banco de trás. No destino, quando João foi descer, a porta não abriu, naturalmente. Eu desci e fiz a mesma operação (abrindo a porta traseira por fora) e ia dizer a frase acima, quando o nerd apontou para uma pequena chave localizada na parte lateral da porta e disse:

- Agulhô, você está com a trava de segurança para criança acionada. Por isto eu não consegui abrir a porta...

Incrível como uma informação primária explicita a ignorância e suas inúmeras implicações.


Durante anos eu me relacionei com uma determinada pessoa de quem fui muito próximo. Isso implica em dizer que eu me dediquei incondicionalmente como amigo. Tínhamos uma convivência freqüente. Belo dia ele me pediu que o ajudasse a caminhar numa negociação comercial e eu fiz o lugar do outro, o interessado. Dramatizamos diferentes simulações de possibilidades e engendramentos que pudessem fazer com que o meu amigo obtivesse êxito na negociação. Eu sabia a data e o horário em que ocorreria o processo. Eu liguei perto de três horas após a agendada. Meu amigo estava eufórico porque obtivera êxito.

Dias depois, nos encontramos. Falamos muito a respeito e eu recebi dele rasgados elogios.  Aconteceu que surgiu algo que ele tinha que poderia se constituir numa oportunidade recíproca. Estávamos, eu e ele, de repente num processo agudo de negociação de interesses. Aquela determinada pessoa mostrou-se toda, usando de artifícios e manhas com as quais eu não compartilho.

Incrível como no confronto de interesses surgem pontos de afinidades ou de distanciamentos.


Eu e minha esposa (ELA) estávamos em Roma. Visitávamos a maravilhosa Fontana di Trevi. Em dado momento vi um policial abordar uma asiática franzina, mal vestida, ‘imprópria’ para o lugar. A única lembrança que tenho da experiência da visita àquela exuberante obra de arte foi a da forma violenta com que aquele policial tratou a pobre mulher.

Incrível como algumas situações nos levam do deslumbramento ao estupor.


Este post, inconcluso e singelo, decorreu da iniciativa de alguém anônimo que, pela palavra proposta a ser lavrada, se auto-explica.

Incrível como existem pessoas que conseguem tornar a outras úteis.

Grato.


Até breve.