segunda-feira, 10 de agosto de 2015

TRABALHO



Não há nada sobre o que se pudesse falar durante um intervalo. Duas ou três horas escoariam até que voltássemos para dentro do teatro. Quando se está muito próximo da estreia é melhor não conversar muito sobre qualquer coisa. Melhor concentrar-se.

Mas acabou que não aconteceu assim.

Sentamos em um bar no térreo de um prédio contíguo ao teatro. Pedi um café e ela pediu um chope, um cigarro (imaginem) e uma porção de carne seca com fritas e cebolas.

- Estou com fome e sede.

- Vai fundo...

- Li meu horóscopo de hoje. Deixe-me te mostrar aqui, abro agora no celular... Eu leio prá você: A sensação de você ter perdido o domínio sobre a sua própria vida talvez não seja mera sensação, porém, a mais fiel tradução da realidade. Contudo, também dá para verificar que perder o domínio não é tão ruim assim.

- Para hoje?

- É. Dia 10 de agosto.

- E tem a ver?

- Ora, vá á merda.

- Isso não vale só para você. Todo mundo anda meio que perdido.

- A questão é que eu estou de saco cheio... Tô querendo deixar essa peça... Tô querendo parar de fazer teatro...

- Novela de TV, então?

- Num enche!

- O horóscopo tá dizendo que não é tão ruim assim...

- Tá doendo às pampas...

- Grila não... Vamo tocar o texto, a casa vai encher, aplausos nos embriagam... Pode até rolar uma grana legal. Se bobear prêmio de melhor atriz de novo...

- Cagando e andando...

- Cê sabe que é importante ser reconhecida... A crítica é burra, mas conta.

- Nem a cultura salva essa hora.

- Vamo fazer a nossa, tá legal? A consciência do público é que dite qualé. Se quiserem ir para as ruas, que vão... Senão, danem-se!

- Cê lembra como era?

- Acabou, já era, num rola mais...

- Mas que é foda é...

- Tá bom. Toma seu chope e vê se desencana.

- Cê acha que nós temos chance mesmo?

- A casa vai lotar...

- Num tô falando dessa porra, cara!

- Do quê, então?

- Ah, paga a conta aí e vamo voltar pro palco.





Até breve.

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