terça-feira, 19 de julho de 2011

CONVITE

Perdoem-me se os levei à exaustão pela leitura dos últimos seis posts com a avalanche de dados e/ou informações tomadas ao aleatório, daqui e dali. Tinha o propósito de emoldurar os tempos dos quais fui espectador. Confesso que minha intenção inicial era apenas fazer um registro. No entanto, na medida em que lia textos para pinçar um ou outro apontamento eu me vi construindo um pensamento. Vai ser necessário outros pensares, porque o que me acomete agora é uma pretensão.
Penso que, apoiado na Teoria da Evolução das Espécies, o Ser Humano experimenta o seu ocaso. Parece-me que começa a se formar outro Ser a partir dos últimos vinte anos do segundo milênio. O terceiro milênio aponta para o surgimento do Ser Hotomático. Os seus contornos não estão total e claramente definidos. Espero que minha provocação leve a outros a pesquisá-los, mas que há uma profunda mudança de características que constituíram historicamente o Ser anterior, hoje, não tenho dúvidas. Francis Fukuyama, em seu artigo polêmico de 1989: o Fim da História, já trouxe algo a respeito e há também outro texto do mesmo autor: Nosso Futuro pós-humano, publicado pela editora Rocco.
Faço, no entanto, um corte singelo. A década de oitenta começa com um assassinato. O do sonho humano acalentado desde sempre: o da liberdade.  O Ser Humano que se vai enquanto espécie foi durante séculos caracterizados, essencialmente, pela presença de três mobilizadores determinantes: ideal, ideário e ideologia.
Ser Humano foi aquele movido por um IDEAL: a mais querida das aspirações, uma quimera, que reúne todas as perfeições imaginárias; que se desenvolve pela via de um IDEÁRIO que é um feixe de idéias que são expostas e geram agitação e consistentemente catalogadas em uma IDEOLOGIA que sustenta e cientificamente essas idéias.
Convido a me dizerem qual é o nosso ideal, sobre que ideário, sustentado por que ideologia. Digam-me o nome de três líderes vivos que o sustenta, prática e teoricamente. Citem três dramas encenados no teatro, dois filmes, um ensaio, uma música, uma letra, um poema. Digam-me que somos ainda Seres Humanos.
O Ser Hotomático não demanda. Ele recebe pronto. Vou precisar de um tempo para entender Gil quando numa entrevista ele disse que a tecnologia suplantou a compreensão. O Ser Hotomático não elabora, não passa pela angústia de prospectar variáveis e montar equações. Se quiser lê no manual, preenche a palavra na lacuna PROCURA ou tecla Ajuda.  
O Ser Hotomático tem um propósito: incluir-se. Na próxima categoria da escala de consumo. Os programas de governo são orientados nessa perspectiva: Minha Casa, minha Vida. Como se Lar, fosse suficiente a Casa. A criança está modelada numa estrutura articulada de tal sorte que ela operará no futuro dentro de perspectivas quase pré-determinadas que lhe garantam sucesso. Há uma grade de competências.
O Ser Hotomático não tem rigores é, fundamentalmente, permissivo. Pode, na medida em que não há autoridade legítima. Nenhum fato permanece, nem duas torres gêmeas. A corrupção é mera pauta jornalística, perdem-se as contas. A Política é engodo, o Ser Hotomático é um idiota, no sentido grego. Não há Estado, não há Nação, afora naquilo em que rola bola.
O relacionamento é efêmero, o Ser Hotomático não troca, utiliza. Não se casa, produz um evento sob contrato. A sexualidade dispersa em múltiplas possibilidades, não há barreiras, o Ser Hotomático não se distingue, claramente. Goza.
O Ser Hotomático não tem nem paraíso, nem inferno e vive o hoje. Não tem pelo que viver ou morrer, e nem tem credo, é letárgico, por natureza. O mundo é um só, globalizou-se o consumo. Inclusive o de Ser, mesmo.
Não levem a sério minha pretensão. Eu mesmo fico achando que essas idéias derivam da nostalgia da minha aguerrida juventude.
Tenho guardado o recorte de um artigo publicado no Jornal O Globo no dia 11 de dezembro de 1980 de Artur da Távola, abaixo. Gostaria que ele fosse levado a sério. Deparei-me com ele, por acaso, quando procurava pelo recorte de John Lennon e Yoko Ono, publicado aqui em AMBIENTE III. Távola, na época, já enunciava algo na direção de Hotomático, eu acho.
Sei lá se terá breve.

4 comentários:

  1. Lendo sobre hotomático , veio a minha mente um jogo de palavras, "automatico".. e recordei-me de uma frase, quase certeza que de sua sabedoria..."viver é muito perigoso!".. bjos

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  2. Fantástico!Estupendo!
    Ficou apenas uma dúvida: essas reflexões vc tirou do google????

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  3. Agulhô, muito bom!
    Me fez pensar no filme Meia noite em Paris...o autor e diretor Wood Allen; fantasia a realidade, onde um jovem que pretende ser escritor vai a Paris em um momento que busca mudança em sua vida.
    O seu ideal era ter vivido os anos 20 e em sua ilusão passa a conviver nesse tempo com pessoas como Picasso, Dalí, Scott e Zelda Fitzgerald, Ernest Hemingway, T.S. Eliot entre outros heróis que morreram das overdoses de seu tempo.
    No momento de viver; o sonhado romance com Zelda, eles entram agora na ilusão dela...que é viver a Bella Epoqué (a partir de 1880).
    Desculpe contar o filme, mas você também contou os filmes que ainda virão e as overdoses de tecnologia, de seres hotomáticos, de informação, de superficialidade, de coisas prontas que nos tiram a vida.

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  4. Não postei comentários anteriores, uma pena mas os li com algum atraso. Mas deste ...
    É ISSO AÍ. GOSTEI DO CONFRONTO E DA ONOMÁSTICA. BINGO ! ASSINO EMBAIXO.

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