sábado, 9 de julho de 2011

BANCO II

O Banco prestava, entre outros serviços inerentes a um Banco público, o pagamento de aposentadorias, pensões e benefícios. No período destinado ao pagamento, era um horror nas agências, matéria cativa mensal na mídia, o que nos trazia um profundo desgaste de imagem. Com o propósito de minimizar o problema montamos um posto específico na Avenida dos Andradas, em frente ao Parque Municipal, acreditando ser possível reduzir as filas. Uma imensa bateria de caixas foi instalada. Objetivando humanizar o atendimento colocamos pessoas avançadas no saguão para orientar os clientes. Instalamos equipamentos de som e deixamos o espaço com um fundo musical tranqüilizante. Reforçamos a segurança nas proximidades do posto de atendimento para coibir assaltos. O problema é que acabamos com as filas.
Dois meses depois de implantado o processo, recebemos da grande maioria dos clientes um veemente protesto por termos acabado com as filas. Fomos obrigados a ouvir que as filas eram, para muitos, a única oportunidade de interagirem com pessoas que ao longo de muito tempo fizeram amizade e que todo mês se encontravam ali e colocavam a conversa em dia. Optamos por ficar com a mídia para eliminar o estrago que ela fazia, e o posto de atendimento para pagamento de benefícios sem filas, que veio a ser visitado por outros Bancos que prestavam o mesmo serviço no Brasil, pode ter rompido algumas relações humanas possíveis.
Ossos do ofício, mas havia questões ainda mais críticas.
As operações equivocadas realizadas no passado com garantias inexistentes e de recuperação duvidosa e/ou a longuíssimo prazo, além da indispensável e urgente reforma de boa parte das agências, a monstruosa soma de recursos alocados para debelar o passivo trabalhista, além de outras mazelas históricas, colocavam o Banco numa escala de risco ainda preocupante.
Tomamos uma decisão crucial, que foi a de reduzir a rede de agências deficitárias, o que para um Banco é rastilho de pólvora pura. Estávamos, em reunião, apenas os superintendentes mais confiáveis e dois vice-presidentes e levamos uma proposta objetiva ao Presidente que mais uma vez apoiou a nossa decisão.
Foi uma operação de guerra, mas fechamos (em um único dia) quarenta e duas agências absolutamente deficitárias o que acarretou, entre tantas outras conseqüências, a demissão de mais novecentos e sessenta e poucos colaboradores do Banco. Uma loucura. O Presidente do Banco desapareceu no mundo, fazia parte da estratégia, e uma bem montada assessoria de comunicação apaziguava analistas de mercado, a mídia e por extensão o público. Eu fiquei no Banco toreando sindicatos e uma avalanche de políticos considerando-se prejudicados pela medida. No final da tarde, início da noite do dia da operação, minha secretária atendeu ao telefone pela enésima vez e me perguntou se eu atenderia dizendo o nome da pessoa que chamava. Não posso dizer o nome aqui, pelo porte do coturno de sua excelência. Travamos, mais ou menos, o seguinte diálogo:
-‘Agulhô, excelência, Superintendente do Banco. Em que posso ser útil?’
- ‘Considero louvável a iniciativa dos senhores, mas não acho que seja sensato fechar a agência de (disse o nome da cidade), já que é muito importante para a comunidade o serviço prestado pelo nosso Banco. ’
- ‘A decisão foi tomada a partir de um rigoroso critério de análise e nos desagrada profundamente tomá-la, no entanto, face aos resultados do Banco nessas agências não tivemos alternativa senão suspender as suas operações. ’
- ‘Deixe, meu rapaz, eu ser mais claro... É a agencia da minha cidade natal, o senhor sabia?’
- ‘Não excelência... ’
Em que pese os horrores a decisão foi mantida e assumida por toda a linha de comando e as agências mantiveram-se fechadas. No entanto, não se faz uma operação dessas sem deixar um imenso ônus. Pouco tempo depois a Diretoria caiu.
Estive no Banco durante quatorze meses que pareceram anos, de uma intensidade e complexidade ímpares. Não houve um dia sequer que eu pudesse por um minuto relaxar. Dediquei-me integralmente à tarefa demandada pelo Presidente do Banco quando da minha contratação. Passei pela experiência expressiva de ser servidor público e numa atividade crítica que é a administração de recursos financeiros que pertencem a todos nós e que precisam ser maximizados.
No dia 02 de junho de 1993 compareci à sala do Presidente do Banco recém-empossado para formular o meu desligamento e selar de maneira definitiva a minha carreira como empregado. Estava com quarenta e um anos, com a consciência tranqüila e a musculatura pronta para enfrentar o desafio de empreender o meu próprio negócio.

Até breve.

Um comentário:

  1. Agulhô
    Agora com o dominio da alta tecnologia ( ctrl+ ctrl-) leio os seus relatos com mais intensividade , aumentando a velocidade da esteira .
    Continui escrevendo com a mesma assiduidade , pois como disse um jovem profeta " para continuar costurando a vida é necessário ....ajulhar "

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