sábado, 31 de maio de 2014

MAL



Assisti ontem a dois filmes: “Hannah Arendt” no Cult e “Filhos da Natureza” no Max.

Ambos, por suas circunstâncias, me levam a refletir sobre a nossa conduta de observar e se posicionar diante dos acontecimentos próximos e distantes a cada um de nós.

Arendt, filósofa judia alemã, convidada a cobrir o julgamento do “criminoso do século” Adolf Eichmann, produz um relatório controverso que leva a inúmeros protestos semitas inclusive de seus amigos próximos que rompem com ela laços de amizade de anos.

Para Arendt, Eichmann era um típico burocrata que se limitara a cumprir ordens, com zelo, sem capacidade de separar o bem do mal. Não era um monstro, mas sim uma pessoa normal, medíocre, cujo grande defeito de caráter era não pensar por si próprio, o que o transformara em um joguete, um palhaço que seguia a lei – independente de suas consequências.

Hannah Arendt não estava desculpando torturadores, estava apontando a dimensão real do problema, muito mais grave. O texto de Hannah, apontando um mal pior, que são os sistemas que geram atividades monstruosas a partir de homens banais, simplesmente não foi entendido.

Na visão de Arendt o que foi tentado no ardil nazista foi a desumanização do objeto de violência. Torturar um semelhante choca os valores herdados, ou aprendidos. Portanto, é essencial que não se trate mais de semelhante, pessoa que pensa, chora, ama, sofre. É um judeu, um comunista, ou ainda, no jargão moderno da polícia, um “elemento”. Um negro, um mendigo, um homossexual.

No plano internacional, um terrorista. Nos programas de televisão, um marginal. No plano nacional, um destes mascarados em nossas manifestações de rua, vândalos. São seres humanos? O essencial, é que deixe de ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa, e se torne uma categoria. Ora, é preciso restabelecer a ordem.

O perigo e o mal maior não estão na existência de doentes mentais que gozam com o sofrimento de outros – por exemplo uns skinheads que queimam um pobre que dorme na rua, gratuitamente, pela diversão – mas na violência sistemática que é exercida por pessoas banais.

“A Banalidade do Mal”, livro escrito por Arent a partir de suas reflexões tiradas do julgamento de Eichmann, parece ainda intensamente presente em nossa sociedade cada vez mais tomada por burocratas e por pessoas que dominam a arte de não pensar. É preciso tomar cuidado. Fantoches podem levar milhões à morte.

Pode até haver um torturador particularmente pervertido, tirando prazer do sofrimento, mas no geral, são homens como os outros, colocados em condições de violência generalizada, de banalização do sofrimento, dentro de um processo que abre espaço para o pior que há em muitos de nós.

Filhos da Natureza, por sua vez, traz um adolescente de família simples – Nicolaj - que vai aderindo ao movimento punk, como sua maneira de protestar contra a sociedade burguesa e pequeno-burguesa em Oslo em 1970 simplesmente por influência dos amigos, do contexto, repetindo com as massas as mensagens de ordem.

Após um terrível acidente, sua mãe é vitima de atropelamento e morre, Nikolaj se muda com o pai para um pequeno povoado na Noruega, onde a regra é a conformidade.

Em solenidade promovida pela escola comemorativa do Dia Nacional da Noruega, Nicolaj arremessa uma garrafa vazia na cabeça do diretor que fazia um discurso alusivo ao país.

O que deve assustar no totalitarismo, no fanatismo ideológico, não é o torturador doentio, é como pessoas normais são puxadas para dentro de uma dinâmica social patológica, vendo-a como um caminho normal.

No filme Hannah Arendt há uma cena em que a filósofa faz uma palestra na universidade para esclarecer suas motivações para escrever o relatório sobre o julgamento de Eichmann em que ela diz:

- “Entender não é perdoar”.

Lembrei-me de Nietzsche: “Não se trata de amar ou odiar. Quem sabe se passássemos a compreender nos tornaria uma sociedade menos iníqua e vil”.  

Chamado para reunião na escola para tratar da agressão de seu filho ao diretor, o pai de Nicolaj interpela o diretor que clamava por uma punição ao jovem, convidando-o a pensar sobre o que os pais e o sistema estão produzindo que pudesse estar levando os jovens a tais atitudes.

Com a palavra cada um de nós, com nossos “juízos”.




Até breve.

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