segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

DESTÍTULO



Vamos combinar o seguinte: você fecha o ano.

Eu abro o novo. Daqui a pouco será 2015 e não se falará mais em 2014. Apenas as redes de TV e suas tradicionais resenhas fantásticas. Lembram-se dos crimes, dos acidentes, dos futebóis, dos casamentos e dos divórcios, das liberalidades sociais e das conquistas?

Pois bem, não interessam mais. Vamos aos novos crimes, aos novos acidentes, às novas partidas de futebol, aos casamentos e aos divórcios. Às novas conquistas e liberalidades sociais.

Se bem que podíamos inovar para o próximo ano.

A imprensa não noticiará mais.

Os crimes ficarão restritos aos seus espectadores imediatos. Os acidentes, idem. As partidas de futebol apenas aos torcedores presentes nos estádios. Os casamentos aos nubentes e eventuais padrinhos e parentes próximos. Os divórcios ao requerente e ao tabelião.

Não ocorrerão conquistas e liberalidades sociais. Tudo ficará como está.

Ninguém passará nenhuma informação, nem em domicílio. Tudo ficará reservado aos assistentes dos fatos. Nenhuma versão será autorizada, nem obra de ficção será escrita.

Nenhum poema virá à luz.

O cinema não passará filmes. Os teatros se calarão. Exposições de artes ficarão em museus cerrados. A TV ficará com seus chuviscos alternados por agudos sibilantes.

Não se olharão olhos nos olhos.

Ninguém irá ao trabalho, nem a supermercados, shoppings, boutiques, salões de beleza. Nem a hospitais, consultas médicas, massagens e nem sequer a manicures. Muito menos a prostíbulos, boates, bares. Restaurantes.

Os cães não latirão nos vazios da noite.

Ônibus municipais, interestaduais, nem aviões operarão. Carros não circularão.

Rios não seguirão seu curso. Não ocorrerão cheias ou marés baixas dos mares. O sol não brilhará, nem a lua. O céu ficará à nu.

Ninguém nascerá, ou morrerá. A não ser que se queira. Escolherá como, onde, com quem e por que. Dali se reduzirá ao mesmo.

Choverá à noite. Enchentes somente em lugares pré-estabelecidos e já conhecidos de todos. Não haverá rezas, nem lamúrias pelo ocorrido. Lamas ficarão expostas até o próximo período.

Ao fundo se repetirá pelos trezentos e sessenta e quatro dias do ano ininterruptamente Carmina Burana.

No último dia do ano:

Moscas quedarão inertes.

Vazio.



Até breve.

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