sexta-feira, 20 de abril de 2012

SANGUE


Viemos de Barcelona ontem à noite de trem. Valência é uma belíssima cidade e a terceira, em importância, da Espanha. Em 1957 ocorreu uma enchente que fez transbordar o rio que cruzava a cidade. A água subiu até o quinto piso dos edifícios próximos vitimando mais de duas mil pessoas. O governo desviou o curso do rio e, em toda a sua extensão (quase dez quilômetros), construiu parques e locais para o lazer e ócio das pessoas. Uma beleza.

Hoje alugamos um carro e por volta do meio-dia chegamos à Elche. Orientamos-nos pelo GPS colocando como direção uma rua com o sobrenome Agulló. Chegamos a rua cadastrada e próximo a ela me deparei com uma loja de eletrodomésticos. Na placa: AGULLÓ GUILLÓ. Entrei na loja e perguntei sobre o proprietário. Fui informado que aquela era uma de várias outras lojas pertencentes a uma cadeia e que El Chefe aparecia muito raramente. Hoje ele não estava.

Resolvemos então seguir a orientação trazida por mim do Brasil: Torrellano Bajo, polígono um, número sete. Torrellano é um distrito próximo a Elche e encontramos alguma dificuldade em localizar alguém que pudesse nos informar sobre o nosso destino. Uma simpática e gentilíssima senhora, dona de uma floricultura em Elche, fez com que nós a seguíssemos em seu próprio carro até a zona rural onde meu tio Carlos (irmão do meu pai) construiu uma modesta casa e lá viveu até morrer deixando o filho Ramon Lopez Sempere (o mesmo nome do meu avô) que veio a se casar com Tonica.

É uma propriedade de dez mil metros quadrados, praticamente toda plantada com diferentes árvores frutíferas. A casa fica a uns cinqüenta metros da cerca onde há um pequeno portão de entrada e, em uma das laterais, outro para entrada de automóveis.

Desci do carro sem saber como seríamos recebidos. De dentro da casa saiu um senhor que rapidamente voltou para dentro da casa. De repente surgiu uma senhora com os cabelos desalinhados trajando, sobre a camisa de mangas e calça compridas, um surrado avental.

- “Tonica?” Perguntei à senhora.

- “Eu te mato!” Gritou a mulher, surgindo entre árvores do pomar, gesticulando as mãos nervosamente.
Ela veio ao nosso encontro, abraçou-me, forte e efusivamente, e repetiu:

- “Eu te mato! Se você não viesse... já tinha telefonado hoje duas vezes para o Brasil... E nada!”

O senhor que aparecera no primeiro momento veio também ao nosso encontro. Carlos, o filho mais velho de Tonica. Pouco depois chegaram a filha de Tonica Paquita, acompanhada pelas suas filhas adolescentes, Núria e Sandra.

Nunca havia estado com todas essas pessoas. Não sabia nada sobre elas, apenas a relação de parentesco. Eu havia falado, por telefone, com Tonica uma única vez há vinte ou vinte e poucos dias atrás. Na conversa disse a ela que estaríamos em Elche no dia de hoje. E nada mais.

Meia-hora depois que havíamos chegado a Torrellano Bajo parece que éramos todos próximos.

A mesa foi posta com uma pata de jamon, castanhas de caju, amêndoas, cerveja, refrigerantes e outros. Almoçamos juntos. Conversamos acaloradamente, brindamos o momento mais de uma vez.

No final da tarde chegaram Evaristo e Maria Virginia. Evaristo Agulhó Agulhó ( assim mesmo: duas vezes o mesmo sobrenome), casado com Maria Virginia, tem sessenta anos e é neto de um irmão da minha avó Manoela. Da mesma forma, parece que havia alguns dias apenas que não nos víamos. Desses nós não tínhamos a menor referência.

Por volta das cinco horas, quando nos despedimos, reparei os olhos marejados de Tonica, Carlos e Paquita. Evaristo fez questão que nós o acompanhássemos até o centro da cidade onde ele tem uma loja de pneus. De lá fomos a uma cafeteria. Conversamos ali por mais uma meia-hora. Levantei-me sozinho e fui até o caixa pagar a conta. Havia ali três moças, garçonetes da cafeteria. Uma delas me perguntou:

- “Ah, então você que é o primo de Evaristo que mora no Brasil?”

Já na estrada, voltando para Valência, comentamos (Lé, Fabiana, Ela e eu) que tudo o que aconteceu hoje em Torrellano Bajo foi de uma importância sem precedentes para aquelas pessoas com as quais passamos algumas horas do dia. Todas, e com igual intensidade, nos aguardaram mesmo para lançar sobre nós um imenso carinho e hospitalidade.

Até breve.






3 comentários:

  1. Emocionante!! Momento ímpar! Terroir!!

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  2. Nossa tunica e familia, sangue agulho que corre na veia e sensibiliza pessoas! Muito bacana! Eita que essa viagem promete! Mas o claudao falou que vc fica assim quando viaja sem ele..,,

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