segunda-feira, 22 de setembro de 2014

ASSOMBRAMENTOS



O que afinal faz com que um cresça e se desenvolva e outro que estagne e patine? Do que se constitui um povo que diante de uma absoluta escassez, derrota física, moral e econômica se refaz de cinzas de outro que vive na abundância de recursos e não consegue encontrar-se e constituir-se?

Num deu prá vê-lo. Um aglomerado de nuvens caprichosamente tratava de encobri-lo parcialmente ali para acima da metade do seu majestoso corpo rochoso e vulcânico.

O Monte Fuji, símbolo do país com 3776 metros de altura, é um dos 80 vulcões existentes no Japão e se encontra inativo desde 1707. Há épocas em que se promovem corridas até o topo. Um homem de 108 anos de idade e uma mulher de 85 já realizou a façanha.

A seus pés são formados lagos com o degelo das águas que filtram por suas cavidades vulcânicas formando um cenário mais do que deslumbrante. Os antepassados contavam às suas crianças lendas de que em um desses lagos vivia uma dragão malvado. Uma vez um monge budista fez orações ao longo de três dias inteiros e, no quarto dia, o dragão surgiu e disse ao monge que nunca mais faria mal a ninguém e, a partir dali, protegeria os habitantes de todos os povoados existentes às margens do lago.

Em 1964 o imperador Hirohito inaugurou a via férrea sobre a qual voa, literalmente voa, o trem bala. De novo: 1964, há cinquenta anos, começou a aparecer a revolução. Viajamos nele de Tóquio à Quioto, ou Kioto, como queiram. Faz quatrocentos quilômetros por hora a coisa.

A estação em Quioto dá a dimensão da resultante que foi o esforço dessa raça comoventemente humilde, pujante, acelerada que pela manhã, ainda em Tóquio, assistimos dirigindo-se em massa trajando calças pretas e camisas brancas de mangas longas irem para o trabalho. Milhões delas deixando estações de metrôs e, em silêncio, circunspectas e determinadas em direção aos seus escritórios, fábricas, repartições, lojas de comércio.

À noite fomos jantar na estação ferroviária e pude conhecer melhor o lugar. Uma arquitetura construída em estrutura de aço distribuída como são as vestes do povo, múltipla, aparentemente desforme, desconexa, exótica. Doze andares acima do solo e outros tantos subterrâneos que dão acesso aos terminais de embarque e desembarque. Do centro do edifício para o lado oposto que margeia a linha férrea não há cobertura e uma cascata de doze escadas rolantes gigantes cada uma com a extensão de uns cinquenta metros fazem o acesso aos andares onde se movem centenas de milhares, milhões de pessoas todos os dias.

Além de seus cento e vinte restaurantes todos iguais e absolutamente diferentes com as refeições expostas nas vitrines feitas em, suponho resina, que retratam fielmente os pratos que são servidos existem centenas de lojas que vendem de um tudo.

Em uma segunda-feira, como hoje à noite, todos - literalmente todos - os restaurantes estavam lotados. No Japão trabalha-se o dia inteiro como budista e à noite goza-se como xintoísta.

Por volta das vinte e três horas durante a caminhada de volta para o hotel que fica próximo à estação, me fiz a pergunta com a qual inicio este post.

Cada povo escolhe seu dragão e faz para si a história que merece.




Até breve.

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