sexta-feira, 19 de setembro de 2014

CINZA



Treze horas de voo (uma de BH à São Paulo e doze de São Paulo à Istambul) e quatro filmes depois, desembarcamos na Turquia para uma parada técnica como recomendado pela nossa agência de turismo. Seguimos hoje mesmo para Tóquio em mais doze horas dentro de um pássaro de aço.

Nebraska - um dos filmes - é uma melancólica história de sonhos desfeitos e de perseverança. Viajamos, na tela em preto e branco, por uma América abandonada, desencantada e sem esperança. Ao receber pelo correio uma carta de um sorteio, o velho Woody Grant acredita estar rico e o seu filho David vê-se obrigado a acompanhá-lo numa viagem para reclamar a sua fortuna. Nebraska é o destino de pai e filho, que partem numa jornada ao longo de quatro estados norte-americanos, onde reencontram velhos amigos e família.

O argumento original é apaixonante desde o primeiro momento e inesperado, até ao fim. Nada é previsível ou cai no cliché, o humor é arrasador, sarcástico, chegando a ser cruel. As personagens são simples, mas profundas e a viagem até Nebraska é uma lição de vida para pai e filho - e plateia. A família é parte fundamental da longa-metragem, seja pela fabulosa relação pai/filho, seja pelo reencontro com a família interesseira e disfuncional de Woody.

Ao mesmo tempo, um triste retrato pintado em tons de cinza que revela toda a beleza da tragédia, mostra-nos o lado mais obscuro dos Estados Unidos da América, desolado e sem futuro.

Woody e David percorrem um longo caminho em busca de um sonho do patriarca. A conquista vai, contudo, muito para lá da desejada fortuna. A relação entre o par que nos guia por esta América perdida cresce a cada cena, e resulta numa grande prova de amor de um filho a um pai. As personagens dão-se a conhecer e vão-se revelando - a nós e umas às outras. Woody, de saúde débil e dependente do álcool, sabe bem o que quer, e não desiste, ama os filhos apesar de não o demonstrar da melhor forma, e é dono de um passado que deixou marcas profundas. Provavelmente, David nunca conheceu tão bem o pai como durante os dias que passaram juntos, até Nebraska.

Nebraska é uma história de família, numa América esquecida, que nos lembra de que há laços e valores que nenhum milhão de dólares é capaz de pagar.

Labor Day, outro filme, apresenta uma família dividida por um divórcio. Mãe e filho vivem sozinhos. O garoto vê o pai e sua nova família aos domingos e se sente responsável por cuidar da mãe. A vida da mãe e do filho é abalada, porém quando, em uma manhã de verão, são abordados dentro de um supermercado por um fugitivo da prisão e são forçados a levá-lo para casa. Reféns da situação, os dois não têm outra opção a não ser cooperar.

Durante os cinco dias em que o fugitivo fica em sua casa o menino, de treze anos, aprende algumas das lições mais importantes da sua vida: como lançar uma bola de baseball, como fazer uma torta, como não sofrer com a inveja, o poder da traição e a importância de pensar nos outros antes de si mesmo.

O terceiro filme que assisti a bordo foi A Negociação com Richard Gere. Às vésperas de vender sua empresa milionária um magnata da bolsa de valores, envolve-se em um acidente automobilístico causando a morte de uma pessoa.

A trama aponta o ambiente de negócios e a relação do protagonista com sua família. Em ambos os universos paira um clima de intrigas, perversões e condutas pautadas por falsidade extrema.

O quarto e último filme é Grande Hotel Budapeste. Uma fã visita a estátua de um escritor, tendo em mãos o livro de memórias dele. Quando ela abre o livro, surge o início do enredo. Alguns anos antes, o tal escritor, reconta sua passagem, na juventude, em 1968, pelo já decadente hotel do título, localizado em Zubrowka - república nos Alpes europeus que, embora fictícia, não passou incólume pela influência sovíética no pós-guerra. Do proprietário, o escritor escuta um relato que remonta a 1932, quando o hotel, no seu auge, foi palco de um imbróglio envolvendo o concierge Gustave, uma viúva rica, herdeiros ardilosos e uma pintura inestimável.

O escritor diz em cena que escritores não inventam histórias, mas reproduzem o que veem e o que escutam.

Nada ocorre por acaso, nem às nuvens. Assistir aos quatro filmes embolou-se com algo que vem me assolando: a tragédia do contemporâneo.

Li, esta semana, que uma igreja que integra 12 milhões de fiéis está se organizando para a instalação de um partido político. O rol de candidatos que se apresentam nos programas gratuitos (?) na TV são alarmantes. A democracia brasileira a cada dia fica mais perigosa.

Num sei, mas a vida real vai ficando cada vez mais em preto e branco. Nada contra as cores, naturalmente.

De resto, assistam aos filmes. Pura ficção.



Até breve. 

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