segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

SEIVA IV

Não me lembro se é verdade. Tenho quase certeza que acontecia. Se não for fica sendo, mesmo que por pura invencionice. Minha avó tinha um sobretudo de lã, acho que preto, de onde eu catava pulgas.
Eu tinha dois tios no Rio de Janeiro e minha avó materna, Eulália, durante praticamente toda a minha infância, morou com eles. Assim, nesse período, nos víamos muito pouco, embora ela me mandasse inúmeras cartas.
No início da minha adolescência, para minha alegria, ela veio morar conosco e aí ficamos muito próximos. Ela não dizia, mas estou certo de que eu era o seu neto preferido e sempre fiz por onde merecer esta distinção.
Não me esqueço de quão ela era séria em abordar qualquer assunto comigo. Eu fazia a maior questão em parecer que estava prestando atenção. Eu sempre lhe falava sobre os meus planos futuros: numa semana ser Presidente da República, noutra padre, noutra jogador de futebol. Ela nunca descaracterizava, sempre dizia:
            - “Ah! Que bom, Agulhorzinho!  ... é uma carreira muito bonita...”
Um belo dia ela sentou-se a minha frente e olhando fixamente nos meus olhos, com a mesma seriedade de sempre, me disse:
- “Você tem falado de seus planos e eu acho muito bom que você os tenha. No entanto, deixe te dizer uma coisa: quando você optar e sentir que é mesmo o que você quer, defina cinco poucos vitais que levarão você ao seu intento. Não se afaste deles jamais.”
Ela ficou acamada durante muitos anos antes de morrer. Eu deitava ao lado dela e tínhamos longas conversas. Lembro-me também que ela tinha cravos imensos no nariz e eu gostava de tirá-los.
Nos encontros de família e de amigos dos quais ela participava em que surgiam assuntos relacionados a posses, riqueza, ambições e os ânimos acaloravam ela limitava-se a dizer: “Prá lá nós vamos...”
Numa noite o seu quadro de saúde agravou-se e fomos, eu e minha mãe, levá-la a um hospital. Eu fui ao lado dela, que seguia numa maca, acompanhando-a até onde recebeu o primeiro atendimento. Ela me olhava tranqüila e acariciava as minhas mãos.
Não conheci meu avô materno. Sei apenas que o seu nome era Luiz e tinha vindo de Portugal.




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