quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

SEIVA III

Embora tenha abandonado a toalha de mesa por força da ignorância de meu pai, da roupa dos filhos, ainda que muito simples, jamais deixou de cuidar. Nosso uniforme escolar era impecável. Na chegada à escola sempre recebi elogios pela minha estampa. Cabelos Príncipe Danilo, com um topetinho armado por Gumex. Camisinha Branco Omo Total Super Ação, calça curta nos trinc, todos com alvejante Anil. Sapatos Vulcabras engraxados, brilhando.
Tenho fotos da primeira comunhão, parecendo um lorde.
Ela colocou-me em um concurso de beleza, fui um dos finalistas, saiu foto minha no jornal. Perdi por pouco. Sempre surge um sacana tipo Brad Pitt. Prá ela, jamais. Eu era o mais lindo. Meu pai, fino do jeito que era, achou que ali minha mãe estava exagerando. Filho de matador nos ringues de maiô na passarela, caramba, é por demais. É bom que se saiba: já naquela época, qualquer um que observasse o volume em determinado lugar do maiô não concordaria com o meu pai.
Ela, nem aí pro meu pai. Achou por bem que eu deveria estudar música e arrumou uma professora de acordeom. Taí uma coisa da qual me arrependo. Hoje poderia estar aí, celebre fazendo um duo com Astor Piazzolla. Preferi a bola de meia, de plástico, de que fosse e caía na rua. Queria tocar de ouvido, sem a partitura, ficava puto em fazer as claves, contra-claves, sei lá o que mais nos cadernos de música. Sempre tive dificuldade em aprender qualquer coisa by the book.
Uma das coisas pela quais ela me admirava, eu acho, é que eu era um bom menino. Ela nunca me bateu por outro motivo senão pelas minhas eternas escapadas prá rua. Foi me buscar centenas de vezes, e o chicote comia solto, além das varas de marmelo. Jamais a entendi: quando ela estava me açoitando nas pernas (nunca em outra região) eu chorava aos gritos e ela: Para de chorar, menino!
Mas ela me admirava também pelo meu jeito brincalhão. Eu gostava de imitar os humoristas da TV e do cinema. Ronald Golias, Ivon Curi, Cantinflas, Mazzaropi. Eu fazia com o maior gosto e por vingança das surras que levava. Ela ria, ria, ria tanto que por diversas vezes saiu correndo urinando pelas pernas abaixo, de tanto rir.
Certa vez, face à penúria financeira familiar, ela comprou uma máquina de cortar cabelo manual. Era usada, quase enferrujada. Levou um banquinho para o quintal, chamou a mim e a um de meus irmãos para fazer o corte dos cabelos de seus filhos queridos. Primeiro foi o meu pai que veio nos socorrer, mas desistiu pela determinação dela.  Na minha vez eu gritava tanto que uma viatura da polícia parou em frente da nossa casa para saber o que estava acontecendo ali. Frustrada a experiência, ela devolveu a máquina e naquele mesmo dia fomos ao salão para acertar os inúmeros “caminhos de rato” produzidos. Mais tarde, já rapazinho, quando eu a fazia lembrar do episódio, ela saía correndo para o banheiro apertando as pernas.
Religiosa ela mantinha, numa salinha, uma santa sempre iluminada e com rosas que colhia no jardim. Montava todo ano um presépio enorme com todos os personagens. Na data enchia-se de emoção e cantava como ninguém:
Noite feliz,
Noite feliz,
Oh, Senhor, Deus do amor,
Pobrezinho,
Nasceu em Belém
Eis, na lapa, Jesus,
Nosso bem.
Dorme em paz, Oh Jesus...
Dorme em paz, Oh Jesus...
Tantas passagens ainda serão necessárias memorar. Há uma, no entanto, que registro agora. Quando recebia o diploma universitário voltei-me para a platéia. Ela era a única pessoa de pé e me aplaudia.
“Benditas sejas mãe, por ter me dado a possibilidade de ver o mundo.
Não fostes tu, não poderia eu ouvir as promessas da vida nem depois falar delas a um pequenino ser que, palpitando em meus braços, prolongará a tua essência através de mim.” (http://www.blogdoagulho.com.br/2011/06/bencao.html)




2 comentários:

  1. É assim a caminhada da vida, cheia de experiencias, de lembranças, de aprendizados... muitas pessoas especiais, que nos ajudam a seguir em frente... assim será com seus filhos, netos, afilhados... rsrsrsr bjos

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  2. Fala sério, concurso de beleza ! kkkkk. Mas de uma coisa Tb me arrependo; de ter tido vergonha de aprender e sair com o acordeon na rua. Já pensou, poderiamos ter encontrado tb nos palcos da vida. rsrsrs.

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