domingo, 31 de maio de 2015

PÚSTULA



No final do ano passado a família estava conversando, quando o pai prenunciou: “Um de nós aqui perderá o emprego no próximo ano”.

Hoje a família conta com três desempregados, dois de companhias transnacionais onde trabalhavam há mais de quinze anos.

Encontrei-me esta semana com Pretinha conversando com uma jovem senhora, muito próxima de nós. A jovem estava às lágrimas e eu procurei saber por quê. O marido não trabalhará mais as sextas-feiras e terá uma redução de 13,5% do salário para que seja possível a manutenção de seu emprego.

- Reduziu muito o número de seus clientes, disse ao dono do restaurante que fica em frente ao prédio onde moro.

- Muitas empresas fecharam aqui ao redor...

A crise contemporânea ultrapassa as capacidades dos estados nacionais em debelá-la. Para além das variáveis parametrizadas por especialistas e teóricos, a questão não se restringe à ciência econômica e muito menos à ciência política.

A vulnerabilidade dos aparelhos da democracia – modelo desejado pela maioria dos cidadãos daqui de do mundo a fora – se expande de maneira explosiva.

A História não havia registrado ainda o mosaico de complexidades apresentadas no tempo presente. Não se trata de um ciclo já experimentado. Há ineditismo no quadro.

A migração da riqueza das nações para conglomerados privados retira de forma contundente e preocupante a possibilidade de governos gerirem a expansão de suas necessidades. O coletivo perde terreno na esfera do Poder para os interesses privados.

É profunda a diferença das oportunidades dos cidadãos. Três trilhões de dólares ao ano, que corresponde ao PIB da Alemanha (4ª economia do mundo) são consumidos em produtos de luxo por uma minoria que comanda o novo império.

A produção rentista de capital sobre capital aliada aos inúmeros desvios muitas das vezes patrocinados, fomentados e/ou acobertados por grandes instituições financeiras globais encontram dimensões vultosas e inimagináveis.

A recente intervenção da Policia Federal Americana explicita que o crime tem dimensão planetária e que sim, passou a ser uns dos maiores riscos para a sustentabilidade do planeta.

Não me parece que a questão está focada em meia-dúzia de 10 ou 15 bagres, entre eles o Marin que, coitado, tem uma casinha de vinte milhões de reais. O alvo é outro.

A sonegação sistemática e endêmica, a corrupção institucional e viral, o vampirismo da política fundada em interesses de indivíduos, a descrença da sociedade na possibilidade de que algo efetivamente aconteça, além do desconhecimento das verdadeiras realidades emolduram, a meu ver, um quadro alarmante.

Na minha juventude pueril eu acreditava que o inimigo da vida digna era o governo que se instalara pela força. Em dezembro de 1968 eu tinha dezesseis anos e fiquei literalmente puto com a promulgação do Ato Institucional nº 5. Em 1970 meu irmão foi expulso do Exército por ter pensamentos diferentes dos estabelecidos pelo regime.

Na minha juventude pueril nós tínhamos um inimigo tangível e perceptível com o qual podíamos nos debater.

Hoje, não.

Mais grave, mortífero e aterrador que o próprio Exército Islâmico e que todos os demais grupos terroristas em atuação mundo a fora, a riqueza que não reparte é a nossa maior temeridade.

Seu endereço é a infovia, instituições financeiras blindadas por aparatos legais internacionais, fundo falso de automóveis, jatos, jatinhos e jatões, iates, navios, alfândegas compradas, meios logísticos pelos quais gravitam somas inimagináveis de moedas em espécie.

Paraísos fiscais que implicam na ciranda perversa e determinam a coerência mais do que perversa de que se façam necessários ajustes fiscais.

A democracia agoniza.



Até breve.

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