domingo, 1 de julho de 2012

GAS



Era de se esperar mais de alguém aos sessenta anos. Do que construir esses diálogos com uma neta que ainda sequer está no meio de nós. Era de se esperar que um sujeito que trabalhou durante vinte anos como executivo em quatro grandes empresas e há outros vinte prestando consultoria e atuando em conselhos, além de dez anos como professor em três das maiores e mais conceituadas escolas de negócios do país.

E se, de fato, ele não tiver nada a dizer desses quarenta anos além daquilo que já foi trazido aqui? Pois então: esse sujeito não tem mais nada a dizer sobre esses quarenta anos. E, mais do que isto, na verdade ele não quer dizer mais nada sobre.

A mim importa o adiante.

E adiante está a infância e, no máximo, a juventude. Meu projeto passa por entender o porvir na perspectiva dos meus netos, que não quero poucos. Quero ser mais jovem do que eles, não no corpo porque pouco me importa, mas no brilho.

Quero ir ao encontro do singelo, do ingênuo, do puro, do limpo, da alegria. Quero ter olhos de Catarina e de Roninho e dramar expressões do apaixonado, ou do triste, ou de susto. Fazer caretas. Quero mostrar onde estão os meus dedos, minha barriga, meus olhos, meu nariz, minha boca, quero repetir inúmeras vezes as mesmas coisas para mostrar que aprendo.

Quero rir.

Quero que em meus netos eu renasça todos os dias e que juntos tramemos andanças e traquinagens. Quero construir o meu próprio mundo e acreditá-lo possível, mesmo que eu vista fantasias e coloridas. Máscaras, capacetes, capas que me façam voar. Quero me acreditar herói menino. Quero lutar contra monstros, alienígenas, animais colossais e toda sorte de males. Dormirei exausto e sonharei que fui útil.

Agora me interessa o que interessa: viver.

Liz, essa flor simbólica e profunda que me habita, me enche de uma tremenda esperança: a de voltar a ser menino, então poeta. Fazer de cada segundo um verso e de cada olhar uma rima. Por um poema à mesa e degustá-lo com paixão, lambrecando-me todo de excessos. Perder-me tempos a fio com uma pazinha, um baldinho, dentro de uma caixa de areia. Com centrar-me.

Depois, quando for mesmo a hora pegar um balão e ir.

É que hoje, pela manhã, tocou o telefone. Era a esposa de um amigo para  nos comunicar que ele acabara de falecer.


Até breve, espero.

NOTA: Catarina de dois anos e Roninho de três são filhos de um casal que adoramos. Estivemos com eles ontem e ficamos enriquecidos com suas gracinhas. Catarina apontando com o dedinho suas partes e Roninho fazendo caras e bocas para dramar expressões. 

2 comentários:

  1. é.. este é o ciclo da vida.. que venham muitos netos para permitir essa renovação e o caminhar de muito a descobrir ainda. beijos

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  2. Você esta coberto de razão, mas de vez em quando não custa tirar do fundo do baú algumas de suas experiências destes 40 anos de trabalho.

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