segunda-feira, 30 de julho de 2012

TRIP



Li, na Revista Trip (*), entrevista do fotógrafo Antônio Guerreiro, então com 61 anos de idade, e que hoje ninguém mais sabe quem é. Foi protagonista dos anos rebeldes e de chumbo. Fotografou tudo dos anos 70 aos anos 90, tem um arquivo de 600 mil negativos e, como ele próprio diz na entrevista, hoje ele está fodido.

Nunca fotografou nada fora de estúdio. Todas as mulheres do mundo passaram por suas lentes e ele se casou com algumas delas: Sônia Braga e Sandra Bréa, além de ter namorado inúmeras outras como Bruna Lombardi, por exemplo.

Mas não é por este privilégio que a entrevista me cativou, embora adore as poesias de Bruna Lombardi. O poema dela “Para que sejamos necessários”, é um primor.

TRANSFERE DE TI PARA MIM ESSA DOR DE CABEÇA,
ESSE DESEJO, ESSA VIOLÊNCIA.
QUE CAREÇA EM TI O MEU EXCESSO
E QUE ME FALTE O QUE TU TENS DE SOBRA.

QUE EM MIM PERDURE O QUE TE MORRE CEDO
E QUE TE PERMANEÇA O QUE TENHO PERDIDO.
QUE CRESÇA, SE DESENVOLVA UM TEU SENTIDO
QUE EM MIM DESAPAREÇA.

DÁ-ME O QUE DE POSSUIR TU NÃO TE IMPORTAS
E EU MULTIPLICO O QUE TE FALTA E EM MIM EXISTE
PARA QUE NOSSO ENCAIXE FORME UMA UNIDADE - INDIVISÍVEL -
QUE NÃO POSSA SUBTRAIR UMA METADE.

Guardadas as devidas proporções, Antônio Guerreiro e eu somos contemporâneos e ele fala na entrevista de episódios e pessoas que fazem parte de meu repertório de lembranças.

De fato a história foi cortada por um golpe profundo. Não sobrou nada daqueles anos surpreendentes. Como ele, ando pelas ruas e não me reconheço incluso no que se passa. Antes de interpretarem que estou ácido ou nostálgico devo dizer: o que de fato ocorre é que estamos mesmo fodidos. Aqueles daquela época, aqueles daquelas cabeças, aqueles.

Na mesma revista, há um artigo de Ricardo Guimarães, 60 anos de idade. Extraí dele o trecho abaixo:

 “Entendo que existem dois tipos de conexão: vertical e horizontal. A vertical é aquela que conecta o céu e a terra ou, em outras palavras, as coisas e seu significado. Por exemplo, o dinheiro e seu significado; o trabalho e seu significado. Não fazer conexão entre as coisas e seu significado traz problemas graves, como uma vida sem sentido, o tédio, a vulgaridade, a violência, males com os quais convivemos, infelizmente. E que tem tudo a ver com a conexão horizontal.

Essa deriva do fato de vivermos em sistemas, como o sistema de climas e o atual sistema financeiro globalizado, que, turbinado pela tecnologia de informação e comunicação, tem também comportamento de sistema vivo. Concretos e tangíveis, eles são regidos por leis que não foram feitas pelos homens. São leis que determinam sua auto-regulação e que, por meio de um processo natural de equilíbrio/desequilíbrio, buscam sua evolução. E quando transgredimos essas leis? E quando tentamos controlar esses sistemas segundo nossa vontade, nosso desejo ou nossa ganância, desobedecendo ou destruindo a sua dinâmica natural? Quando isso acontece, o sistema reage com a mesma energia com que foi violentado.”

Pois é.

Estar fodido é ainda um jeito de sentir indignação, energético que sempre percorreu as veias dos criadores de minha época. Hoje, à nós esses, só nos resta esperança.

Meu coração só pulsa por isto.

Uma Liz.


Até breve.

(*) Revista TRIP – edição: Memória – 196 páginas inesquecíveis, número 172, Novembro de 2008.


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