domingo, 12 de fevereiro de 2012

TORVELINHO

Sem dúvida, esta é a parte mais sensível do filme.
Bulir nas estruturas do emaranhado que constituem o patrimônio histórico do grupo familiar de uma certa cafua e seus posteriores puxadinhos da Rua Salinas. Um casal e seus dez filhos. Não se mexe nessa complexidade sem equívocos. É pedreira. Pra qualquer lado que se quiser analisar será sempre insuficiente e delicado.
De pronto, não concordo com a sogra de M. quando disse que naquela casa ninguém presta! Olhando de conjunto somos todos criminosos, é apenas uma questão de escala, extensão, concretude e explicitação. Ninguém adulto pode-se dizer freira em prostíbulo. A vida, em social, nos contamina.
Até eu mesmo, que posso andar nu. Em pensamento e em palavras cometi meus pequenos e tenebrosos crimes hediondos. Obras não. Nunca. Na cartilha religiosa de batismo, pequei e confesso. Nos parâmetros sei que me encontro dentro dos limites de tolerância. Quanto a isto estou relativamente tranqüilo. Devo ir para o céu.
Dos outros nove, que cada um faça a sua avaliação, mas cuidado com o que diz, sempre será por um viés do humano, portanto falho e impreciso, inclusive no sentido de pertinência e/ou necessidade.
De primeira é preciso trazer aqui o seguinte.
Lurdinha (na certidão, Maria de Lourdes) e Valderez foram as que mais penaram. Grácia também, um pouco menos. Lúcia, também. Jacinta pouco (por circunstâncias) e Jeanine, mais distante, foram as que menos penaram.
Marcos, Mauro, Getúlio e eu muito menos do que deveríamos.
Sobre minha ótica e lembrança, dos tenebrosos tempos, sobrou mesmo foi para Lurdinha e Valderez. Desde os primeiros sinais do Mal, até o dia do enterro, estas duas pessoas viveram, no limite, sua parcela de humanidade pura.
Foram anos a fio. Alternando incontáveis internações e estadias em suas casas, presenciando a decadência mental e física permanente, contínua e avassaladora. O Mal de Alzheimer cumpriu todo o seu processo no corpo de nosso pai.
E Lurdinha e Valderez foram as principais protagonistas da agonia.
No princípio, ainda com poucos danos cerebrais, nosso pai exigiu por demais delas e elas, em minha opinião, deram mais do que eram capazes. Com o passar dos anos, a devastação neurológica e suas conseqüências sobre a estrutura de ossos e músculos, foram construindo um corpo contorcido e inerte nas extremidades.
E, sobretudo dor. Nosso pai, certo período, gemia durante horas, um gemido alto, intenso e ininterrupto. A dor era tanta, que mesmo sedado, ele gemia ainda.
Os inúmeros cuidados para que não houvesse danos à carne, com infinitas trocas de fraldas geriátricas, movimentações sucessivas do corpo, apoiado por cobertores, travesseiros e tantos outros apetrechos.
Banhos, sentado na cadeira de rodas. Higienização. Troca da bala de oxigênio. Papas, injeções subcutâneas diárias. Medicamentos. Inúmeros períodos de internação hospitalar.
E, sobretudo carinho. Com os nervos em frangalhos e o corpo em fadiga, ambas jamais negaram cuidar, cuidar, cuidar e ainda cuidar. Durante anos, um período na casa de cada uma delas. Tiveram alguma ajuda de cuidadores, mas jamais foram capazes de substituí-las.
Lurdinha e Valderez: todo o meu orgulho, respeito e admiração.

Até breve.

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