sábado, 21 de novembro de 2015

SILÊNCIO



Há anos estou parado em uma frase de Gilberto Gil, dita por ele ainda quando ministro, suponho. “A tecnologia suplantou a compreensão”.

De quando em vez ela me ocorre, como hoje, pela manhã.

Caminhamos velozmente em direção de mais e mais conhecimentos, urdidos e compartilhados, em uma base tecnológica alucinante. Sob o signo do acesso, da portabilidade e da instantaneidade somos convidados, e em número cada vez maior de pessoas, a conhecer.

Para o acesso basta estar conectado à infernet, esse instrumento demoníaco do pós-apocalipse. A portabilidade é cada vez mais ao alcance da palma da mão. Tudo pode estar em um equipamento mais fino que uma caixa de mais ou menos 40 palitos de fósforo para que se fiat lux. A instantaneidade é mais rápida que a queima total da pólvora na cabeça do palito de fósforo.

Fez-se a Luz.

Ocorre que não.

Temos sim muito conhecimento, mas não acumulamos saberes.

Saber não é conhecer, é ser a partir do que se sabe. Com a profusão vertiginosa e aberta de todo e qualquer conhecimento, e sobre tudo que se quiser conhecer agora, passa-se a saber cada vez menos. E o pior, sobre tudo.

Desde uma operação matemática simples, a um raciocínio espacial onde se encontra; de uma data de aniversário de um amigo ou parente, a um sintoma sobre o qual se somatiza. Desde a letra inteira de uma música, até a ausência de metáforas incluídas nela para que se fizesse pensar, mais do que cantá-la.

Vivemos um tempo de trevas sob intensa luz.

Tudo se explícita e se compartilha. Orgia orgástica feicebocana entre milhares e milhares de vinculados em orgasmos múltiplos de egos e paraegos inflados, carentes, medíocres, brilhantes, pujantes, rasteiros, idiotas, iluminados, limpos, escusos, ternos, violentos, poetas, escritores, trovadores, canalhas, terroristas, golpistas, pensadores.

Tudo gira, mas não roda.

O Mundo para o Humano não evolui, antes pelo contrário, involui.

Vladimir Safatle, o filósofo paulista foi execrado por ter escrito artigo em que diz que a música acabou. Foi considerado elitista porque escreveu que a música consumida hoje é música de massa, da periferia, portanto não avaliada como de qualidade.

E fico, então, na Música, elemento fundamental para a formação do Humano, na medida em que é ela que embala o silêncio, para que o mais que humano em nós se sobrevenha.

Juro que não consigo viver sem música e, como eu, vejo-a desaparecer a cada vez que a procuro no rádio. Embora não seja conhecedor extenso de outro idioma, senão o pátrio, gosto de melodias suportando dizeres e, ainda que sem saber do que se convida, viajo.

Minha música, no entanto, é o meu país, minhas entranhas, minhas raízes, meus odores, meus sabores, meus lugares, meus amores, minhas mazelas, minhas angústias, alegrias, todas.

Minha música morre todo dia, mesmo que gravada em zilhões de quinquilharias eletrônicas. Não vejo correr pelas veias abertas o sangue latino de nossas andanças e paradas, nosso volver a los diecisiete, grácias à la vida, travessia, sem lenço nem documento, depois, todo o sentimento, saídas e bandeiras, todo o amor que houver nessa vida, roda viva, encontros e despedidas, oceano, sampa, ideologia, faltando um pedaço, cais, começar de novo, o medo de amar é o medo de ser feliz, ainda bem, vaca profana, burguesia, bem que se quis, cálice, fora de ordem, aos nossos filhos, bem querer, o cio da terra, tempo de estio, somos todos iguais nesta noite, para Lennon e McCartney, sangrando, dom de iludir, blues da piedade, cartomante, canção da América, codinome beija-flor, a banda, meu bem querer, grito de alerta, o tempo não para, desesperar jamais, o quereres...................................

Detalhes.



Até breve. 

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