quinta-feira, 17 de outubro de 2013

PRIVADA



Há aí um assunto marginal, que ganhou destaque inclusive envolvendo artistas de grosso calibre, que se posicionam contra ou a favor. Trata-se da questão das biografias não autorizadas. Com tantas questões mais relevantes, só nos últimos três anos o STF recebeu mais de noventa mil processos para serem julgados, esta é mais uma encrenca da democracia brasileira levada às barbas da Suprema Corte.

Uma vida, quando se torna pública, deixa de ter particularidades, intimidades, dignidades, caracteres, foro. Cada um que olha o sujeito público olha por seu viés e interesse. Como espelho para com ele se identificar ou como alguém a rechaçar.

“Nossa, fulana deu para ciclano”?!!! ou “Eu não sabia que ele tinha traído ela”? ou “Não acredito que tenha sido ele que tenha mandado matar Fulano” ou “Sempre achei que debaixo daquele angu tinha um troço” ou “Na verdade todo mundo sabe que quem roubou aquele maldito colar foi Beltrana ajudada pelo amante da irmã do garanhão do marido da patroa”.

Ou ainda: “A letra de ‘Amor é uma palavra só’ é plágio escandaloso de um cantor americano que caiu cedo no ostracismo”.

Todas estas revelações foram tiradas de minha pouco inspirada criação biográfica aleatória de qualquer um destes que se rebelariam inclusive junto ao STF. Há, no entanto, coisas mais elaboradas e de fato publicadas em mais de setecentas páginas sobre um único sujeito:

“Em meados de fevereiro, a morte voltou a rondar seu quarto: uma inesperada asfixia, provocada por novo acúmulo de líquido na pleura, obriga os médicos a recorrer a uma traqueostomia. Mas havia um problema: se fosse submetido a anestesia, os pulmões não teriam força suficiente para manter o organismo funcionando, e um ataque de insuficiência respiratória poderia ser fatal. A incisão na traqueia precisaria ser feita a seco, sem anestesia, e imediatamente. Quando o bisturi do cirurgião começou a entrar na fina camada de carne que revestia a traqueia, o hospital inteiro ouviu o urro de dor que ele emitiu. Feita a incisão, quando os médicos começaram a introduzir a canaleta metálica que permitiria a passagem de ar para o pulmão, ela viu que lágrimas de dor escorriam dos olhos dele molhando a beirado do travesseiro”.

De minha parte vou logo dizendo: quem quiser publicar qualquer coisa sobre a minha vida ou toda ela, fique a vontade. Não me venha depois querer dividir comigo prejuízos pela publicação da obra ou dar destino aos exemplares devolvidos das livrarias, bancas de revistas, camelôs em semáforos.

E os leitores, inclusive aqueles que dividiram comigo a vidinha não venham me perguntar se foi mesmo e da forma que o meu biografo relatou os fatos.

Estas e outras revelações não mudaram e nem mudarão em nada o movimento dos mares e dos astros, o posicionamento da terra em relação aos demais planetas e nem me dirá com um mínimo de seriedade sobre a imortalidade ou não da alma.

Picas!

Todos nós, eu inclusive e como é difícil euzinho reconhecê-lo, somos brutal, cruel e definitivamente insignificantes.




Até breve.

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