terça-feira, 31 de janeiro de 2012

BORRAR

Dizem os estudiosos da arte que há uma diferença entre o pintor e o escultor. Enquanto o pintor “concebe” a obra e se expressa lançando-se ao painel ou tela, o escultor “concebe” a obra e a retira da pedra bruta. A tela está “pronta” no interior do artista para ser exposta. A peça esculpida está pronta no interior da pedra bruta para ser extraída pelo artista.
E o escritor? Talvez fique mais próximo do pintor. Diante da folha ele opera sua expressão. Se bem que não é bem assim, de sempre. Às vezes, o escritor vai se deixando levar pelos meandros da folha e, num repente, flora um texto, seja verso, seja prosa, como se ele já estivesse de pronto. É, mas um texto sobre está página somente o será, se eu pincelar letras organizadas em palavras e estas, por sua vez, em frases.
A pintura moderna, ou contemporânea, borra a tela e fica para quem a consome a arte de criá-la. Nem mesmo o artista, muitas das vezes, “compreende” o que produziu. Tem tudo a ver com o nosso tempo de “liberdades”. Fica para cada um, também diante da tela, a tarefa ou o direito de resolver o que vê.
Tenho um irmão que, na infância, pintava. Na juventude, parou. Ficou puto porque achava que pintar não era espalhar tintas a esmo, era preciso que o quadro contasse uma história. Certa vez, minha mãe comprou uma tela e disse a meu irmão que ele faria um quadro para dar a ela de presente.  Na véspera do dia das mães ele trancou-se dentro do quarto e só saiu com um quadro pronto. Uma casinha modesta ao fundo, uma sombrosa árvore, uma velha senhora sentada sozinha com um terço na mão. Minha mãe gostava sempre de cantar uma canção cuja letra narrava a história de um filho que teria ido para guerra e a mãe ficava as tardes rezando, esperando pelo retorno do filho amado. Simples, assim.
Há outra expressão em arte: o cinema. Ontem assisti no Canal Brasil ao filme 180 graus. Ele será exibido novamente às 23:00 horas do próximo sábado, dia 04, não percam. Eduardo Vaismann dirige Felipe Abib, Du Moscovis e Malu Galli numa tela esculpida por uma narração profunda. Ao longo de toda a narrativa o espectador percorre possibilidades de desfecho, mas o que se dá ao final, não que surpreenda por demais, mas encanta e faz pensar.
A música também convida a refletir sobre o processo criativo, tornando-a arte. Tem uma nossa, por exemplo, reconhecida internacionalmente: “Águas de março” do escultor Tom Jobim. Há uma gravação dele com Elis Regina, antológica. Ambos fazem das palavras um mosaico de sons tornando a composição promessas de vida no coração.
Estávamos em um supermercado em San Andrés, na Colômbia, e minha filha ouviu quando passava pelo caixa a música de Michel Teló, Ai se eu te pego, tocando em uma rádio. A menina do caixa deliciava-se e quando minha filha disse que era brasileira a colombiana quis saber: o que é delícia?
É como explicar arte.
Juro que este texto não estava pronto.

Até breve.

Nenhum comentário:

Postar um comentário