quinta-feira, 23 de junho de 2011

FIAT II

Como técnico de Estatística não me limitei a apresentar os investimentos em mão de obra. Eu interessava-me também pela natureza da evolução da estrutura organizacional e permanentemente acompanhava o desenvolvimento da Área de Análise do Trabalho comandada por italianos. Frequentemente eu ‘sumia’ da minha sala para conversar com os analistas daquela área e pedia que eles me informassem sobre a estrutura organizacional que a FIAT estava por implantar. Sempre coloquei Eliseu a par e ele começou a trabalhar pra que esta atividade fosse também vinculada à Diretoria de Relações Industriais. Paralelamente eu desenhava a minha maneira a estrutura organizacional e ‘montava’ os funcionogramas das áreas. Eu por ter acesso à Folha de Pagamentos dos Empregados para efeito dos levantamentos estatísticos compunha também a distribuição da força de trabalho dentro dos diferentes Centros de Custos. Propus ao Eliseu que poderíamos compor os organogramas de todas as áreas e reivindicar a responsabilidade pelo seu desenvolvimento para a nossa área.
Eu fazia todos os funcionogramas à mão em folhas A3 de papel milimetrado. Embora eu tivesse uma boa letra, a apresentação do trabalho era muito rudimentar longe do padrão de uma FIAT. Propus ao Eliseu que deveríamos contratar um desenhista que produziria os organogramas e funcionogramas em papel vegetal, com canetas e normógrafos usando tinta nanquim. Um dia almoçando eu, Eliseu e Mário, Médico do Trabalho, voltei ao assunto com o Eliseu. Para surpresa minha o Dr. Mário interrompeu minha conversa com o Eliseu e disse: ‘Meu irmão é um puta desenhista... ’ Eu, vendo a chance que se apresentava, pulei na arena: ‘Aí, Eliseu, vamos ajudar um amigo e botar o rapaz na nossa equipe. ’ Eliseu vendo que não tinha como escapar da idéia disse: ‘Chama o rapaz, vou falar com o Dílson. ’ (nosso Diretor de Relações Industriais).
Algumas semanas depois estávamos com uma prancheta, com tecnigrafo, régua, conjunto de normógrafos e o irmão do Dr.Mário, Felipe, devidamente contratado como desenhista. Éramos, eu e Felipe os arquitetos da estrutura organizacional da FIAT Automóveis. Eu os construía e Felipe os desenhava e normografava em papel vegetal. Ficou um trabalho porreta.
Pus na mão do Eliseu que comandou o espetáculo na arena política. Tínhamos o desenvolvimento da estrutura organizacional em nossas mãos. A especificação dos cargos operacionais de fábrica, os horistas, ficou sobre a responsabilidade da área de Análise do Trabalho vinculada à Diretoria Industrial ocupada por italianos e dos cargos mensalistas, administrativos, de níveis superiores e dirigentes ficou sob a Gerência da Área de Pessoal e Salários vinculada à Diretoria de Relações Industriais. Tínhamos conquistado um espaço de poder importante no modelo de gestão da fábrica que se instalava no Brasil.
Felipe era um cara genial. Fazíamos uma dupla de inconseqüentes que levávamos tudo na base da curtição, mas com um profundo gosto pela criação. Tínhamos ambos, a exata dimensão do que estávamos produzindo e os ganhos decorrentes da gestão dos brasileiros no processo.
Em junho de 1976 fui levar a primeira versão do organograma de toda a Diretoria de Relações Industriais como projeto-piloto para a avaliação do Eliseu. Ele analisou o material com cuidado e disse-me: ‘Vamos à diretoria juntos, quero que o Dílson veja isto agora!’
Quando voltávamos para a nossa sala vindo da diretoria, Eliseu pôs a mão no meu ombro e disse: ‘A partir do dia primeiro você assumirá o cargo de Analista de Cargos I’ Assustado ponderei: ‘Mas, Eliseu, eu não tenho nível superior e o cargo de Analista é...’ Eliseu interrompeu-me: ‘Agulhô, você não podia ter sido contratado pela Fiat, já cometemos o erro, vamos agora apenas amplificá-lo...’ Eliseu, na época era o gerente mais respeitado do grupo de dirigentes brasileiros e tinha cacife para bancar a exceção.
Em novembro de 1976 divulgamos o primeiro volume da estrutura organizacional da Fiat assinada pelos diretores das áreas e pelo Superintendente Geral. O documento contemplava a descrição detalhada do escopo de todas as áreas da empresa. A partir daquela data, toda e qualquer alteração na estrutura tinha que ser submetida à análise da Gerência de Pessoal e Salários da Diretoria de Relações Industriais. É impossível de se avaliar hoje a importância política da ação no mapa do poder da governança da organização bi-nacional da época.
Nós tínhamos a força. Fomos eu e Felipe tomar um chope. Aquela data foi motivo de muita comemoração, mas também do início de uma perseguição política por parte do Gerente da Área de Análise do Trabalho, que passou a se referir a mim como o ‘idiotinha de óculos’ e vedar a minha entrada em sua área de atuação.
Ainda naquele mês de novembro de 1976, para surpresa de todos inclusive de mim mesmo, recebi nova promoção, agora para o cargo de Analista de Cargos e Salários II com o salário de Cr$10.912,00, portanto quase dez vezes mais o valor da minha admissão há menos de dois anos de empresa.
Isso não iria ficar assim, sem conseqüências.
Até breve.

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