sexta-feira, 24 de junho de 2011

FIAT III

O que estava em jogo era quanto tempo que os italianos governariam os processos de gestão tecnológica e administrativa da fábrica. Em todas as posições de supervisão e gerenciamento do organograma reservamos uma destinada a brasileiros. Para cada posição analisávamos com rigor os nossos melhores talentos e havia um programa de treinamento e desenvolvimento extenso e detalhado com várias etapas em fábricas de automóveis na Itália, naturalmente, mas também no Brasil, USA e Alemanha.
Jovem, eu estava fascinado pela experiência e não perdia um instante sequer do desenrolar de todo o processo de construção da estrutura organizacional, na medida em que a mim cabia a descrição, avaliação e definição da remuneração dos cargos mensalistas. Os cargos horistas, todos vinculados à produção, eram descritos e posicionados pela Gerência de Análise do Trabalho a quem cabia também a análise de tempos e movimentos. Ficava apenas a pesquisa de salários para a definição final da matriz dos cargos de horistas.
Chegou a vez de definir o brasileiro que viria a substituir no futuro o gerente da área de Análise de Trabalho. O italiano, vou nomeá-lo aqui como D.D. resistiu enquanto pode, alegando de tudo para inviabilizar o treinamento do seu substituto. Só que o José Geraldo, escolhido para a posição era safo, em todos os sentidos e conseguiu, sobretudo, conviver civilizadamente com D.D..  Fazíamos, eu e José Geraldo, uma parceria perfeita. Sempre o posicionava da evolução da matriz de cargos mensalistas e com ele fomos absorvendo a estrutura de horistas sobre intensos protestos de D.D.. Ocorre que era muito trabalho, a fábrica estava por inaugurar, com a presença do saudoso presidente Geisel, e eu fui ao Eliseu.
Ponderei com o meu guru (Eliseu) que estava por demais e devíamos ampliar nosso quadro de analistas de cargos e assumirmos de vez a análise dos cargos horistas: ‘Você é louco?’ Eu já disse aqui que não era a primeira nem a última vez que me fizeram esta pergunta.  De maneira nenhuma, já acertei com o José Geraldo e ele disse que vê sentido na idéia. ’ Eliseu preocupado, disse: ‘D.D. vai ficar uma arara!’ E eu arrematei: ‘Dane-se o italiano’.
Em janeiro de 1977 fui promovido a Chefe de Seção de Cargos e Salários de Mensalistas e Gestores e um grande cara chamado Roberto assumiu a área de Horistas. Selava-se ali a nossa condição de desenvolver de fato todas as políticas de gestão dos RHs da Fiat Automóveis S.A. o que não aconteceu sem ranger de dentes de D.D. que dificultava ainda nossas ações no que tange aos cargos horistas.
Relatada assim fica extremamente superficial toda a experiência, mas o que eu quero registrar é quanto foi a mim importante cada dia vivido na FIAT para o futuro enquanto executivo e depois enquanto consultor de processos decisórios, estratégia e desenvolvimento de acionistas e executivos. Aquela experiência e a intensidade com a qual eu a vivi foram determinantes na sedimentação de conceitos, modelos e métodos de abordagem que até hoje a mim são caros.
Em uma segunda-feira, quando chegava à minha sala, dois caras com quem eu trabalhava vieram contar sobre o final de semana de uma turma de italianos em um sítio em Contagem. Disseram que rolou de um tudo e que no final da ‘festa’ andaram depredando o jardim, jogaram lixo na piscina, um fuzuê.  Não dei muita importância até que um dos caras, falou: ‘D.D. estava na turma. ’ ‘Hein? Indaguei surpreso. Quando Felipe chegou para trabalhar comentei com ele. ‘Temos aí uma oportunidade... ’ Ele disse, enigmático.
Na terceira-feira fui tomar uma com Eliseu e outros amigos em um bar na Raja Gabaglia.  Dílson, nosso diretor havia sido chamado também e só chegou muito depois de nós.
-‘Ô, Dílson o que aconteceu? Já estamos aqui um tempão... ’, Eliseu reclamou com o chefe.
- ‘Tava administrando o maior rebu na fábrica. D.D. entrou na minha sala, agora no final da tarde, desesperado dizendo que havia recebido uma ligação do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social órgão de repressão da ditadura do governo militar) e que eles iam pegá-lo na fábrica agora à noite... Dar um pau nele, colocá-lo no pau-de-arara... ’
- ‘Quê é isso, Dílson, que loucura é essa?’ Perguntamos quase em uníssono.
- ‘Acionei o coronel X (chefe da segurança da FIAT) e ele me garantiu que não havia nada contra D.D. no Dops.  O D.D. está lá na fábrica ainda, diz que de lá ele só sai para o aeroporto com destino à Itália. Achei estranho que ele me perguntou a respeito de uma festa em um sítio em Contagem. Vocês souberam de alguma coisa a respeito?
Foi aí que eu gelei. Felipe teria aprontado? Foi barra abrandar os ânimos na fábrica depois do episódio. D.D. foi para a Itália. Ficou lá por uns tempos e quando voltou estava uma dama.
Até breve.

Nenhum comentário:

Postar um comentário