quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

NOVECENTOS



Pergunto-me porque escrevi, contando com este, novecentos posts. O que leva a alguém escrever em um tempo ou sobre um tempo em que nada acontece?

Um tempo sem sucedâneo. Em que nada implica, acomete, modifica. Um tempo de repetição, sem sequência ou com sequência, assim sem morfologia, amorfo.

Nada, nenhuma tragédia, nenhum assassinato, nenhuma guerra, nenhuma fome, nem mesmo a agressão a paraísos naturais, a monumentos milenares, nada, nada, nada faz com que algo de fato sobre venha.

Como escrever em um tempo ou sobre um tempo que não marca, um câncer que não mata? Como assistir a um desenrolar de eventos como à uma novela cujos atores já se confundem com os personagens em um Vale Tudo na mesma Selva de Pedra?

Nenhuma canção acomete e arrebata, nenhum movimento de rua, nenhuma placa, nenhuma lágrima, nenhuma peça de arte, nem filme, nem livro, um poema, nenhum dizer.

Por que escrever, então?

Um tempo em que o terror é contra a Humanidade, como quer a lider alemã, depois de ver vitimados mais outros cidadãos pátrios em solo estrangeiro, mortos por suicida. Nem mesmo algo contra toda a Humanidade faz, implica, demove, modifica.

O tempo repete. Não há corte, a História teria chegado mesmo ao seu fim e o que padecemos é o moto-contínuo do tempo? Não viraremos a página? Nada mais acontecerá para que afinal o Humano possa se dar?

Armadilhados por todo o conhecimento disponível às nuvens, adoecidos pelas relações masturbatórias de tela, sem pernas para ir aos comércios e aos afazeres, em casa, vivendo uma solidão demoníaca.

Escrever sobre o quê?

A Ética? A Política? A Arte? A Filosofia? A Tecnologia? A Cultura? O Amor? A Música?

Como? Se todas elas não mobilizam, comovem, educam, convidam. Tudo se tornou, já disse Bauman(*), liquefeito, parvo, frágil, sem consistência, mero, tênue, frágil.

A musculatura que sustenta o ser escarnece. Nenhum choque é capaz de acordá-lo, nenhuma droga, nenhum evento do cotidiano que signifique. Não há no tecido o intelectual, capaz de ordenar e compor uma escrita que sustente um caminho.

Tudo é denúncia, inclusive meus novecentos. E só denúncia.

Em que pese todos os elementos mais do que favoráveis para o dizer, não há uma proposta que oriente, como se estivéssemos mesmo adentrando um tempo sem propostas, sem utopias, um tempo sem tempo.

Onde tudo ocorre e nada acontece.

Exceto, quando visualizo bem fundo nos olhos de meus netos, um clamor agudo por um novo tempo.


Até breve.

(*)  BAUMAN

2 comentários:

  1. - É pecado sonhar?
    - Nao Capitu. Nunca foi.
    - Entao pq essa divindade nos dá golpes tão fortes de realidade e parte nossos sonhos?
    - Divindade nao destrói nossos sonhos,Capitu.Somos nós que ficamos esperando...ao invés de fazer acontecer.

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  2. Pois é... Quem sabe Machado e/ou Vandré nos faça fazer um corte?
    Obrigado pelo comentário.

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