terça-feira, 10 de março de 2015

PROCESSO



Nunca mais o vi. Nem tive notícia a respeito. A verdade é que também não procurei saber, porque fosse revê-lo seria para mandá-lo daqui para melhor.

Claro que eu não sou assassino contumaz. Os que matei, acho que foram alguns trinta, todos foram por merecimento. Fizeram para.

Ora, no caso desse que eu digo que nunca mais o vi é diferente. Ele é especial, porque além de ter merecimento inquestionável, eu queria muito, mas muito mesmo mata-lo.

Larguei para lá porque estou certo que, uma hora dessas, ele vai cruzar à minha frente. E eu não vou acabar como de pronto. Vou fazer como novela televisiva. A gente sabe como vai acabar, mas vou cozinha-lo aos poucos até o capítulo final, sem sangue.

Afinal o que esse cara aprontou?

Eu sempre fui um sujeito passivo, quase tolo. Num mecho com a vida de ninguém, nem com mulher de outro, roubo sem ser visto, meus crimes se é que podem ser considerados crimes, são triviais.

Tô longe de ter a crueldade desse último aí que apareceu na TV, o do sujeito que brutalizava o filho tetraplégico da amante para que o jovem morresse aos poucos e todos achassem que ele morreu da doença. A mulher, desconfiada, deixou um celular ligado e filmou as sessões de tortura. Refinado assim, eu não sou.

Dos trinta que eu acho que fechei, doze foram dentro da cadeia nas minhas quatro passagens por lá. Por motivos que todo mundo é capaz de entender mesmo que não aceite. Um deles, que eu me lembre, andava comendo duas filhas da namorada. Uma de nove e outra de onze anos. Isso eu, nem os de lá, tolera. Sangrei.

Sempre quando eu começo a contar eu fico com a impressão de que na verdade foram mais de trinta, aí eu me perco. Também que importância que tem, mais dez menos dez, tinha que morrer mesmo?

Duas mulheres modificaram a minha vida. Uma era stripper, a outra era um gay. Todas as duas fizeram com que eu me perdesse de centro, me tiraram tudo. Das centenas de mulheres que já tive as duas tomaram conta a ponto de que, para voltar a ser dono de mim mesmo, também entraram na lista.

A stripper foi com super dose branca de má qualidade. Quando ela chegou ao hospital já tinha virado anjo. Não deu nem BO, foi um fato dentro de tantos outros. O gay foi na porrada mesmo, usei até soco-inglês, coitada machucou muito. Um dos olhos azuis derramou sobre a cabeleira loira falsa.

Eu me formei em faculdade, ninguém poderia esperar de mim esse destino. A coisa começou foi com esse que disse que nunca mais o vi e que nem tive mais notícias a respeito.

Foi por causa dele que eu destramelei e fiz uma carreira, por isto ele é especial. Foi ele que me iluminou os motivos, e os casos foram se sucedendo naturalmente. E vai acontecer de novo, como todos os outros sei lá quantos.


Até chegar a vez dele e eu cumprir.



(Ficção à luz do depoimento feito hoje por Pedro Barusco na CPI da PETROBRAS.) 

2 comentários: