quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

SINUCA



Certa vez o Diretor Executivo de uma empresa convocou o Conselho, do qual eu fazia parte, para apresentar os resultados alcançados em um determinado trimestre.

Passadas mais de duas horas de reunião com o Diretor, que convidou os seus diretores e gerentes, abriu-se a discussão plenária. Os resultados apresentados eram muito ruins, preocupantes até. Os debates circularam em torno de onde estavam os resultados negativos, isto é, em que segmentos de negócios a empresa não havia conseguido realizar os seus planos contratados quando da negociação com o Conselho.

E ficou nisso.

A reunião praticamente terminara e o Presidente do Conselho, percebendo que eu não me manifestara até então, me consultou:

- E ai, Agulhô, alguma consideração?

- Eu penso que analisamos um cadáver, vítima de várias perfurações à bala. Passamos todo o nosso tempo verificando qual foi a bala que o matou, se foi a que atingiu o pâncreas, ou aquela que atingiu o pulmão, ou outra qualquer. O que me parece é que o cidadão está morto. Não seria mais pertinente debatermos como vamos nos preparar para não levar bala?

Duas reuniões após o episódio, voltamos a discutir sobre aquela reunião. Decisão do Presidente do Conselho: o Diretor Executivo não deveria mais convidar sua equipe para apresentação dos resultados. Poderia vir a desmotiva-la.

...


Em outra organização, essa fictícia embora qualquer semelhança seja mera coincidência, a alta administração tomou contato com denúncias, vindas de fora, de desvios no Caixa. As denúncias tomaram vulto e consistência e os dirigentes nem os membros do Conselho de Administração ou de Acionistas tomaram alguma providência.

Por força de lei, a empresa obra de minha limitada imaginação, teria que divulgar o balanço e o fez sem a depuração dos valores da sangria.

- Por que o senhor (ou senhora, como queiram) divulgou o balanço sem considerar os maus feitos? – Perguntou a Presidente do Conselho de Acionistas ao presidente ou presidenta (como queiram), da companhia.

- Se eu o fizesse assumiria que eles ocorreram...

- Mas ocorreram?

- Me parece que sim, mas eu não sei como estima-los...

- E por que não?

- Por que foi tudo “por fora”...

- Ah, intãotá.

Tipo do diálogo improvável, mesmo em ficção, porque se torna pouco crível. No mundo real ou mesmo no suprareal a história para ser palatável ou mesmo interessante poderia ter como epílogo:

- Se o senhor (ou a senhora, como queiram) permitiu que ocorresse a sangria e durante tantos anos, como apontam as denúncias, não tomou nenhuma providência teremos que substituí-la uma vez que o senhor (a) não foi capaz de debelá-la.

Ou:

- Se o senhor (ou a senhora, como queiram) não sabia que ocorria a sangria e durante tantos anos, como apontam as denúncias, não pôde tomar nenhuma providência teremos que substituí-la uma vez que o senhor (a) não foi capaz de prover a companhia de controles capazes de mitigar ou mesmo impedir que ocorressem tais fatos.

Ou:

- E agora, como nós vamos sair dessa?

Qualquer versão que se quiser dar aos fatos, nenhuma delas será mesmo crível.

Bem, seja pela primeira estória ou pela segunda é que eu, por covardia, desinteresse, desesperança sei lá, a cada dia mais abdico de certos papeis e me apresento como pajem de meus netos.

É mais nobre e menos estressante.




Até breve.

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