domingo, 18 de janeiro de 2015

FUNDAMENTOS



Tomo a liberdade de assumir licença poética sobre o texto de Thomas Piketty, O Capital no século XXI(*). Devo fazê-lo aqui outras vezes, para destilar minhas observações de momento.

Os trechos apresentados abaixo pertencem à Introdução do livro e foram coletados e organizados de tal sorte a me permitir os comentários de pé-de-página. As interpretações ficam por conta do leitor, como sempre.

Se deve sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econômico quando o assunto é a distribuição da riqueza e da renda. A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos.

A economia jamais abandonou sua paixão infantil pela matemática e pelas especulações puramente teóricas, quase sempre muito ideológicas, deixando de lado a pesquisa histórica e a aproximação com as outras ciências sociais. Com frequência, os economistas estão preocupados, acima de tudo, com pequenos problemas matemáticos que só interessam a eles, o que lhes permite assumir ares de cientificidade e evita terem de responder às perguntas mais complicadas feitas pelo mundo que os cerca.

A história da desigualdade é moldada pela forma como os atores políticos, sociais e econômicos enxergam o que é justo e o que não é, assim como pela influência relativa de cada um desses atores e pelas escolhas coletivas que disso decorrem. Ou seja, ela é a combinação do jogo de forças, de todos os atores envolvidos.

A dinâmica da distribuição da riqueza revela uma engrenagem poderosa que ora tende para a convergência ora para a divergência, e não há qualquer processo natural ou espontâneo para impedir que prevaleçam forças desestabilizadoras, aquelas que promovem a desigualdade.

As principais forças que propelem a convergência são os processos de difusão do conhecimento e investimento na qualificação e na formação da mão-de-obra. A lei da oferta e da demanda, assim como a mobilidade do capital e do trabalho (uma variante dela), pode operar a favor da convergência, mas de maneira mais intensa, e muitas vezes de forma ambígua e contraditória.

O processo de difusão de conhecimento e competências é o principal instrumento para aumentar a produtividade e ao mesmo tempo diminuir a desigualdade, tanto dentro de um país quanto entre diferentes países, como ilustra a recuperação atual das nações ricas e de boa parte das pobres e emergentes, a começar pela China.

Ao adotar os métodos de produção e alcançar os níveis de qualificação de mão-de-obra dos países mais ricos, as economias emergentes conseguiram saltos na produtividade, aumentando a renda nacional. Esse processo de convergência tecnológica pode ser favorecido pela abertura comercial, mas trata-se, em essência, de um processo de difusão e partilha do conhecimento – o bem público por excelência -, e não de um mecanismo de mercado.

O progresso da racionalidade tecnológica deveria conduzir automaticamente ao triunfo do capital humano sobre o capital financeiro e imobiliário, dos executivos mais habilidosos sobre os grandes acionistas, da competência sobre o nepotismo. Se assim fosse, a desigualdade se tornaria, por natureza, mais meritocrática e menos estática (embora não necessariamente mais baixa) ao longo da história: a racionalidade econômica, nesse caso, levaria à racionalidade democrática.

As forças de divergências são aquelas que garantem que os indivíduos com os salários mais elevados se separem do restante da população de modo aparentemente intransponível, ainda que por ora esse problema pareça um tanto pontual e localizado. São também, sobretudo, um conjunto de forças de divergência atreladas ao processo de acumulação e concentração de riqueza em um mundo caracterizado por crescimento baixo e alta remuneração do capital. Esse segundo processo é potencialmente mais desestabilizador do que o primeiro, o do distanciamento dos salários, e sem dúvida representa a principal ameaça para a distribuição igualitária da riqueza no longo prazo.

A história da renda e da riqueza é, portanto, sempre profundamente política, caótica e imprevisível. O modo como ela se desenrolará depende de como as diferentes sociedades encaram a desigualdade e que tipo de instituições e políticas públicas essas sociedades decidem adotar para remodela-la e transformá-la.


COMENTÁRIOS DE PÉ DE PÁGINA:

1.      Então, tendo presente Piketty, a Pátria Educadora, nas mãos do quarto ministro da Educação do atual governo produziu no último ENEM: dos quase seis milhões de jovens que compareceram aos exames do ENEM 0,0032% atingiram a nota máxima na redação e 8,19% receberam a nota zero. Em relação aos exames de 2013 a média caiu 9,17%.

2.      O atual ministro da fazenda (ou será de economia) declarou que a questão do desequilíbrio das contas de energia não serão mais resolvidos com o repasse da União para “salvar” as operadoras, porque o Estado teria que elevar impostos para viabilizar os recursos. A solução, mais democrática, será a de aumentar o preço da energia paga pelo consumidor.

Se considerarmos a questão endêmica da corrupção que solapa recursos e explicita caráteres e a competência técnica e a razão objetiva pela qual são escolhidos os mandatários da república em todos os setores, vamos nos distanciando a passos largos das oportunidades de desenvolvimento de um mapa mais razoável da riqueza e da renda.

Se entendi bem Piketty, as forças de convergência (entre elas a Educação) não garantem nada. A essencialidade está nos atores sociais.


Até breve.

(*) O Capital no século XXI/Thomas Piketty; tradução Mônica Baumgarten de Bolle. 1ª ed. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

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