quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

ARCA



Penso que o episódio de Paris, todo ele, é mesmo emblemático.

Para além daquilo que contempla o atentado e, na sequência, a captura dos assassinos, as manifestações recorde contra as ações dos terroristas e até mesmo o debate se são apoiadas por todos os muçulmanos há, em minha opinião, algo ainda mais relevante.

Os mecanismos civilizatórios estão em agonia, a civilização se brutalizou de tal sorte que perdemos o controle dos atos. Não posso imaginar se em outros tempos, mesmo os mais remotos, fomos tão selvagens.

Há um gosto pelo sangue no ar.

Por todos os motivos, dos mais vis e hediondos aos menos justificáveis e compreensíveis, dos conflitos bélicos às revoluções sociais e étnicas, aos de trânsito nas grandes cidades do Terceiro Mundo (Brasil, em especial), por um celular ou tênis, por uma paquera à mulher alheia, por qualquer motivo, por qualquer razão, das mais torpes às mais insignificantes, estamos matando dizimando semelhantes e cada morte a cada dia torna-se mais banal.

Nenhuma perda significa.

A raça se mostra no contemporâneo incapaz de temer algo que a ultrapassa e possa puni-la na exata dimensão de seus feitos. Fosse eu afeto à religião, qualquer que fosse, desde a de Cristo, Maomé, Buda ou outros ícones, diria que a falta deles ou a fanática presença deles nos torna primitivos como nossos antepassados não o foram.

Quando temíamos aos raios e a outros fenômenos da natureza, depois explicados pela nossa ciência da razão, talvez não fossemos tão bestiais.

Triste constatação. Nem os horrores da Primeira Grande Guerra ou da Segunda, nem o terrível Holocausto, nem o Vietnam, nem todos os conflitos que você possa listar comigo agora têm a dimensão do que se mostra no tempo presente.

A morte do negro nos EUA que pedia ar, o assassinato dos dois policiais em seguida. O atropelamento intencional do amante da namorada de um jovem que culminou também com a morte de uma senhora inocente que dormia em sua casa. O assassinato do policial à jovem carioca.
Todo dia, a cada hora, selvageria pura.

Para além das questões econômicas se vamos ou não ter crescimento no futuro que implique em melhor distribuição de renda com a expansão do capitalismo o que devemos debater é algo que tem sido mais selvagem que a nossa ganância.

É nossos intestinos, nossa ira, nossa animalidade insana.

O coração sofre diariamente ao tomar contato com o que se passa. Falava aqui outro dia se eu deveria manter minhas janelas abertas. Noninha ontem, de passagem para o teatrinho onde foi com sua avó, entrou vestida de bruxa em meu escritório.

Até quando vamos conseguir fazê-la aprender sobre o temor pela fantasia?

Quão cruel seremos com nossos recém-chegados quando estivermos apresentando a eles a cena da cruel realidade?

Como dizer um basta ao grande inimigo desconhecido que inocula sobre nós o gosto de sangue?

Como conter o crescimento da barbárie e nos dar a chance de nos fazermos Humanos. Mesmo que retornemos à época em que éramos tão ingênuos que temíamos o trovão, o raio, a natureza.

Talvez Alá, Deus, sei Lá mais Quem, deveria começar tudo de novo.

Ou somos obra de Lucíferes?


Até breve.

EM TEMPO: Para ilustrar leiam: CRIANÇA

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