quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

NÓS



Há exatos trinta e sete anos atrás, eu e Ela, nos atamos.

Lembrei-me, hoje, de que escrevi o texto do convite, impresso em papel cartão (o mais vagabundo disponível na gráfica) de oito por doze centímetros. A frase inicial formatada à direita do corpo do texto dizia:
A propósito de nós dois em um só, CORPORALMENTE.

E foi assim. Desde lá, muito no corpo, na alma e na mente sofreram profundas transformações. O corpo talvez tenha sido o único que perdeu com o passar dos anos. A alma vai ficando mais branda, mais leve, mais lavada. A mente mais madura, viajada, lúcida.

Tecer cotidianamente a tarefa impõe cuidados constantes, na medida em que a vida vai cobrando brandura, compreensão e tolerância recíprocas. Não somos os mesmos a cada dia e, assim, temos que ver no outro alguém que também se renova e, nem sempre, na perspectiva desejada. Daí dá um profícuo trabalho, se a proposta é de ir refazendo a cada tempo a aliança.

Escrevi este post em um avião que decolou em Punta Arenas e aterrissou em Santiago do Chile, onde vamos permanecer até sábado, quando voltamos para BH. Fruto de um desejo que ela acalentava há muito tempo: estar na Patagônia. Aliás, dependesse de mim jamais faríamos como temos feito todos os anos, viajar para lugares distantes, quase sempre no exterior, para celebrarmos o dia em que nos casamos. Invariavelmente para destinos que ela escolhe. E eu a sigo e, também invariavelmente, gosto e muito.

Posts a frente pretendo relatar algo para além do convívio com Marlidina, Francisco e André, embora quem se interessar pelas maravilhosas paisagens do extremo sul possam encontrá-las na rede.

Já digo, um pouco: estar a metros dos glaciais é indescritível, seja no Lago Grey ou aos pés da Torres del Paine. Caminhar quilômetros pelas inúmeras e variadas vegetações do parque é deixar o olhar, o coração e os pulmões ao largo. Encontrar aves, animais, flores, árvores de espécies nunca antes contempladas, proseando com os guias e os demais turistas em diferentes idiomas é como passear pelo tempo sentindo a vida.

E é por ela que escrevo este post. Pela vida.

Ontem recebemos, por Pretinha, duas notícias. Ambas marcam para todo o sempre o dia de hoje. A primeira: os dois primeiros dentinhos de nossa netinha começaram a nascer. A outra notícia: perdemos Seu Divino.

Seu Divino, o nome era mais do que apropriado para a pessoa que foi nosso caseiro em Santa Luzia, por quase 15 anos. Jamais conheci alguém de humor tão refinado, paciência com Ela em suas inúmeras alterações dos jardins de nossa casa. Jamais poderei me esquecer de seus ensinamentos sobre o mundo rural.

Jamais vou me esquecer, também, de seus incontáveis préstimos fundamentais. Por exemplo: quando construíamos a casa eu recebia madeiras de demolição para serem colocadas como piso. Seu Divino observava os operários descarregando as peças e olhava para mim com um olhar inquiridor, mas não dizia nada. Até que ele veio ao meu encontro e disse:

- Gulhô, cê vai colocá essas porcaria na sua casa tão bonita? Tá tudo podre, Gulhô!

E estavam mesmo. Pedi que voltassem com as madeiras para o caminhão e fui reclamar com o fornecedor. Fomos eu e Ela ao depósito e escolhemos uma por uma para nos serem entregues.

Doravante, quando memorar meus anos de aliança estes dois fatos seguramente serão lembrados.


Até breve.

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