terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

AVALANCHE

 







“Tecnologias são ferramentas que refletem os que as usam. A internet é um espelho da sociedade e, se você não gosta do que lá vê, não quebre o espelho, mas tente mudar o que nele está refletido”. (Vint Cerf, pioneiro da rede e um dos criadores do TCP/IP, o protocolo que deu voo à internet)

 

 

Desafio estimulante esse de acompanhar novas realidades, em sendo cada dia mais velho. Sim, velho no sentido de ter vivido/passado sob outras circunstâncias, outros parâmetros, ou saberes, quereres, poderes.

Especialmente agora, em que o tempo foi solapado pela pandemia, tirando de nós um pouco do controle de seu passar e, ainda, nos deslocou dos espaços convencionais de convivência.

Some-se ou atribua-se tudo isto ao advento da tecnologia digital, que nos trouxe a exposição franca, extensa e frequente de um tudo que, queiramos ou não, nos acomete.

Poderíamos até supor que vivemos um tempo de transição. Minha suposição vai em outra direção: acho que a avalanche de transformações disruptivas extrapola suas influências direta ou indiretamente sobre cada um de nós.

Penso que a avalanche é, em si, a “nova realidade” e estar revolvido ou massacrado por ela constituirá a nossa reserva psíquica, sobretudo.

Gostei muito, porque me identifiquei com algumas facetas da protagonista do filme Pelas Ruas de Paris, em cartaz na Netflix.

Reproduzo aqui a crítica (com pequenos ajustes) de Vinícius Gonçalves, publicada no site Cinemascope.

“Como se posicionar diante à devastadora crise – política, econômica, social – em que vivemos? De que modo podemos conciliar a monotonia e a alienação cotidiana com novas formas de existência? Pelas Ruas de Paris é um filme que, do começo ao fim, indaga sobre a nossa condição existencial, nos desamarrando das certezas e crenças que gestam nossas vidas.

Longe de centrar a história na tensão do relacionamento em que vivem Anna  (Noémie Schmidt) e o seu namorado, Greg (Grégoire Isvarine), o longa parte dessa premissa para detonar questões de natureza existencial que tocam profundamente na razão de ser da vida.

Como de práxis em filmes franceses, vemos a experimentação audiovisual extrapolar o uso convencional da linguagem, demonstrando como forma e conteúdo necessariamente precisam estar alinhados para que se extraia do cinema, a sua real potência. Isso se materializa no modo como a obra, de um lado, problematiza a nossa existência, indagando sobre a essência da vida, nunca esgotando a reflexão, ao contrário, colocando mais e mais perguntas no decorrer do filme. E, de outro lado, por meio de uma filmagem vertiginosa que mais apresenta as reflexões do que narra os acontecimentos, como estamos acostumados.

O conflito central é o de Anna que, vivendo ao lado de Greg, tenta ao máximo problematizar a sua condição existencial. Esse modo desviante do ser da personagem, com crescentes interrogações filosóficas/existenciais, confere à Anna um caráter de outsider. Isso se corporifica na belíssima cena em que Anna, em meio a uma multidão, caminha contra o fluxo corrente de pessoas.

Como evidencia o próprio título do filme, a rua é o cenário que dá corpo às reflexões. A personagem em quase nenhum momento cessa de caminhar ou correr. Em meio a protestos, conflitos sociais e tragédias convivemos com as angústias da personagem que, não obstante, são as nossas próprias.

A obra não se apresenta como um buraco sem fundo, onde drama, depressão, solidão e pessimismo ofuscam a potência da vida. Em meio ao conflito existencial, Anna aponta para modos de conciliação com a existência, mesmo que por rumos vagos e imprecisos, a personagem convoque outros modos de organização da vida coletiva e de existir.

À deriva, Pelas Ruas de Paris, onde sonho e realidade se tornam uma coisa só, convivemos com as indagações de Anna que não apenas dizem respeito ao seu personagem.”

Na realidade, são questões próprias de todos nós e de nosso tempo.

 

Até breve.


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