quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

OIA





Em uma parede, em cima de algumas primeiras edições raras, de antigos mapas da ilha vulcânica e um abajur de linho manchado, uma cronologia traça a evolução da ‘Atlantis Books’, desde uma ideia regada a muito vinho, em 2002, até tornar-se uma das livrarias mais fantásticas da Europa. Do terraço tem-se a visão do Mar Egeu. Prateleiras de livros se movem revelando beliches onde os trabalhadores podem dormir.

Com o tempo, espalhou-se a notícia de que também escritores visitantes poderiam passar as noites de verão escrevendo e tirar um cochilo ali, e o proprietário começou a receber e-mails solicitando um beliche na colônia de escritores mais impressionante do mundo, em uma ilha que Platão julgava ser a Atlântida perdida.

Nos últimos quinze anos, enquanto turistas a bordo de navios de cruzeiro invadiam a aldeia de Oia, na ponta mais setentrional de Santorini, a ‘Atlantis Books’ tornou-se um oásis de autenticidade e de sanidade cultural. As páginas amareladas e as prateleiras de madeira trazida pelas marés emanam um cheiro de mofo. Os clientes andam em volta do cachorro da loja, Billie Holiday.

Folheiam obras de ficção, poesia, ensaios e raridades. Uma primeira edição de The Great Gatsby de F. Scott Fitzgerald, sem a sobrecapa de um dos livros raros mais procuradas do mundo, está à venda por seis mil euros.

Atrás da máquina registradora há uma primeira edição extremamente rara de A Christmas Carol de Charles Dickens. Seu preço: quase dezoito mil euros. Os livros raros vendem bem porque a ilha se tornou um destino famoso para pessoas com muito dinheiro.

Atlantis não é a mais antiga e nem a menor livraria da Europa. Ernest Hemingway não escreveu ali.

Meu coração de uns meses prá cá passou a bater por me levar à Teruel, reconhecida pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, cidade localizada na região de Aragão, Espanha, a província menos populosa do país (30.000 habitantes).

Já estive em Santorini, mas não sabia da Atlantis Books.

Hoje, ao ler matéria no Estadão de onde bebi como fonte para os primeiros parágrafos deste post, meu coração vacilou.

Passo a pensar em alugar um dos beliches, se houver algum disponível, para ficar por ali e padecer do cheiro de mofo do ocaso de uma literatura. Junto com Billie Holiday ocupar um espaço qualquer e, como ele, em um dia qualquer deixar a ilha.



Até breve.

2 comentários:

  1. Gostaria de merecer um beliche na Atlantis, nem que fosse para um rápido cochilo acordado!

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    1. Bora juntos? Billie Holiday nos receberá de patas abertas. Tenho certeza.

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