terça-feira, 21 de janeiro de 2020

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Retornei ontem, pela manhã, ao batente. À noite assisti Viver Duas Vezes, na Netflix.

Com grata surpresa e alegria constatei que minha alma não esta seca, como disse aqui no último post. O filme me fez lacrimar aos gritos.

À parte as deliciosas cenas secundárias, o drama central contempla cenas impagáveis. Quando Emilio (Oscar Martínez) é diagnosticado com Alzheimer, ele e sua família resolvem partir em busca do seu amor de infância.

Na iminência do encontro com Margarita, a paixão precoce, a família tenta ajudar Emílio para decorar o que dizer a ela no momento.

- “Minha vida era como uma noite escura até você aparecer e como um meteorito iluminou as minhas estrelas”, sugere a netinha.

- “Não, isto não tem muito sentido porque as estrelas têm luz própria. Elas não precisam de outro astro para brilhar”, rebate Emílio.

- “Fale papai: o que Margarita tinha de especial?”, pede a filha.

- “Ela era como o número pi. Gosto muito de matemática porque é lógica pura. Os números são racionais previsíveis. Mas, de repente, no meio dessa harmonia, aparece o número pi. Um número misterioso, infinito. Um número vivo. Cria seu próprio caminho sem seguir padrões estabelecidos. E isso faz com que a Matemática além da lógica, também seja mágica. Isso era a Margarita para mim: a magia.”

Um dos danos mais críticos de minha compreensão passa por Platão. Quase sempre vivo no mundo das ideias onde tudo é perfeito. O que há no mundo real não passa de uma cópia imperfeita desse mundo das ideias.

Assim, com o Amor. À distância, que não se aproxima, não toca, não envolve, é feito de fantasias e de idealização, onde o objeto do amor é o ser perfeito, detentor de todas as boas qualidades e sem defeitos.

Caramba! Falei.

Que vive nas ideias desses amantes, que cantam os poetas mais delirantes, que juram os profetas embriagados, que está na romaria dos mutilados, que está na fantasia dos infelizes, que não tem certeza nem nunca terá, que não tem conserto nem nunca terá, que não tem tamanho, que não tem decência nem nunca terá, que não tem censura nem nunca terá, que não faz sentido, que todos os avisos não vão evitar, por que todos os risos vão desafiar, por que todos os sinos irão repicar, por que todos os hinos irão consagrar, e todos os meninos vão desembestar, e todos os destinos irão se encontrar...

Que não tem Lógica e não serve aos seres racionais e previsíveis.

A cena final de Viver Duas Vezes, supostamente construída pela mente de Emílio a partir do experimentado na infância, me soou como um convite. Diante da vastidão do oceano contemplar todo o Infinito.

Não fosse a Arte, não valeria viver.



Até breve.

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