quinta-feira, 24 de setembro de 2015

DESCACHOLAR



Desculpem-me, mas de novo sou guiado pela astrologia:

“As coisas tendem a ficar dramáticas demais por algum tempo, isso é algo que você precisa considerar com sabedoria e de forma antecipada, preparando-se para não perder a cabeça de forma precipitada em momento algum.”

Como se não bastasse, li hoje também a coluna do Veríssimo no Estadão que ele encerra com:

“...conseguimos evitar a guerra nuclear, uma cura para o câncer é iminente e todo dia aparece um sabor novo de picolé –, mas, às vezes, parece que estamos escorregando para mais mil anos de obscurantismo e estupidez. Né não?”

Minha fala aqui no dasletra, como de resto qualquer outra, é parcial e parcialmente na medida em que ela está dentro de um espaço e um tempo sobre o qual não se tem nenhum controle. 

Meu tema, as Humanidades (as artes, a filosofia, as ciências humanas, a literatura), decorre de como a sociedade contemporânea capitalista vive a experiência do tempo.

Apoiados em vários filósofos poderíamos dizer que o tempo é o presente da sensação, o passado de uma experiência que é a memória e o futuro uma expectativa que, em geral, é a esperança.

Houve um tempo em que as Humanidades tinham a função formadora e civilizadora. Iniciado no século dezoito com o Iluminismo e a Revolução Francesa que cortou a cabeça da aristocracia, pregou que Deus não existia e que era apenas uma articulação da igreja para dominação dos homens. Ali se acreditou que o substitutivo da teologia seria um novo conjunto de discursos, que teriam a função de libertação da Humanidade dos laços da servidão.

Nascem as universidades com o escopo da análise do passado das letras, das artes e da filosofia para ensinar as novas gerações a se dirigir em direção à um futuro em que, para a ideologia burguesa ocorreria a acumulação do bem estar social e o progresso da razão.

Kant enunciava que as luzes eram para todos e que, nos futuro, elas eliminariam toda ignorância, toda a superstição, todos os homens seriam iguais, não existiriam diferenças de nenhuma ordem, nem de sexo, raça, cor e se viveria a pura democracia.

A gente sabe que não aconteceu bem assim.

Nos anos 80 houve uma gigantesca reformulação mundial dos meios de produção pelo capital e o advento da maciça informatização levou a uma redefinição de Cultura: o moderno havia acabado. Durou desde os iluministas até 1980 e, a partir daí, a sociedade passou a viver o pós-moderno.

A cultura passou a ser, como tudo, um bem de troca, um presunto.

Vivemos hoje o que filósofos e historiadores franceses chamam de presentismo. Nenhum de nós se lembra do que comeu ontem à tarde, a cor da roupa que vestiu ontem, nós não temos memória de ontem muito menos memória histórica do que aconteceu em nosso país há vinte anos.

Mas e se se pergunta: e a Revolução? E o futuro?

O mais grave para as Humanidades é que elas, também, passaram a se subordinar às leis do mercado. Valem hoje quanto pesam, ou seja, nada. Um livro quando é lançado é simultaneamente apagado por um trilhão de outros lançamentos e outros blablabás de outros textos que produzem uma poeira de discursos, uma simultaneidade.

Cinco minutos depois ficam esquecidos.

Somos uma sociedade sem memória e, portanto, sem futuro também.

Rockefeller dizia: quando me falam de cultura, eu saco o meu talão de cheques. Isso nos anos 20 quando ele estava comprando obras de arte, Picasso, Matisse, para doar para os museus americanos. Era um capitalista ilustrado. Um nazista diz: quando me falam de cultura, eu saco a pistola. A solução nazista é esta em relação às Humanidades, queima livros ou mata os autores.

Hoje fundimos o Rockefeller com o Nazismo, uma espécie de indiferença radical em relação às Humanidades.

Ocorre que esta destruição é mundial. Na Alemanha, por exemplo, em Munique as universidades estão fechando cursos de filosofia onde se estuda Estética.

Para quê ter esperança?

Acho que, neste momento, perdi a cabeça e de forma precipitada.



Até breve.

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