segunda-feira, 10 de novembro de 2014

LIMITES



- Só não podia bater na cabeça porque ficava louco e nas costas porque dava tuberculose e não tinha cura. O resto podia de tudo, beliscão, vara de marmelo, chinelo e até de chicote.

Quando entrei no taxi e cumprimentei o motorista ele foi logo me saudando.

- Bom dia!!!

- Bom dia, tudo tranquilo?

- O importante é ter saúde e alegria, o senhor não acha?

- O senhor, pelo visto, já passou dos quarenta...

- Moço, põe mais trinta e nove...  Faço oitenta no meio do ano que vem...

- O senhor me parece muito bem...

- Acabei de pegar um passageiro jovem que entrou no carro e disse ríspido o nome da rua que queria que eu levasse ele. Eu disse: ‘Bom Dia’. O rapaz gritou: Pode ser bom dia para o senhor, porque prá mim tá um péssimo dia!

- Sei...

- O senhor não se impressiona com os jovens de hoje, não? Eu tô triste com essa turma, sabia? Outro dia peguei uma menina jovem que só falava palavrão, desses mais cabeludos, até que uma hora ela parou e eu perguntei a ela se ela tinha saúde. ‘Tenho, por quê?’ Eu falei que era muito importante ter saúde e ela gritou comigo. ‘O senhor tá aí nessa moleza, num tem porra de chefe, nem nada!’

- A turma tá muito perdida...

- Puxa, moço, mas eles hoje têm tudo... Essa caixinha que eles não soltam tem telefone, tira foto, fala com todo lado do mundo, num sei mais o quê... Eu, rapaz, num tive nada... Roçava, tirava leite, andava léguas para chegar na escola, num tinha livro, nem caderno, passei fome e...

- A vida era outra...

- Nossa e como era. A gente tinha que andar numa linha danada senão meu pai e minha mãe caiam prá cima da gente e davam surra de tudo quanto era jeito. O senhor, também?

- E como?

- Então eu acho que é isso... Eles falam aí de educação, falam de escola, falam de tudo isso aí, mas eu num sei não... Tô sem esperança nessa juventude. Os pais não podem fazer nada, tão trabalhando, a professora se exigir e se forçar a meninada a mãe vai na escola e pede para demitir a professora. Eu apanhei de régua, fiz cópia de ficar com os dedos inchados, ficava de castigo. Hoje, esses meninos a gente não pode falar nada pra eles que eles respondem a gente com violência e desamor...

- Vire à direita, por favor...

- Muito bem, não já vamos chegar... O senhor não acha? É uma tristeza essa garotada. O rapaz desceu do carro, me pagou e quase me ofendeu por eu ter desejado bom dia. A menina, de outro dia, quase me bateu porque eu disse para que ela não falasse tanto palavrão se a vida é tão bonita...

- O senhor pode parar ali, por favor. Eu atravesso a rua, o número 883 é ali mesmo...

- Perfeitamente... Olha foi muito bom falar com o senhor, me desculpe tá, o desabafo...

- Ora, não se preocupe... Bom dia para o senhor.

- Bom dia, muito obrigado.




Até breve. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário