sexta-feira, 26 de julho de 2013

MILAGRE



Hoje, quando deixávamos São Petersburgo, pedi a Sergey, nosso guia de turismo, que ele me dissesse uma palavra que, na opinião dele, sintetizasse a cidade. Ele titubeou, disse que era uma tarefa muito difícil, mas depois, com convicção, disse a palavra que dá título ao post.

A Cidade de Pedro, O Grande. Grande não só pelos seus dois metros e três centímetros de altura, mas principalmente por tudo que este Imperador (ou Czar) realizou desde que assumiu o trono em 1699, aos vinte e oito anos. Aos 32 começou a edificar a cidade e morreu aos 54, em 1725.

Formou-se em dezessete profissões, esteve em várias cidades mais evoluídas e trouxe delas além de idéias, projetos, materiais e arquitetos. As edificações até então na Rússia eram em madeira. Foi Pedro quem começou a usar pedra e tijolo sobre um solo de geologia construtiva frágil, pantanoso e formado por inúmeras regiões alagadiças.

A cidade agora de oitocentos palácios é tombada pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade. Considerada a capital das pontes, pois foi construída sobre 45 ilhas e tem 400 pontes de diferentes dimensões. Várias destas tem as partes centrais levantadas, entre a zero hora e quatro da madrugada, para a passagem de embarcações de maior porte que cruzam os inúmeros rios, principalmente o Rio Neva que mede 70 Km de extensão, até um quilômetro de largura e profundidade média de vinte metros.

No verão, como agora, ocorrem as noites chamadas brancas: anoitece a zero hora e amanhece às quatro da madrugada. Sol apenas durante sessenta ou setenta dias no ano, disputando com chuvas que precipitam e de repente cessam.

O inverno castiga de setembro a abril com temperatura chegando até a trinta graus centígrados negativos, o que faz congelarem os rios que banham a cidade e o Mar Báltico, próximo, trazendo ventos que tornam mais agressiva a sensação de frio glacial.

Nossa estadia relâmpago de quatro dias deixou-me insatisfeito. São Petersburgo é um lugar para visitar e estar por anos. Sim, somente muitos anos serão capazes de fazer compreender a avalanche de fatos históricos marcantes de seus quatrocentos e dez anos que jorraram sobre nós trazidos por Sergey, nativo da cidade.

Os relatos das construções, dos monumentos, das inúmeras obras de artes, teatros, igrejas, das passagens de canais que inspiraram Tchaikovsky para compor “O Lago dos Cisnes”.

O Palácio Hermitage, hoje museu, que começou a ser construído em 1752, o primeiro edifício foi concluído em 1762; o quarto e último edifício ficou pronto em 1860. No acervo do museu existem três milhões de objetos dos quais apenas vinte por cento estão expostos.

O Palácio de Verão dos Imperadores, também transformado em museu, com sua fachada de trezentos e trinta metros e seus bosques e jardins distribuídos por, não se alarmem, cento e cinqüenta hectares onde estão cento e cinqüenta fontes imensas com estátuas em mármore, granito ou folheadas a ouro que brilham quando o sol acontece.

Estas fontes são abastecidas por uma nascente que desliza de uma colina de cento e vinte metros de altura próxima ao palácio e que, por declive, faz jorrar jatos e mais jatos de água desde a construção dos jardins em 1805 até hoje, ininterruptamente.

Para dar a noção de grandeza o salão de baile do palácio usou quinze quilos de ouro trazidos da Sibéria. Catarina II, neta de Pedro, comprou as obras completas de Voltaire, porém mandou guardar nos porões do Palácio Hermitage. Temia pelas idéias revolucionárias do francês.

Inenarrável experiência esta em São Petersburgo. Eu poderia editar aqui inúmeras fotos e/ou vídeos que registrei das inúmeras obras motivo do maior orgulho para seus hoje mais de cinco milhões de habitantes.

Outras inúmeras fotos e/ou vídeos dos palácios visitados, dos museus, dos edifícios, dos jardins, das praças, das igrejas como a do Salvador do Sangue Derramado que recebeu esse nome porque foi construída pelo filho de um dos imperadores assassinado no local. Uma maravilha inesquecível de tirar o fôlego.

As fotos e/ou vídeos do Palácio de Catarina II, que fica a vinte e sete quilômetros do centro da cidade. Um dos salões, chamado Salão do Âmbar que, depois de ter sido saqueado pelos nazistas na Segunda Grande Guerra, foi restaurado durante trinta anos e custou aos cofres do estado o montante de US14 milhões e empregou nove toneladas de âmbar. Ímpar.

Prefiro concluir este post que escrevo a bordo de um trem que nos levará em viagem de quatro horas à Moscou. Eu gostaria de deixar a melhor impressão de São Petersburgo, eu poderia dizer que não se deve morrer sem conhecê-la, eu poderia dizer que ela é mesmo uma cidade extraordinária.

Vou levar, no entanto, o olhar de alguns de seus cidadãos. Há nele uma tristeza fascinante, inclusive nos olhos desta menina que nos serve a refeição no trem.

É que a História grandiosa e comovente deste povo não se deu sem a perda de milhões de vidas humanas. Durante seus impérios, revoluções, suas guerras, insurreições, golpes de estado e também na construção das inúmeras obras de engenharia e artes cobraram inúmeras vidas.

Em 1941, quando do cerco à Leningrado (nome da cidade de São Petersburgo de 1924 a 1991) os nazistas privaram de alimentos os moradores que resistiram à entrada daqueles inimigos de guerra. Morreram dois milhões nas ruas, vítimas de fome e de frio que na época chegou a menos quarenta e cinco graus centígrados, embora o Estado entregasse a cada homem 150 gramas de pão, 100 para cada mulher e 75 gramas para cada criança. Até enquanto foi possível.

São Petersburgo, história de tragédia e esplendor. Hoje, todos os recursos arrecadados nos principais museus são enviados para o Ministério da Cultura em Moscou e distribuídos para a manutenção daqueles menos visitados pelos turistas. Ocorre também o aluguel para casamentos, festas e recepções diversas custando até duzentos e cinqüenta mil euros por noite.

Prefiro ficar com o humano da história contada e sintetizada em uma palavra por Sergey e que ilustro em duas fotos. A primeira tirada de uma foto exposta na Igreja de Santo Isaac, que vem a ser o dia de nascimento de Pedro, O Grande. Dá conta de algumas pessoas colhendo hortaliças plantadas na frente da igreja por ocasião da II Guerra, quando do cerco dos nazistas. A segunda tirei de uma foto exposta em uma galeria existente nos corredores do Palácio de Catarina II, que retrata diferentes flagrantes de trabalhadores no processo de restauração após o fim da grande guerra que ceifou a vida de mais de vinte milhões em toda a União Soviética.

Em 12 de junho de 1991, ocorreu a dissolução da União Soviética constituída por dezesseis repúblicas. Desde então há um enorme esforço para restaurar este imenso patrimônio de História, arte e cultura.

Colocando de lado os horrores ideológicos ou de seus monarcas, fico novamente com Sergey: “É preciso olhar sim para o Holocausto, mas não podemos perder de vista também a nossa tragédia histórica”.

Não sei o que serão de minhas retinas e de meu coração nos próximos dias em que estou indo visitar Moscou.





Até breve.

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